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  • O ajuste fiscal é uma banana

    A política pode até responder o porquê da irresponsabilidade no trato dos cofres públicos, mas a crise e o bom senso não aceitam qualquer argumento. Antes de sair de férias os deputados aprovaram um pacote de salvação dos estados e mandaram mais uma enorme fatura para a sociedade brasileira pagar. Os governadores poderão ficar três anos sem pagar um centavo do que devem à União e, em troca, não precisam dar nada.  

     

    “Não somos reféns da Fazenda”, bradou o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, ao tentar justificar a votação de uma proposta rejeitada pela equipe econômica. Para reafirmarem sua independência eles fizeram reféns todos os contribuintes do país que serão obrigados a bancar mais uma farra com dinheiro público. O peemedebista que parecia aliado do ajuste fiscal deu uma bela banana para Michel Temer, Henrique Meirelles – e para todos nós que vamos pagar as contas.  

     

    Você acha que os governadores que estouraram os orçamentos nos últimos anos serão responsáveis a partir de agora?  E mesmo aqueles que eram a favor das contrapartidas, perderam o instrumento legal para adotar medidas de cortes e controle dos gastos. Se virasse lei proibir reajustes ou contratações, as categorias de servidores com mais poder de barganha perderiam força.

     

    A Câmara deixou para o poder executivo fazer acordos entre o governo federal e cada governador. Como me explicou a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa, o poder de aceitar os planos de recuperação apresentados pelos governadores continua sendo do ministro da Fazenda. Mas o espaço para pressão politica para liberação de recursos aumentou consideravelmente.

     

    "A Câmara deu sinalização péssima de que o que precisa é a União dar dinheiro para os estados. O que vai contaminar as discussões locais, certamente. Nem todos os estados têm base parlamentar sólida e entenderam problema. Enfraqueceu de maneira substancial a noção de responsabilidade fiscal do país que começava a emergir e solidificar”, desabafa Ana Carla.

     

    Diferentemente do que se passa no Rio de Janeiro, a assembleia goiana já aprovou o aumento da contribuição previdenciária para 14,25% e o governo estadual acredita que outras medidas importantes serão aprovadas antes do fim do ano. Casos como do Rio Grande do Sul e Minas Gerais são mais complexos e tudo indica que terão desfecho parecido com o do RJ.

     

    Há duas semanas, quando os governadores bateram martelo num projeto de ajustes, muitas contrapartidas que tinham sido exigidas pelo governo foram descartadas. A proposta que chegou para votação no Congresso estava no limite do equilíbrio entre o que Henrique Meirelles podia ceder e o que os governadores precisavam aceitar. A balança quebrou e quem perdeu foi você. Eu também. E outros milhões de brasileiros reféns da política irresponsável que domina Brasília. 

  • A máquina de imprimir dinheiro e a dívida pública

    O Brasil tem uma dívida pública de R$ 3 trilhões, o que representa quase 70% do PIB nacional. Quase 85% dos papéis vendidos no mercado estão nas mãos de brasileiros, investidores que por algum instrumento financeiro compraram um título público. Se você colocou sua poupança num fundo de renda fixa, você é credor do governo federal. A marca inédita no valor da dívida pública brasileira vai continuar piorando, ou seja, ela vai aumentar podendo alcançar até 90% do PIB nos próximos dois anos. Isto vai acontecer porque o governo precisa de dinheiro para pagar suas despesas e na falta de uma arrecadação de impostos mais robusta e uma revisão dos gastos, a fonte de financiamento é a dívida pública.

