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  • Por dentro da queda da confiança



    Em agosto, pelo segundo mês consecutivo, os índices de confiança do comércio e dos consumidores, calculados pela FGV, mostraram queda. Os indicadores chegaram ao menor nível desde janeiro deste ano. Termômetro da disposição e da segurança dos agentes econômicos para consumirem e investirem, o índice de confiança pode sinalizar o que vai acontecer com a atividade no futuro. Na teoria.
     
    Na prática, a leitura sobre estes indicadores tem ganhado novas interpretações há pelo menos um ano. Depois do impeachment de Dilma Rousseff, as sondagens de confiança feitas pela fundação decolaram, numa reação impressionante para um país em plena recessão. À época, os economistas e o próprio governo passaram a acreditar que o segundo semestre de 2016 já seria de recuperação e retomada da economia.
     
    Nada disso aconteceu, ao contrário, a coisa piorou e o ano terminou com PIB em queda de 3,6%, repassando para 2017 uma carga pesada para cumprir a tarefa de voltar a crescer. Agora, vemos um cenário parecido, com sinais contrários. Os índices de confiança estão erráticos, ora para baixo, ora para cima, mas sem uma tendência definida. O índice da indústria, por exemplo, está em alta, enquanto comércio e consumidor, em baixa. O dado de serviços está bem voláteis e ainda em terreno negativo na comparação com ano passado. E ainda assim, a recuperação da atividade está acontecendo, lenta e frágil, mas real.
     
    “Esses indicadores de confiança têm a capacidade de antecipar o que vai acontecer na economia. Mas de uns meses para cá, eles deram uma embaralhada. O que era mais claro ficou menos convincente do ponto de vista de antecipar movimentos”, disse o economista chefe do banco Fator, José Francisco Lima.
     
    Lima ressalta que os indicadores de confiança têm refletido o que está acontecendo na economia: uma diferença de ritmo e intensidade na reação dos setores. A indústria foi a primeira a entrar em recessão, em 2014, foi a que mais sofreu e agora busca uma estabilização do lado positivo. No caso dos serviços, ele foi o último e está diretamente ligado às condições financeiras das famílias e das empresas. A redução dos juros e da inflação já proporcionaram alivio nos orçamentos, mas não com força suficiente para deixar a crise para trás.
     
    “Em 2016 o ambiente estava mais padronizado, ou seja, ou todos melhoravam ou todos pioravam. Agora, a situação reflete o dia a dia de cada setor, com uma intensidade diferente. A expectativa para o segundo semestre, por mais que se mantenha essa diferença de ritmos, em algum momento deve acontecer uma coordenação maior entre os setores, principalmente dos serviços”, explica o economista do Fator.
     
    Os índices divulgados nesta sexta-feira (25) pela FGV mostram também que, apesar da piora no número, a qualidade da percepção dos empresários do comércio e dos consumidores mudou. No caso do comércio, a ‘demanda insuficiente’ perdeu peso nas justificativas para a percepção sobre o ambiente. Isso quer dizer que os comerciantes não apontam mais a falta de clientes como principal fator para o abalo na confiança.
     
    Para os consumidores, melhorou a sensação com a presente e piorou a expectativa para o futuro. Melhorou também a situação financeira, ou seja, o orçamento está mais ajeitado e o ‘aperto’ nas contas reduziu. O que os comerciantes e os consumidores têm em comum é uma insegurança com o que vai acontecer com o país nos próximos seis meses. E é a agenda política e a confusão em Brasília que provoca o medo.
     
    Mesmo que o descolamento entre política e economia esteja acontecendo, as intersecções entre os dois tendem a aumentar e causar mais dúvidas. As ameaças sobre a votação e aprovação de medidas essenciais ao ajuste das contas públicas, como a reforma da Previdência, são as maiores fontes de preocupação. Ninguém sabe dizer o que isso pode causar à economia e ao dia a dias das famílias e dos negócios. Qualquer palpite mais certeiro merece questionamento. Só resta seguir em frente e interpretar os acontecimentos, um de cada vez.

  • Surpresas de abril – suspiro ou reação?

    Duas surpresas seguidas na economia, ambas sobre a atividade. O IBGE nos informa que, em abril, o crescimento dos serviços e do comércio foi de 1%, em cada setor. As previsões dos analistas e economistas era para uma queda, em ambos os casos, de cerca de 0,7%. Há, visivelmente, uma dificuldade de interpretar o que está acontecendo na cambaleante recuperação econômica.
     

    Para quem ainda refuta a retomada, mesmo admitindo que ela será lenta e corre riscos por causa da crise política, há argumentos sólidos de que a saída da recessão é uma falácia.
     

    “Ah, mas em março serviços e no comércio tiveram desempenho muito negativo – queda de 2,6% e 1,6%, respectivamente”.
     

