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  • Juros em um dígito novamente

    A última vez que o Brasil teve uma taxa básica de juros em um dígito foi em novembro de 2013. Há quatro anos, tudo parecia caminhar bem no país, mas o “tapete” da economia estava só engordando com tanta coisa sendo escondida e disfarçada pelo governo. Agora, quase quatro anos depois, o Banco Central deve nos levar novamente aos juros de um dígito, mas num país sem tapete e com muita sujeira espalhada.

     

    A reunião do Copom desta semana tem uma decisão fácil a ser tomada – derrubar os juros dos atuais 10,25% para 9,25% ao ano. A redução mais acentuada da taxa Selic é o movimento mais esperado pelos economistas e também pela sociedade. Fácil? Quando a alternativa é pouco, fica fácil escolher certo. A fraqueza da atividade econômica, a queda surpreendente da inflação e o esforço que o governo tem feito para blindar as contas públicas, são motivos irrefutáveis para baixar os juros.

     

    Lá em 2013, quando vivemos a última experiência de Selic em um dígito, a direção da economia era absolutamente oposta ao que encaramos agora. A inflação com pressa para subir, os gastos públicos correndo para o alto e a atividade, sendo forçada para cima por incentivos equivocados do governo, como a redução da conta de luz – sem falar do desemprego que ficava cada vez menor. Em abril de 2013, o BC começava uma escalada de alta da taxa de juros que só foi estancar em julho de 2015 – descontando a pausa política pouco antes das eleições de 2014.

     

    Nós experimentamos juros de 7,25% por apenas seis meses e pagamos o preço pela ousadia irresponsável do governo Dilma e do BC de Alexandre Tombini até pouco tempo atrás. Se tem uma coisa que deveríamos ter aprendido depois de superada a hiperinflação, era não fazer desaforos com a moeda, achando que ela obedece aos comandos dos governantes. Dilma Rousseff não acreditava na máxima (talvez ainda não acredite) e forçou o BC a baixar os juros para entregar uma promessa de campanha.

     

    Neste triste 2017, depois de dois anos da pior recessão da história, uma crise política sem precedentes, 14 milhões de desempregados, rombos recordes nas contas públicas e uma frágil recuperação da economia, o Banco Central está diante de um desafio imperdível para o país alcançar um nível de estabilidade da moeda desde o lançamento do Real. A queda dos juros, que começou há 9 meses, acontece sob fundamentos mais sólidos. Parece até piada falar em fundamentos sólidos diante do cenário descrito na frase anterior.

     

    Os fundamentos que estão criando condições para a queda dos juros também estão por trás das consequências da crise e vão dar suporte à retomada da economia. Quais sejam: contas externas equilibradas, baixíssimo risco cambial, fim das políticas de crédito subsidiado (que destorcem a eficácia da taxa básica de juros), reformas estruturais como a trabalhista e o Teto de Gastos, revirada na politica fiscal e, não menos importante, a credibilidade da equipe econômica que, apesar do caos político, segue com as rédeas do país nas mãos.  

     

    Descer a Selic para 9,25% será apenas o primeiro movimento dos juros para o patamar de um dígito. A taxa deverá cair para perto de 7% até o início de 2018, como já esperam grandes bancos e fundos de investimento que atuam no Brasil. A distorção foi tanta nos últimos anos, criando tanto espaço entre o PIB e a inflação, que nem o aumento de impostos impedirá a continuidade da redução dos juros.

     

    O IPCA não deve alcançar 4% até o final do ano, já contando com efeitos secundários da elevação dos impostos sobre a gasolina. Segundo Focus, relatório do BC, o índice oficial de inflação chegará a 3,33% em dezembro, ante 3,29% da previsão anterior, revelando uma primeira reação ao aumento dos tributos. Depois da reunião de quarta-feira, dia 26, o Copom terá mais três encontros. As previsões do mercado financeiro sinalizam cortes menores dos juros até que a taxa alcance 8% (como revela o relatório Focus desta semana).

     

    Tudo indica que vamos permanecer com níveis baixos de juros por muito mais do que seis meses – a fatídica experiência de 2013. Com a aprovação de uma reforma da previdência, mesmo que mínima, a chances de deixarmos os dois dígitos de juros para o passado aumentam.

  • Copom: pedir sempre pode, o duro é aguentar a resposta

    Taí uma coisa que não estava em nenhum cenário sobre a condução da política econômica do governo de Michel Temer: declarações perigosas sobre a taxa de juros em pleno dia de reunião do Copom. Nesta quarta-feira (20), Ilan Goldfajn presidiu o primeiro encontro do comitê desde que assumiu a presidência do Banco Central. Ninguém esperava nada diferente do que a manutenção da taxa em 14,25% ao ano depois de todas as sinalizações dadas até agora pela nova diretoria do BC. O que também ninguém esperava era que um alto ministro do governo desse palpite sobre os juros em dia de decisão. 