     

     

     

    É sempre arriscado fazer analogias entre a gestão pública e a administração que a maioria das famílias adota com orçamento de casa. Mas há margem para uma comparação que melhora a compreensão dos fatos, guardadas as devidas proporções. Quando falta dinheiro no caixa para pagar todas as contas de casa, a maioria dos brasileiros recorre aos bancos com empréstimos de curto prazo, ou seja, que vencem rapidamente, como o cheque especial. Quanto maior o buraco no orçamento, mais crédito será necessário para cobrir os custos. Como todos sabem, sem uma nova fonte de renda ou um aumento de salário, a tendência é que o endividamento cresça com os juros cobrados em cada operação. Como também todos sabem, se a receita da família não aumentar, a única opção é cortar gastos para evitar que a necessidade do crédito e o custo das dívidas acumuladas acabem por consumir todo orçamento. Quem nunca viveu ou ouviu a história de alguém que viu o salário servir apenas para “cobrir o cheque especial”?

     

     

     

    Ainda sobre a conta das famílias, há custos “obrigatórios” como os gastos com a casa, a comida, a saúde e o transporte. Não incluí na lista a educação porque para quem está com a corda no pescoço, a transferência dos filhos para o ensino público pode e tem resolvido parte do problema - criando outros, como a deficiência no aprendizado, uma triste realidade do sistema público de educação. Para decidir o que cortar e o que manter, as pessoas precisam se reunir e definir as prioridades da família. Até que as receitas voltem a crescer e as contas se acomodem na renda, é praticamente impossível permitir aumento de gastos.

     

     

     

    Não existe mágica para o controlar o endividamento, nem para os governos, nem para as famílias. Mas há uma enorme diferença de condições entre os dois: a máquina de imprimir dinheiro. Só o governo federal tem direito de ter a sua, que fica lá no Tesouro Nacional - o que é um poder e um perigo, como sempre. Nos últimos anos, com a receita despencando, a impressora passou a operar loucamente para dar conta das despesas que continuaram crescendo. Hoje, vivemos a pior dinâmica possível de todas estas variáveis: as receitas não voltam, as despesas não param de crescer, o endividamento sobe para financiar os gastos e a maquina de imprimir dinheiro roda para que o governo pague tudo que deve. É daí que vem os R$ 3 trilhões da dívida pública e a certeza de que este valor vai crescer.

     

     

     

    Assim como acontece nas famílias a sociedade brasileira precisa se reunir para definir o que é prioridade para o país. O orçamento do governo federal é uma peça de ficção assinada pelo Congresso Nacional e mau gerida pelo Poder Executivo há pelo menos 30 anos. Além de todas as amarrações e contabilidades criativas que escondem a ineficiência dos gastos. Por que discutir prioridades e obrigações se até hoje tivemos uma máquina de imprimir dinheiro que deu conta do recado? Porque acabou o papel, a tinta e o valor do dinheiro que circula entre nós se desfez, num fenômeno bem conhecido pelos brasileiros chamado inflação.

     

    A PEC do Teto dos Gastos tem a função de obrigar o governo, o parlamento, o judiciário e toda sociedade a sentarem na sala para resolver o problema. O que todos deveriam concordar, mesmo questionando a proposta, é de que o país caminha para uma situação de insolvência, o que seria muito mais cruel do que a recessão que vivemos nos últimos dois anos. Mas estamos longe deste consenso, num misto de desinformação e manipulação dos fatos.

     

    A Rede Solidariedade lançou um manifesto contra a PEC 241 afirmando que ela “congela a democracia porque reduz a escolha da sociedade”. Congelados estamos hoje, ou melhor, há 30 anos. Neste tempo todo fizemos de tudo, menos escolher como gastar o dinheiro que sai dos nossos bolsos e vai para os cofres públicos. A PEC do Gasto estabelece o limite do caixa e avisa: esqueçam a impressora de dinheiro, assumam a responsabilidade e o compromisso de eleger o que é melhor para a sociedade brasileira e não apenas para os privilegiados do país. 

     

     

  • A 'Escolinha' da PEC dos Gastos

    A negociação que acontece entre o governo e o Congresso Nacional em torno da PEC dos Gastos já era esperada. O que preocupa são os limites de concessão que vão impor o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o próprio presidente Michel Temer. Nos primeiros projetos que tramitaram no parlamento desde que Temer assumiu como interino, o governo fez recuos surpreendentes – caso dos reajustes de funcionários públicos e da desfiguração do projeto de renegociação da dívida dos estados. Pelo jeito que foi preparada pela equipe econômica, a PEC dos Gastos não tem tanta margem de manobra, pelo menos não sem comprometer a intensidade do ajuste das contas públicas e o tempo para que o reequilíbrio tenha sido alcançado.
     
