Taí uma coisa que não estava em nenhum cenário sobre a condução da política econômica do governo de Michel Temer: declarações perigosas sobre a taxa de juros em pleno dia de reunião do Copom. Nesta quarta-feira (20), Ilan Goldfajn presidiu o primeiro encontro do comitê desde que assumiu a presidência do Banco Central. Ninguém esperava nada diferente do que a manutenção da taxa em 14,25% ao ano depois de todas as sinalizações dadas até agora pela nova diretoria do BC. O que também ninguém esperava era que um alto ministro do governo desse palpite sobre os juros em dia de decisão. 

 

Foi o que fez o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil. Padilha não se conteve e soltou um comentário indesejável sobre o que esperar do BC. “Se analisarmos todos os indicadores, vamos ver que os economistas do Brasil estão dizendo que, forçosamente, teremos queda nos juros. Isso agrada o presidente, e ele vê com bons olhos se nós pudermos (baixar). Mas temos que respeitar a autonomia do BC”, disse Padilha. Ah bom! Folgamos em saber que o BC pode trabalhar sem pressão! Para conter a onda de desconforto gerada pela declaração de seu ministro, o presidente interino soltou comunicado para garantir a “autonomia” do Copom

 

Não foi por isso que as explicações dadas pelos diretores do Comitê no documento divulgado após a decisão foram tão extensas e explícitas. Também não foram para frustrar o ministro Padilha, apesar de ter este efeito porque o Copom avisou que não há espaço para baixar os juros. Na visão de Ilan e seus companheiros de BC, ainda há riscos nada desprezíveis para sair se aventurando com a economia. Os mais relevantes, apontados por eles são: inflação corrente mais alta e persistente; incertezas sobre ajuste fiscal – aqui não está escrito, mas nem precisava. Sem o ponto final do processo de impeachment, não há ambiente político para avançar com aprovação das medidas mais importantes. 

 

Um ponto interessante que apareceu no comunicado do Copom foi sobre a memória inflacionária do brasileiro e a utilização dos mecanismos de proteção à moeda que mantêm ativo o processo de aumento de preços, independentemente do crescimento da economia. O Brasil tem um gatilho indexador muito forte, até hoje é assim e é muito difícil combate-lo quando vivemos tamanha instabilidade. Este quadro todo mantém as expectativas para inflação futura longe da meta de 4,5% para 2017. Apesar de já estarem recuando, o mercado espera um IPCA de 5,3% para no ano que vem.

 

Há também ressalvas positivas no recado do BC. A ociosidade na cadeia produtiva abre espaço para retomada do crescimento sem pressão sobre os preços – até porque, aponta a análise do Copom, há sinais claros de estabilidade na atividade econômica no curto prazo e a oportunidade de fazer as reformas gerando recuperação da confiança quando a política atravessar a barreira da indefinição provocada pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. 

 

Colocadas as questões acima diretamente ligadas à decisão do Copom, proponho outra: por que diabos não se pode falar sobre taxa de juros no Brasil? Por que tantos dedos e cuidados para se pedir uma coisa tão boa para o país? Afinal, quem, com mínimo de bom senso, rejeitaria juros mais baixos para uma economia tão grande e promissora? A culpa é da credibilidade. Este é tema recorrente quando se fala em controle da inflação e da estabilidade da moeda. Se o guardião da estabilidade está sob pressão política ou interesses individuais de governos, pode colocar a moeda em risco – uma história que conhecemos muito bem. 

 

Parte daquela memória inflacionária apontada pelos diretores do BC no comunicado sobre a última decisão sobre os juros vem exatamente desta desconfiança “nata”, incrustrada e resistente que a sociedade brasileira carrega ao longo de tantos anos de aventuras econômicas. O processo de amadurecimento da moeda e da segurança das pessoas sobre o futuro é complexo e pode levar muito tempo. Mesmo depois do Plano Real ainda não conseguimos avançar a ponto de podermos falar de juros à vontade – digo, as autoridades, os governantes. Há sempre a desconfiança de que algo será feito ao contrário do que seria correto, mesmo que a gente não entenda tão bem sobre o assunto. 

 

E não vai ser apenas uma autonomia aprovada pelo Congresso Nacional que vai instituir a liberdade de expressão sobre os juros. Serão anos de estabilidade e inflação sob controle e na meta estabelecida, sem efeitos nefastos sobre o crescimento da economia, que podem nos livrar das amarras da falta de credibilidade do Banco Central. Credibilidade esta que foi absolutamente comprometida nos cinco anos de Alexandre Tombini como presidente, sob os mandos e desmandos da presidente Dilma – o que nos afastou um pouco mais do ponto de equilíbrio e vai nos tomar mais tempo para corrigir. 

 

Como dizia meu pai, Hugo Herédia, pedir sempre pode. O duro é aguentar a resposta.