Entender de economia não reduz as contas de casa
Compartilhar a experiência pessoal vale quando ela é comum à maioria das pessoas em volta. A conta de luz de março da minha casa veio cinco vezes mais alta que a do mês anterior. Recuperada do abalo, saí pelos cômodos tirando tudo da tomada e me perguntando como isso pode ter acontecido. A temperatura em São Paulo está mais baixa nesse último mês e o ar condicionado praticamente não foi usado. A maioria das lâmpadas é do tipo econômica e o aquecimento da água, a gás.
A culpa é das bandas tarifárias, que cobram mais caro quando a energia vem da fonte mais cara – que é o nosso caso, já que as usinas hidrelétricas estão capengas e as termelétricas, a mil. A culpa é também do Tesouro Nacional que “resolveu” que não pagaria mais pelas más escolhas do “chefe direto”, bancadas por ele até o ano passado. Como as empresas do setor elétrico estão em frangalhos, com caixa furado e um rombo enorme para cobrir a redução forçada da tarifa de luz, a minha conta precisa subir cinco vezes.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revelou que os consumidores estão mais pessimistas que os economistas – não era para menos! Segundo levantamento, a maioria dos entrevistados pela FGV espera uma inflação de 8,8% para os próximos 12 meses. Pelo último relatório Focus, produzido pelo Banco Central com a opinião de 100 analistas, a expectativa para IPCA de 2015 está em 8,23%.
O confronto das opiniões mostra que o bolso entende mais de economia que o especialista. O conhecimento específico serve para compreender o cenário, questionar a trajetória, acompanhar as ações para a correção e tentar antecipar as mudanças – a tal da previsão para economia. Nenhum desses benefícios isenta do pagamento de uma conta de luz cinco vezes mais cara.
A expectativa dos consumidores com o futuro da economia é ingrediente de gosto forte na receita do Banco Central para manter a estabilidade da moeda. Enquanto ela não muda, ele não pode parar de atuar para controlar os preços. A pesquisa da FGV é uma sinalização “intuitiva”, ou “subconsciente”, dos brasileiros de que os juros vão continuar subindo. Enquanto houver uma perspectiva ruim para os preços no futuro, o BC precisa agir para estancar o contágio na formação de preços.
No mercado financeiro, à sua maneira, os economistas também mostram que esperam alta dos juros na próxima reunião do Copom, na semana que vem. De uma semana para cá, a expectativa deles mudou de uma alta de 0,25 pontos percentuais para 0,50 p.p – o que levaria a taxa básica para 13,25% ao ano. O reforço na dose, que poderá ou não se confirmar, é mais uma evidência de que a sensibilidade à alta dos preços é “holística”.
Para não perder o bom humor, mesmo com uma conta de luz absurdamente mais alta, reproduzo aqui uma conversa ouvida na sala de espera de um posto de saúde (público): “Antigamente a gente tinha medo do escuro. Hoje a gente tem medo é da luz!”.