    O relator da proposta, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), tem feito um duro discurso a favor da aprovação do limite para os gastos públicos. Ele não economiza nas ameaças sobre o que pode acontecer no Brasil se o ajuste fiscal não for aprovado. “A situação pode piorar se nada for feito. Se nós não entendermos essa chance que a população está nos dando, a consequência será uma renovação de 100% do Congresso, invasão dos parlamentos, quebra-quebra, um aventureiro se eleger presidente, vão pedir os milicos. Deus me livre!”, disse o deputado Perondi em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" nesta segunda-feira (3).
     
    Deus nos livre a todos, deputado. A situação fiscal do país está sim sob risco e vai tomar bastante tempo e demandar muita paciência da sociedade brasileira para perceber, finalmente, os benefícios das medidas que precisam ser aprovadas urgentemente. E os brasileiros estão bastante sensíveis para entregar mais sacrifícios depois de terem enfrentado mais de dois de recessão e aumento do desemprego. O resultado das eleições municipais no último domingo não deixa dúvidas sobre a decepção e, principalmente, a falta de confiança na capacidade de os políticos fazerem o que é certo. Mesmo tendo consciência do tamanho do problema nas contas públicas – todos entendem bem o rombo nos cofres de R$ 170 bilhões este ano e mais R$ 140 bi no ano que vem – a PEC dos Gastos ainda é vista como mais uma conta a ser paga e não uma saída segura para a gestão do país. 
     
    'Escolinha'
    A equipe econômica não sai de reuniões, ou de jantares, almoços, lanches da tarde com lideres políticos. O objetivo é, literalmente, educar os parlamentares sobre os efeitos da PEC dos Gastos e, principalmente, seus benefícios. Quando tomou posse definitivamente como presidente do Brasil, Michel Temer assumiu o compromisso de falar sem parar, explicar sem parar até que consigam convencer a maioria a aprovarem as medidas da proposta. Até a próxima quarta-feira (5), os deputados vão participar de encontros na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com integrantes da equipe econômica para tirarem dúvidas e aprenderem mais sobre a PEC. Muitos já estão chamando o périplo do governo de “escolhinha”, como contou o repórter Murilo Salviano, da GloboNews.
     
    O ponto mais sensível está nas rubricas de saúde e educação. Os políticos não têm coragem de impor limites a dois setores sofríveis e com tanta dívida social. Muitas emendas têm surgido na discussão da PEC na Câmara dos Deputados e nesta segunda-feira Meirelles e Perondi chegaram a um acordo: as áreas de saúde e educação só terão de se adaptar aos termos da proposta a partir de 2018. Isso significa que, nestes dois setores, a correção dos gastos vai se dar com base na receita líquida da União – se elas sobem, os gastos sobem. Todos os outros gastos ficarão submetidos ao limite já a partir de 2017. A base de cálculo para definir este teto também é ponto que tem gerado resistências.
     
    Para o ano que vem, será mantido o que já foi enviado – correção de 7,2%. De 2018 em diante, será usado o IPCA em 12 meses até junho do ano anterior. A justificativa é facilitar as contas já que a proposta de orçamento é sempre enviada ao Congresso até agosto de cada ano.
     
    A votação está marcada para o dia 11 de outubro. Na avaliação de cientistas políticos e analistas de mercado, o resultado das eleições municipais – com uma derrota dramática do PT e fortalecimento de partidos da base aliada, mesmo com a derrota do PMDB em cidades importantes – favorece a aprovação da PEC dos Gastos. Com tudo que tem acontecido no ambiente político brasileiro, estamos todos como São Tomé – é preciso ver para crer. E por mais que 11/10 esteja “logo ali”, há muitos longos dias até lá e tudo pode acontecer.  Por isso é bom que a “escolhinha” seja bem-sucedida para que a aprovação da PEC dos Gastos seja por convicção e não apenas lealdade política.

