Surpresas são inevitáveis. Quando elas chegam num momento de muito desequilíbrio, o estrago pode ser bem maior do que o normal. É o que estamos vendo agora com o escândalo da operação Carne Fraca. A descoberta de um esquema hediondo de manipulação da produção de carnes colocou o Brasil no centro das atenções mundiais. Vários países já anunciaram boicote às exportações brasileiras e, mesmo que muito já tenha sido esclarecido sobre a abrangência do estrago nos produtos, o estrago na imagem do país só faz crescer.

 

Muito disso vem das falhas de gestão dos principais implicados na situação, desde a Polícia Federal até o presidente Michel Temer que demorou para reagir com mais contundência ao escândalo. A resposta mais rápida, como sempre acontece, se dá no preço dos ativos envolvidos na crise. As ações das maiores empresas de carne sofreram perdas bilionárias na última sexta-feira (17) e começaram a semana despencando na Bolsa de Valores de São Paulo. O movimento melhorou no meio do dia, reduzindo as quedas.

 

Ainda é cedo para saber o tamanho da repercussão nos mercados e quanto tempo ele vai durar, mas o dano já foi feito. Aqueles que não cometeram crime terão mais trabalho para provar sua honestidade e, enquanto isso, vão perdendo espaço para os concorrentes mundiais que não vão esperar o Brasil se inocentar para ocupar o vácuo deixado pela Operação Carne Fraca.

 

As empresas também não podem ignorar o risco à saúde dos brasileiros que consumiram carne podre sem saber. Neste caso, a reação dos envolvidos foi fraca demais, demorada e pouco convincente. O movimento no comércio parece não ter sido muito afetado pelo escândalo, já que muita gente continuou comprando carnes nos supermercados e açougues. Mas no médio e longo prazo, a depender dos alertas e do grau de esclarecimento, este quadro pode mudar.

 

Exposto o cenário da crise mais recente, chegamos aos problemas mais recorrentes do Brasil. Quero falar especialmente de inflação e dos impostos. Qualquer queda nos preços das carnes – se as empresas tiverem que reverter as vendas externas para o público interno, o que aumentaria a oferta – pode beneficiar a inflação de alimentos que vem caindo com mais força. A não ser que o governo brasileiro consiga reverter a crise com mais habilidade.

 

Sobre os impostos, estes não têm a ver com a carne, pelo menos não com o escândalo da Carne Fraca. Como disse aqui no Blog na semana passada, o aumento de tributos está sendo fortemente considerado e deve ser anunciado nesta terça-feira (22) pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O governo está com a corda no pescoço e não há mágica que faça aparecerem algumas dezenas de bilhões de reais para cobrir o rombo das despesas públicas este ano.

 

Lembremos que o governo federal tem que cumprir a meta de déficit fiscal de cerca de R$ 140 bilhões. Levando em conta a expectativa do crescimento do PIB este ano e as receitas esperadas pela recuperação da economia, ainda está faltando muito dinheiro para cumprir a meta acima.

 

A opção menos dolorosa deve ser pelo aumento de alíquotas de impostos indiretos, como PIS/Confins, Cide da gasolina e o IOF de operações com câmbio. Agora que o dólar está mais baixo, os gastos dos brasileiros no exterior ensaiam uma alta, boa oportunidade para sacar um naco desse bolo. Vamos conferir já.

 

A conclusão é que a operação Carne Fraca não deve estancar a queda da taxa de juros nem influenciar na questão fiscal – pelo menos no curto prazo. O Banco Central continuará enfrentando um quadro de queda da inflação e vai responder a isso com mais intensidade. A Carne Fraca tampouco vai impedir ou criar embaraços para que o governo anuncie aumento de impostos se as contas públicas realmente não deixarem outra opção.

 

Mesmo que os efeitos nefastos de mais este escândalo não sejam explosivos para a condução da macroeconomia, eles são extremamente danosos para a percepção sobre o Brasil. Já somos um dos mais corruptos do mundo e, depois da descoberta da carne podre, essa imagem ganha o reforço de pessoas sem nenhum escrúpulo, nenhum, nem o mais elementar deles. Aqui rouba-se de tudo e por tudo: da Petrobras à merenda escolar, do cofre público aos frigoríficos que vendem carne podre para faturar mais.

 

Isso não é nada bom para quem depende do investidor privado, especialmente dos estrangeiros, para financiar a travessia da recessão para a volta do crescimento econômico. Depois de tudo que passamos nestes últimos anos, o desequilíbrio a que chegamos, a Lava Jato, a Lista do Janot, e tantos outros episódios lamentáveis, o Brasil segue refém de seu próprio veneno – do tipo que apodrece a própria carne.