Decreto contra ‘pedaladas’ é cartada de Levy
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está sendo bombardeado por todos os lados, cambaleando em sua cadeira e falando pelos cotovelos para tentar salvar seu plano de ajuste das contas públicas. Mesmo com as derrotas no Congresso Nacional e a torcida contra, Levy conseguiu dar uma cartada de mestre para blindar os cofres públicos.
Foi publicado nesta sexta-feira (2) um decreto oficial que proíbe o poder Executivo federal de ficar devendo a qualquer instituição financeira por mais de cinco dias. A medida é um reforço institucional importante à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas significa, acima de tudo, que a bicicleta do governo perdeu a corrente, não vai poder pedalar mais.
Com tanta crise acontecendo ao mesmo tempo, as ‘pedaladas fiscais’ do primeiro mandato de Dilma Rousseff perderam espaço no debate. É bom que voltem à tona, porque elas são causa de boa parte das distorções nas contas públicas e podem provocar um acontecimento inédito na história nacional: a reprovação das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União. O TCU não engoliu as movimentações feitas pelo ex-ministro Guido Mantega e pelo ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, para disfarçar o rombo nos gastos públicos entre 2012 e 2014 – neste último ano com mais intensidade.
Para apresentar (ou tentar) um resultado positivo entre gastos e receitas do governo, Mantega e Augustin foram atrasando repasses do Tesouro aos bancos que pagam benefícios sociais e previdenciários, como o Bolsa Família, o abono salarial e o seguro desemprego. Lá na boca do caixa dos bancos, o cidadão recebeu em dia. Mas o dinheiro saiu da carteira das instituições e não dos cofres públicos. Foi pedalando muito que Mantega e Augustin esconderam até R$ 40 bilhões de reais de repasses devidos e, ainda por cima, deixaram o governo largando a bicicleta quebrada para Joaquim Levy se virar.
O tamanho do estrago foi aparecendo durante os primeiros meses deste ano e, com a ajuda da recessão na economia (que derruba a arrecadação), levou o Brasil a uma situação gravíssima na gestão das contas públicas. A primeira consequência foi a drástica redução da meta de superávit primário para este e o próximo ano – aquela economia para o pagamento dos juros da dívida. A segunda foi o envio ao Congresso Nacional de um orçamento para o ano seguinte já prevendo um rombo de R$ 30 bilhões no caixa. Outro marco inédito para o país.
Na sequência, o Brasil perdeu o grau de investimento da agência de classificação de risco Standard & Poor’s causando um pega-pra-capar no mercado financeiro que passou a recalcular o “preço” do Brasil – vide o dólar acima de R$ 4 e a alta dos juros para a rolagem da dívida pública. Claro que o agravamento da crise política colaborou e muito para este quadro. Mas seguindo a cronologia dos fatos, é evidente a parcela de responsabilidade (ou irresponsabilidade) das pedaladas fiscais na formação desse cenário.
Pelo decreto publicado, está proibido que o Tesouro fique devendo para qualquer instituição financeira por mais de cinco dias. Se isso acontecer, o governo tem que cobrir o saldo em 48 horas. Vai demorar para entendermos a importância desta mudança porque vamos passar muito tempo convivendo com os efeitos nefastos do que foi feito antes dela. Por agora, resta saber quantas cartadas mais o ministro Joaquim Levy vai conseguir jogar enquanto tentam tirá-lo da jogada.