  • Por que precisamos da PEC dos Gastos?

    Se um país está precisando fazer um ajuste fiscal é porque, geralmente, abusou das politicas econômicas ancoradas nos gastos públicos. Fazer um ajuste crível e eficiente passa ser um desafio hercúleo quando a arrecadação de impostos desaba, aumentando o desequilíbrio entre as receitas e as despesas do governo. É neste contexto que o Brasil debate as saídas para devolver a economia a um estado maior de normalidade e equilíbrio. A Receita Federal divulgou nesta quinta-feira (29), o resultado da arrecadação federal em agosto – queda de 10%, pior resultado em 7 anos e quase o duas vezes maior do que a queda registrada em julho.

     

    Enquanto o caixa do governo esvazia ainda mais, o Congresso Nacional discute o projeto de lei complementar que muda completamente a gestão do orçamento federal pela primeira vez desde a estabilização da moeda, há 22 anos. A PEC 241, ou PEC dos Gastos, como já foi apelidada, está quase pronta para a votação na Câmara dos Deputados – a previsão é que ela aconteça em 11 de outubro. O economista do Itaú Unibanco, Caio Megale, escreveu um artigo para o jornal Valor Econômico nesta semana, chamando a PEC de “oportunidade histórica”, já que cria condições para repensar as fontes de financiamento das despesas e também mudar a forma de fazer orçamento público no país.

     

    O dinheiro que paga os gastos públicos vem da carga tributária, ou seja, da arrecadação de impostos; do endividamento e das privatizações. Todos concordamos, inclusive a equipe de Henrique Meirelles no ministério da Fazenda, que não há espaço para elevação da carga tributária no país. Ela corresponde atualmente a 32,66% do Produto Interno Bruto, ou seja, de toda riqueza gerada no Brasil, quase 33% vai para o pagamento de impostos. Um aumento deste patamar pode comprometer muito a capacidade de recuperação da economia e, pensando mais no longo prazo, minar ganhos de produtividade tão importantes para o desenvolvimento.

     

    No caso do endividamento público, as notas de risco dadas pelas agências internacionais de classificação dão a dimensão do problema que temos hoje com a dívida pública. O país perdeu o grau de investimento porque o endividamento soberano caminha para a insolvência – ele já chega a quase 70% do PIB e pode alcançar 100% se não houver já uma reversão na administração das contas. A emissão de títulos públicos disparou nos últimos anos para cobrir o buraco dos cofres públicos – já que os gastos não pararam de crescer e as receitas despencaram (e ainda despencam). E a um custo altíssimo porque temos a maior taxa de juros do mundo. Das privatizações sempre podem vir muitos recursos, mas é um dinheiro que entra uma vez e não volta mais, não vira uma receita corrente.

     

    As receitas do governo dependem essencialmente de como caminha a economia porque, se o PIB cresce, o governo arrecada mais imposto sobre a mesma base tributaria. Depois de dois anos de recessão profunda, tudo indica que estamos já no caminho da recuperação – não do crescimento. Vamos falar em crescimento depois de cobrirmos a devastação causada pelos dois anos seguidos de PIB negativo (2015/16). Mas o que importa agora é que vamos voltar para o “azul” no desempenho da economia. Só isto já será suficiente para estimular a arrecadação de impostos – o que pode ajudar o ajuste nas contas públicas. Mas é pouco. E não mexe em nada na dinâmica dos gastos públicos, ao contrário, pode até piorar.

     

    É aqui que entra a “oportunidade histórica” apontada pelo economista Caio Megale. O que a PEC dos Gastos pode fazer para mudar este quadro?