     

    Foi o que fez o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil. Padilha não se conteve e soltou um comentário indesejável sobre o que esperar do BC. “Se analisarmos todos os indicadores, vamos ver que os economistas do Brasil estão dizendo que, forçosamente, teremos queda nos juros. Isso agrada o presidente, e ele vê com bons olhos se nós pudermos (baixar). Mas temos que respeitar a autonomia do BC”, disse Padilha. Ah bom! Folgamos em saber que o BC pode trabalhar sem pressão! Para conter a onda de desconforto gerada pela declaração de seu ministro, o presidente interino soltou comunicado para garantir a “autonomia” do Copom

     

    Não foi por isso que as explicações dadas pelos diretores do Comitê no documento divulgado após a decisão foram tão extensas e explícitas. Também não foram para frustrar o ministro Padilha, apesar de ter este efeito porque o Copom avisou que não há espaço para baixar os juros. Na visão de Ilan e seus companheiros de BC, ainda há riscos nada desprezíveis para sair se aventurando com a economia. Os mais relevantes, apontados por eles são: inflação corrente mais alta e persistente; incertezas sobre ajuste fiscal – aqui não está escrito, mas nem precisava. Sem o ponto final do processo de impeachment, não há ambiente político para avançar com aprovação das medidas mais importantes. 

     

    Um ponto interessante que apareceu no comunicado do Copom foi sobre a memória inflacionária do brasileiro e a utilização dos mecanismos de proteção à moeda que mantêm ativo o processo de aumento de preços, independentemente do crescimento da economia. O Brasil tem um gatilho indexador muito forte, até hoje é assim e é muito difícil combate-lo quando vivemos tamanha instabilidade. Este quadro todo mantém as expectativas para inflação futura longe da meta de 4,5% para 2017. Apesar de já estarem recuando, o mercado espera um IPCA de 5,3% para no ano que vem.

     

    Há também ressalvas positivas no recado do BC. A ociosidade na cadeia produtiva abre espaço para retomada do crescimento sem pressão sobre os preços – até porque, aponta a análise do Copom, há sinais claros de estabilidade na atividade econômica no curto prazo e a oportunidade de fazer as reformas gerando recuperação da confiança quando a política atravessar a barreira da indefinição provocada pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. 

     

    Colocadas as questões acima diretamente ligadas à decisão do Copom, proponho outra: por que diabos não se pode falar sobre taxa de juros no Brasil? Por que tantos dedos e cuidados para se pedir uma coisa tão boa para o país? Afinal, quem, com mínimo de bom senso, rejeitaria juros mais baixos para uma economia tão grande e promissora? A culpa é da credibilidade. Este é tema recorrente quando se fala em controle da inflação e da estabilidade da moeda. Se o guardião da estabilidade está sob pressão política ou interesses individuais de governos, pode colocar a moeda em risco – uma história que conhecemos muito bem. 

     

    Parte daquela memória inflacionária apontada pelos diretores do BC no comunicado sobre a última decisão sobre os juros vem exatamente desta desconfiança “nata”, incrustrada e resistente que a sociedade brasileira carrega ao longo de tantos anos de aventuras econômicas. O processo de amadurecimento da moeda e da segurança das pessoas sobre o futuro é complexo e pode levar muito tempo. Mesmo depois do Plano Real ainda não conseguimos avançar a ponto de podermos falar de juros à vontade – digo, as autoridades, os governantes. Há sempre a desconfiança de que algo será feito ao contrário do que seria correto, mesmo que a gente não entenda tão bem sobre o assunto. 

     

    E não vai ser apenas uma autonomia aprovada pelo Congresso Nacional que vai instituir a liberdade de expressão sobre os juros. Serão anos de estabilidade e inflação sob controle e na meta estabelecida, sem efeitos nefastos sobre o crescimento da economia, que podem nos livrar das amarras da falta de credibilidade do Banco Central. Credibilidade esta que foi absolutamente comprometida nos cinco anos de Alexandre Tombini como presidente, sob os mandos e desmandos da presidente Dilma – o que nos afastou um pouco mais do ponto de equilíbrio e vai nos tomar mais tempo para corrigir. 

     

    Como dizia meu pai, Hugo Herédia, pedir sempre pode. O duro é aguentar a resposta.

  • O Copom e a força a invisível da indexação

    Não importa qual seja a decisão do Banco Central sobre a taxa de juros no segundo encontro do Copom em 2016 – a inflação brasileira está imune aos instrumentos disponíveis ao BC. O tema da indexação da economia voltou com força aos debates e não é por menos. Quanto menor for a confiança no controle da inflação futura, mais o sistema se defende das perdas que estão por vir. As empresas, os consumidores, os prestadores de serviços, estão todos de olho na inflação passada para definir o valor de sua produção e trabalho. Taxa de juros, principal ferramenta do BC, não age sobre o passado.

