Como seria bom poder guardar dinheiro embaixo do colchão!
Outra colaboração da jornalista Laura Naime, que faz mestrado em Estudos Globais na Áustria, para o blog:
"Recentemente passei a alugar um quarto no apartamento de uma austríaca, em Viena. 400 euros por mês por um quarto mobiliado. Alexandra pediu para receber em dinheiro, o que eu estranhei. Afinal, no Brasil, a explicação mais provável para um pedido desses é que a pessoa queira escapar das garras do imposto de renda.
Mas ela me explicou apenas que esse era um dinheiro “marcado”, e que portanto preferia guardar em casa, separado do resto — para uma viagem que ela pretende fazer em 2018!
Se você é brasileiro e, como eu, já passou dos 30 há algum tempo, entende meu susto: guardar dinheiro embaixo do colchão é perigoso — e não estou falando do risco de sofrer um assalto. Lá pelos idos de 1980, 1990, o dinheiro perdia valor de um dia para o outro, com a inflação batendo em até 80% num mês.
Mesmo depois do fim da hiperinflação, esse fantasma nunca deixou o brasileiro totalmente em paz. No ano passado, quando a inflação no Brasil foi a menor desde 2013, ainda assim ficou em 6,29% — na Áustria, foi de 1%.
Essa inflação corrói o poder de compra e atrapalha a capacidade do brasileiro de se programar. A Alexandra não precisa se preocupar com a possibilidade de um choque econômico atrapalhar suas férias no próximo ano porque economiza em moeda estável e forte (e suspeito que também não tenha que se preocupar com o risco de ser assaltada). Mas o brasileiro que quiser começar agora a economizar para as férias de 2018 precisa procurar um banco e estudar investimentos para decidir pela melhor opção. O custo da incerteza não é apenas financeiro, mas também em tempo.
Enquanto isso, para a Alexandra, procurar um investimento mal valeria o esforço. Com inflação e juros baixos, uma poupança de 5 mil euros chegaria a render pouco mais de 1 euro em um ano — dinheiro que não valeria meia hora de esforço.
Um país onde as pessoas podem guardar sem medo o dinheiro embaixo do colchão não é bom só para os cidadãos. Com estabilidade, lojas, empresas, indústrias, podem concentrar seus esforços na produção e no que sabem fazer de melhor — sem gastar tanto tempo e recursos tentando prever e se proteger de possíveis cenários adversos, de disparadas ou quedas abruptas de preços, de mudanças de leis, de taxas de juros que variam a cada mês.
Bom para o crescimento do país e para as férias de todo mundo."