     

    Basicamente ela corta pela raiz um mecanismo que vale há anos no Brasil, qual seja: o gasto público nunca cai, só cresce – previdência e benefícios são os maiores responsáveis por essa trajetória ilimitada e incontrolável. Especialmente nos últimos 20 anos, se a receita aumenta – via crescimento da economia ou da carga tributária, o gasto pode subir ainda mais. Não há um compromisso com a qualidade do gasto, e sim com a quantidade. Para fazer esta quantidade crescer sem limite, o Congresso Nacional superestima as receitas e vai embutindo mais despesas no orçamento. E quando a receita não vem? O governo faz o contingenciamento, ou corte.

     

    Num evento da Fundação Getúlio Vargas, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, sentenciou: “Contingenciamento não é responsabilidade fiscal, é só correção da receita superestimada”. O que ele chama de “responsabilidade fiscal” é a noção de que, ao fazer cortes, o governo está sendo cumpridor das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas não é isso. O contingenciamento não precisaria acontecer se a elaboração do orçamento fosse mais realista, tivesse instrumentos de limites dos gastos e, tão importante quanto isto, não superestimasse as receitas com passes de mágica.

     

    A PEC 241 estabelece que a despesa não subirá mais, a não ser pela correção da inflação do ano anterior, mesmo quando a receita crescer. Aqui está a oportunidade para aprender a escolher as prioridades do país. Se a despesa é limitada, teremos que buscar a qualidade do gasto, a eficiência do gasto. A primeira prioridade da enorme lista que o Brasil tem, a redução do endividamento público está em primeiro lugar. Com a recuperação da economia e um esperado crescimento do PIB nos próximos anos, a receita vai aumentar. Ao invés de sair para “gastar no shopping”, o governo tem que pagar sua dívida. Não é assim que as pessoas fazem?

     

    Vai levar um tempo para que a dívida pública saia da zona de insolvência e é por isso que o ministro Meirelles briga tanto para que a nova regra, prevista na PEC, seja valida por pelo menos 10 anos. Seria tempo suficiente para limpar o risco do endividamento, baixar o custo da dívida e, durante esse tempo, o país reaprender, ou aprender, a construir um orçamento com o que é prioritário. Num ambiente de maior confiança e contenção de gastos públicos, o Banco Central terá uma larga avenida para percorrer reduzindo os juros de forma mais estrutural e não conjuntural. Todo este movimento pode inserir o país num novo ciclo virtuoso, mas não será logo e nem será barato.

     

    Muitas pessoas se perguntam como vamos saber escolher as prioridades, já que tudo é muito complexo no orçamento público. Tem um jeito de facilitar esta compreensão: pense no o investimento público, o dinheiro que sobra depois de pagas as obrigações do governo (previdência e benefícios, mais a máquina pública). No ano passado, ele caiu quase 30 % e deve registrar nova queda este ano. Para estancar este mal desempenho é imperativo fazer a reforma da previdência e rever as políticas de benefícios públicos. Caso contrário, apenas limitar os gastos vai acabar lidando só com a “quantidade” da despesa e não com a “qualidade” dela.  Voltar a ter um estado que tenha capacidade de investir no país, já é uma boa prioridade que vale a pena brigar por ela. 

  • Ajuste fiscal - entre a ameaça e a omissão

    A pergunta que mais persegue o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é esta: o governo vai ou não subir impostos para cobrir o buraco das contas públicas? Entre as várias modalidades de respostas que o ministro oferece a quem pergunta, há sempre a mesma mensagem: se o Congresso Nacional não aprovar as medidas de ajuste fiscal não haverá outra saída. O que é uma ameaça, não há dúvidas. A diferença aqui é que a crueldade não está em quem intimida e sim em quem não leva a sério a gravidade da crise de financiamento do setor público brasileiro.

    O ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, apelou para o drama em seu depoimento na audiência pública na Comissão Especial que examina a PEC dos Gastos na Câmara dos Deputados. “As despesas crescem sem parar e se não fizermos nada, Brasil pode virar a Grécia”. Esta ameaça forte teria sido exagerada se tivesse sido feita há um ou dois anos. Os gregos já passaram da etapa de controlar os gastos porque a situação se agravou tanto que o país vive à margem da Europa com uma recessão profunda, desemprego de quase 30% e uma dívida pública que equivale a 170% de seu PIB. O algoz da Grécia não foi a crise financeira que atingiu os europeus como muitos gostariam de pensar. Foi ela mesma que se afogou com o gigantismo e uma dinâmica de gastos públicos insustentável.