     

    Perguntei ao economista Alexandre Schwartsman como o BC pode combater a indexação. “Reduzindo a inflação”, simples assim foi a resposta. Mas isso vai levar tempo, rebati. E enquanto a inflação não baixa, a indexação não vai aumentando? “Sim. Vai. Veja, quanto mais se estende o período de convergência da inflação para a meta, mais as pessoas incorporam a inflação passada no presente. Este comportamento defensivo não é por acaso no Brasil. O BC vem prometendo a convergência para a meta e não cumpre desde 2011. Ao contrário, estende cada vez mais o prazo para chegar lá”, explicou Schwartsman.

     

    Se não está nas mãos do BC promover uma desindexação da economia, quem pode resolver isso? “No domínio do BC não tem nada que possa ser feito, a memória inflacionária é alta no Brasil. Por isso é tão importante não perder o controle das expectativas. No âmbito do governo, daria para mexer no cálculo de reajuste do salário mínimo que forçou mais indexação”, disse o economista.

     

    Obs: Aprovado em 2009 e renovado em 2015, o sistema de reajuste do salário mínimo no Brasil leva em conta o PIB de dois anos antes e o INPC de um ano antes. No ano passado, o INPC fechou em 11,28%, maior até do que o IPCA, índice oficial de inflação. É indexação na veia... 

     

    Sobre a indexação

    A indexação é um sistema de reajustes de preços com referência na inflação passada. Ela era disseminada no Brasil na época da hiperinflação já que, de um dia para o outro, o dinheiro perdia valor. Para se defender minimamente da perda contínua do poder de compra, salários e contratos também eram indexados. Era uma corrida em círculos que realimentava a inflação. O Plano Real estancou parte dessa dinâmica, mas não foi capaz de limpar a memória da sociedade da sensação de proteção que a indexação pode gerar.

     

    A maior inimiga da indexação é a insegurança, ou a falta de confiança no futuro. O “gatilho”, como era chamada a reposição automática da inflação nos preços, vai ficando mais forte quanto maior for a descrença na estabilidade da moeda, da economia. O choque de realidade vivido pelos brasileiros em 2015 acordou o “gatilho” “aos gritos”. Como não repassar o aumento da conta de luz que chegou a 70% em algumas cidades, por exemplo? Mesmo com a queda no consumo de energia, o contágio foi inevitável. A mesma coisa aconteceu com outras tarifas e preços ligados ao dólar – este então, subiu 49% em 2015!

     

    O IPCA, índice calculado pelo IBGE e adotado pelo sistema de metas para inflação, tem uma composição que esclarece o poder da indexação na trajetória dos preços no Brasil. Na largada, o indicador tem cerca de 60% dos preços indexados. Os monitorados, que são regidos por contrato, são o espelho retrovisor da economia, eles têm peso de 30% no IPCA. Os preços ligados ao dólar também, já que dependem da variação da moeda americana – eles são outros 30% do IPCA. Os últimos 40% do índice são de preços livres, ou seja, que respondem ao equilíbrio (ou desequilíbrio) da oferta e da demanda na economia.

     

    A indexação alimenta a chamada “inflação inercial”, aquela que vai sendo carregada ao longo do tempo reagindo pouco, ou quase nada, ao que acontece na economia real. Com mais ou menos demanda, por exemplo, tem lá um pedaço da inflação que está conectada ao passado e não vai se mexer facilmente. No Brasil, esta inércia cresceu demais de 2014 para cá. De 2015 para 2016, ela deve dobrar. O próprio BC já mostrou que a contribuição da inércia no IPCA foi de 5% em 2012 e de 11% em 2013 e 2014. Em 2015 ela caiu para um dígito, mas a expectativa é que ela volte com força e dobre em relação aos níveis de 2013 e 2014.

     

    “A recessão que o BC precisará fazer terá que ser maior por causa das expectativas estarem fora da meta de inflação, ou seja, é mais custoso perder a credibilidade. Vamos precisar de mais recessão e mais juros para convencer a sociedade de que é para valer, que o BC vai mesmo reduzir a inflação. Até agora, não foi o que ele fez. Ao contrário, na hora “H”, ele tem feito para trás”, arremata Alexandre Swchasrtman, se referindo às mudanças nas mensagens e nas ações dos diretores do Copom sobre sua estratégia de ação. 

     

  • Copom joga mais incertezas no cenário econômico

    Veja análise da decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 14,25% ao ano.




Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.