Neste primeiro mês do governo de Michel Temer aconteceu tanta coisa que o calendário de 30 dias dá a sensação de que parece ter sido muito mais. Na política a agenda é tão ou mais conturbada quanto era antes, mantendo elevado o risco de governabilidade que o PMDB esperava afagar com a chegada à Presidência da República, depois da votação expressiva para o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Por ingenuidade ou excesso de soberba, a liderança pemedebista subestimou o estrago que operação Lava Lato poderia provocar no núcleo político do partido e mais, que a legitimidade escassa do governo Temer viria rapidamente com a saída do PT do poder.
O desafio maior de Temer, numa simplificação realista, é fazer o estado caber dentro da economia, levando em conta que a economia está muito menor do que deveria estar e o estado, muito maior do que deveria ser. A equação é complexa e foi ficando cada vez mais intrincada com ajuda da própria Constituição nacional que criou o maior programa de benefícios do hemisfério sul, esperando que na nossa terra, tudo que se plantasse, nasceria – até dinheiro. Como dinheiro não nasce da terra, o modelo faliu. Mas não antes de criar um ambiente de desigualdades absurdas – como, por exemplo, os benefícios e seguros aos servidores públicos, em detrimento da segurança e do estímulo à iniciativa no setor privado.
Como tantas outras discrepâncias que o Brasil coleciona em sua história, o ciclo atual não poderia deixar de registrar as suas. Mesmo perdendo ministros e assessores para os escândalos de corrupção, o presidente interino conseguiu convencer e trazer para seu governo nomes que têm de sobra o que a maioria de seus aliados padece: credibilidade. Sob a neblina da crise em Brasília e dos protestos sociais contra o novo governo, Temer pode ter criado a melhor e mais ajustada equipe econômica desde o Plano Real. E olha que naquela época, ainda que com a hiperinflação, o desafio institucional era menor simplesmente porque não haviam tantas instituições estabelecidas e reconhecidas no país como hoje.
Juntando a maioria dos nomes no mesmo organograma de um governo, esta passagem vai deixar a marca de uma unidade de pensamento e visão econômica poucas vezes vista no Brasil. Com o grau de fisiologismo e apadrinhamento político que temos no país, e que cresceu enormemente nos últimos 10 anos, muitas áreas técnicas e entidades reguladoras de caráter técnico perderam suas competências e deixaram de ter força suficiente para cumprir seu papel de maneira horizontal. Isso vale desde a Nova Matriz Econômica até as agências reguladoras, que são braços periféricos da gestão, mas também estratégicos. Vale também, e muito, para os bancos públicos como BNDES, Banco de Brasil e Caixa.
Sem falar das empresas estatais que são o retrato mais desolador da extensão da corrupção e da ousadia de políticos, empresários e atravessadores no Brasil. A Petrobras, como num golpe de sorte, tem agora Pedro Parente em seu comando. Quem acompanha a trajetória de Parente desde o segundo mandato do governo de FHC, não acreditava que ele estaria disposto a voltar para o governo, muito menos diante de uma crise tão profunda – sem falar da gravíssima situação da estatal, vítima maior da corrupção agora combatida pelo juiz Sérgio Moro. Sorte da Petrobras e de seus milhares de acionistas que perderam fortunas e, muitas vezes, seu patrimônio, ao decidirem financiar a petrolífera sem nunca imaginar que estavam financiando um dos maiores escândalos de corrupção do mundo.
No BNDES, Maria Silvia Bastos Marques também já teve sua passagem pelo setor público, mas cravou seu sucesso à frente da siderúrgica CSN. O banco de fomento foi um canal usado pelo governo do PT para distribuir R$ 500 bilhões a empresas e setores escolhidos, sem que houvesse avanço na taxa de investimento do país, ao contrário, ela caiu impiedosamente nos últimos cinco anos, comprometendo a capacidade de o país crescer robusta e sustentadamente nos cinco anos à frente.
No Banco Central, chega o economista Ilan Goldfajn, que toma posse nesta segunda-feira (13) em Brasília com cerimônia de pompas e circunstâncias. Os grandes executivos do mercado financeiro estarão em peso no auditório do BC prestigiando Ilan mas, principalmente, corroborando a urgência de uma mudança na gestão da política monetária. Com juros em 14,25% ao ano, inflação rodando perigosamente perto dos 10% e a pior recessão da história, o novo líder do Copom chega de mãos atadas, pés amarrados, mas com a boca livre para dar recados, apontar rumos e pedir a confiança da sociedade para a briga contra inflação e pela volta da estabilidade da moeda.
No comando das grandes decisões, Henrique Meirelles ainda nos deve um projeto mais detalhado e com muitas notas explicativas sobre os meios e os objetivos de cada mudança que pretenda implementar na política econômica. Os esboços conhecidos até agora deram apenas a noção de que aquela visão compartilhada pela nova equipe apartidária do governo tem a ver com o longo prazo, com a saúde financeira do estado, com a previsibilidade na economia e com a segurança das regras. Falta saber como caminharemos até lá. As vitórias alcançadas até agora no Congresso, como a nova meta fiscal para este ano e a reintrodução da DRU, são chaves de fenda para apertar os parafusos da primeira engrenagem, apenas.
A turbulência política e social não dará tréguas e isso impõe um risco ainda maior de que haja não só grandes obstáculos para mudanças essenciais, como pode haver desfiguração de medidas que tenham peso institucional importante com um custo político maior. O calendário no governo de Michel Temer precisa ser acompanhado em horas e não em dias. Aqui o mantra tantas vezes repetido pelo ministro Meirelles cai muito bem: o Brasil precisa ir devagar porque estamos todos com pressa e ninguém aguenta mais ser atropelado pela crise.