    Parlamentares que ouviram o ministro Dyogo na comissão especial disseram que ele “se emocionou” e acabou sendo mais dramático. Henrique Fontana, do PT do Rio Grande do Sul, acha que o governo está sendo maniqueísta separando quem é contra e a favor do ajuste. "O que temos aqui são visões diferentes de como buscar equilíbrio fiscal. Não ouço ministros falarem de iniciativas para aumentar receita pública", disse em entrevista à Agência Estado. Em português “aumentar receita pública” só pode ser: ou aumentar impostos ou fazer a economia crescer mais. Fontana dá a dica do imposto sobre as grandes fortunas que poderia ajudar. Poderia mesmo, mas não faz nem cócegas na corrosão estrutural das despesas púbicas do país. E seria mais uma escolha paliativa para cobrir buracos, como usar gesso no piso por onde caminham todos os brasileiros.

    Pelo tamanho do rombo acumulado até agora e o já contratado até o final do ano que vem, não há “visões diferentes de como buscar o equilíbrio fiscal”, deputado. Infelizmente, ou felizmente, só há uma solução viável para corrigir a fórmula que consome a economia brasileira impiedosamente: reduzir o tamanho do estado brasileiro e seu custo para a sociedade. A ferramenta apresentada pelo governo é a PEC dos Gastos – que está longe de ser a solução definitiva para o problema. Depois dela é urgente a reforma da previdência para evitar nova explosão dos gastos em cinco anos.

    A posição do deputado Henrique Fontana não é exclusiva do petista – ou do partido, que, importante dizer, foi responsável pela desordem fiscal instalada no país. Até mesmo o PSDB ameaça largar o ajuste fiscal no meio do caminho. “Não dá para ver o PMDB ficar fazendo graça com ajuste fiscal”, alfineta o senador Tasso Jereissati. A “graça” está nas benesses que o presidente interino, Michel Temer, acordou com servidores públicos aprovando reajustes de salários em meio à recessão e desemprego.  No fundo, no fundo é o medo (ou seria alergia?) do comprometimento que afasta a política da economia – um contrassenso que deixa o ex-ministro Delfim Netto de cabelos em pé, já que ele aponta a correlação absoluta entre uma e outra.


    Inseparáveis ou não, política e economia estão cobrando uma conta altíssima do país, sem nem contar com novos ou mais impostos que podem aparecer pela frente. “Se não fizermos nada, seremos cobrados pela história do país por termos nos omitido nesse momento", apelou Dyogo Oliveira. A cobrança já está valendo, ministro. 

  • Rombo das contas públicas é consequência apenas da má gestão do governo

    Com tanta coisa ao mesmo tempo, ninguém deu muita bola para um anúncio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) na tarde desta quarta-feira (30), que aprovou a criação de uma nova linha de financiamento a projetos de infraestrutura, com orçamento inicial de R$ 200 milhões. Para quem já concedeu mais de R$ 500 bilhões em financiamentos nos últimos anos, esses milhões são quase nada. Mas não é o montante – é a atitude que preocupa. A medida do BNDES chega no mesmo momento em que o governo apresenta um rombo histórico nas contas públicas, ou seja, alguém lá em Brasília não entendeu ainda que a hora é de corte, não de expansão dos gastos.

     

    A novidade do banco oficial foi ofuscada pela cerimônia que acontecia no Palácio do Planalto, em Brasília – o “tri-anúncio” da terceira fase do programa Minha Casa, Minha Vida. Sim, porque a presidente Dilma falou pela primeira vez desta medida lá em 2014, depois em setembro passado e agora de novo. Mas tudo bem, ela busca espaço para se posicionar sobre o processo de impeachment que sofre no Congresso Nacional e também para buscar (algum) apoio popular. De novo, os valores envolvidos são bilionários, sendo que para o governo, a conta fica em torno de R$ 40 bilhões. 

     

    O “tri-anúncio” do MCMV também serviu para embaçar a leitura dos dados divulgados pelo BC, tudo no mesmo dia! Da autoridade monetária soubemos que o Brasil tem hoje um rombo de mais de R$ 125 bilhões no caixa do governo. Este é o pior resultado da gestão fiscal do país dos últimos 20 anos. Este buraco – que ainda não chegou ao fundo – é resultado, única e exclusivamente, da má gestão das contas públicas nos últimos anos.

     

    O crescimento exponencial dos gastos vem sendo alimentado pela política econômica adotada pelo governo do Partido dos Trabalhadores nos últimos seis anos. Prática que explodiu entre 2013 e 2015, incluindo as pedaladas.

     

    Quer ver um exemplo recente da estratégia aplicada? No caso do BNDES, toda vez que o banco dá crédito a alguma empresa, a taxa de juros do financiamento é de 7,5% ao ano – a taxa básica decidida pelo BC está em 14,25% aa. Quem paga a diferença é o Tesouro Nacional. E assim é e foi feito com todo crédito concedido pelos bancos públicos para financiar os programas do governo, a maioria com taxas subsidiadas.

     

    Tão esdrúxulo quanto isso foi o BC passar cinco anos tendo que controlar a inflação que a turma do Ministério da Fazenda e do Tesouro criava. Sim, porque aumentar gastos para estimular o consumo é jogar dinheiro vivo na praça sem que o setor produtivo tenha se preparado para atender a todos. Aliás, por falar em setor produtivo, o estado brasileiro cresceu tanto nos últimos anos que tomou espaço de muitos na economia privada. Enquanto as despesas do governo cresciam a 6% ao ano (taxa média), a indústria amargava resultados negativos. Um país capitalista e do tamanho do Brasil não se sustenta tendo o setor público cada vez maior do que o privado. Para bancar esta anatomia escolhida pelo governo Dilma, (ou anomalia), alguém precisa financiar o país.

     

    Chegamos à taxa de juros. Também nesta quarta-feira, uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao Ibope mostrou, entre muitas coisas, que 90% dos brasileiros desaprovam a taxa de juros do país. Como lhes tirar a razão? No ranking das principais economias dos continentes do planeta, o Brasil não tem competidor à altura – temos o maior juro do mundo, 14,25% ao ano. E nem assim foi possível evitar que a inflação chegasse a dois dígitos. O IPCA beirou 11% em 2015 não porque os consumidores saíram às ruas para comprar de tudo e não acharam. Foi uma das correções que o governo foi obrigado a assumir depois de passar dois anos controlando preços.

     

    Num país com moeda estável, esta estratégia é, não só ineficiente, como insana. Então, essa taxa de juros que temos hoje não serve para combater esta inflação, ela serve para manter algum interesse dos investidores para seguirem financiando o país. Afinal, quem vai perder a chance de receber o melhor e mais seguro retorno disponível? No mercado nacional, 80% dos credores do Tesouro somos todos nós que protegemos nossa renda e/ou patrimônio comprando títulos públicos. Com este custo tão alto, o endividamento público cresce ainda mais – aqui fechamos a roda que gira em si mesma e vai aprofundando o rombo nas contas nacionais.

     

    O caminho de volta será longo e penoso. Principalmente se o governo continuar esgarçando o tecido frágil que sustenta a economia brasileira. Nelson Barbosa, ministro da Fazenda, e corresponsável pelo triste quadro atual, não se convence da gravidade da situação e segue criando qualquer atalho que mantenha os cofres públicos abertos. Estão aí as medidas de estímulo ao crédito anunciadas recentemente e a liberação de verbas para os ministérios de partidos ainda aliados do Planalto, registradas no Diário Oficial da União, para comprovar a insistência do ministro. 

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.