    É verdade. A volatilidade nos resultados faz parte da lista de riscos e explica a insegurança nas previsões. Pensando em períodos, é importante pensar que, mesmo com a queda de março, o PIB do primeiro trimestre foi bem positivo e criou uma base mais favorável para as comparações estatísticas daqui para frente.
     

    “Ah, mas o segundo trimestre vai ser um fiasco. Vamos ter um novo período negativo. A agricultura já deu sua contribuição e a economia dependente do consumo das famílias, não vai conseguir sustentar um desempenho positivo”.
     

    Abril, mês das surpresas com serviços e comércio, é o primeiro mês do segundo trimestre. O consenso dos economistas quando do fechamento do período anterior, realmente foi em torno do risco de o país registrar um novo trimestre negativo. Tanto que as previsões foram ajustadas e a maioria das casas passou a esperar queda entre abril e junho.
     

    Ninguém contava com as surpresas de abril. Ajustes dos ajustes são esperados. Há mais uma surpresa relevante e que muda o comportamento esperado sazonalmente no Brasil: a superssafra do ano é ainda mais ‘super’. O IBGE acaba de anunciar que a produção nos campos será quase 30% maior em 2017. E não é só pela exportação e os bons preços internacionais das commodities que o setor colabora.
     

    No domingo passado, o colunista do Estadão, Celso Ming, esclareceu ponto fundamental para calibrar o peso do agronegócio no Brasil.  “Estudo da Confederação Nacional da Agricultura a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 2014, mostrou que o agronegócio proporciona 32,7% dos postos de trabalho no Brasil. (O agronegócio é mais abrangente do que a agropecuária. Alcança também a indústria e os serviços ligados ao setor.)”, disse.
     

    “Ah, mas foi o FGTS que colaborou com esse resultado do comércio e dos serviços em abril”.
     

    E não foi para isso que o governo liberou os R$ 40 bilhões do Fundo para quem tinha conta inativa? Eu mesma levei um susto com o saldo que eu tinha lá. Como muitos brasileiros, guardei boa parte do dinheiro, mas me permiti uma viagem nas duas semanas que férias que eu terei agora em julho – o que eu não faria antes de ter acesso ao FGTS.
     

    Na manhã desta quarta-feira (14), o Boa Vista SPC divulgou que o movimento do comércio subiu 2,7% em maio – segundo mês do segundo trimestre. A venda de carros novos, também em maio, subiu 17,1%. O termômetro da economia está desajustado, está difícil ler o que passa na cabeça dos consumidores brasileiros que, mesmo diante da crise política, estão voltando às ruas para gastar. 
     

    Reação ou suspiro? A volatilidade deve continuar, é um movimento esperado depois da recessão que vivemos. A cautela nas expectativas deve ser mantida, mas não há como refutar os dados.

  • Vendas em queda - tudo pode esperar

    Na engenharia, depois de tudo pronto fica fácil entender o que deu errado e qualquer um poder ser engenheiro de obra feita de uma coluna torta, de uma conta malfeita. Na economia existe o ex-post, ou seja, o que veio depois e pode ser constatado e confrontado com as previsões. Quando a “fonte” de informações é o comportamento dos agentes econômicos é mais difícil acertar o cálculo, já que ele está baseado no fator humano, ou seja, o imponderável – o que aumenta a margem de erro das expectativas. Foi o que aconteceu com o resultado do varejo em maio revelado pelo IBGE nesta terça-feira (12). 

     

    O consenso entre os analistas esperava um desempenho positivo do comércio varejista naquele mês. Segundo IBGE, as vendas caíram 1% em maio, quando a média das previsões era de alta de 0,5%. A piora foi disseminada e atingiu seis dos oito segmentos pesquisados pelo instituto. O que fez os economistas errarem tanto? O poder da confiança e a falta que o crédito faz. Os sinais de recuperação das expectativas já captados pelos indicadores de confiança ainda não se transformaram em consumo – isto é mais fácil entender. Para consumir é preciso mais do que a crença na melhora. É preciso crédito, além da renda disponível, claro. 

     

    Os juros do Brasil continuam sendo os mais altos do mundo, em 14,25% ao ano. E devem permanecer assim por mais alguns meses. Enquanto ele não cai, as taxas cobradas pelos bancos nas concessões de crédito estão e continuam subindo. Em junho, os juros cobrados das pessoas físicas subiram pelo 21º mês consecutivo, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). No caso dos juros do comércio (crediário ao consumidor), 11 dos 12 tipos de lojas pesquisadas subiram as taxas, com a média geral em 5,86% ao mês, o que dá 98,05% ao ano. 

     

    Para estimar o resultado fechado do mês os economistas já haviam considerado o péssimo desempenho do comércio no Dia das Mães. As vendas nesta data, uma das mais importantes do setor, foram as piores desde 2003 na série histórica do Serasa Experian. Nas contas da Confederação Nacional de Dirigentes Logístas (CNDL), as vendas parceladas no Dia das Mães tiveram queda de 16,4% na comparação com mesmo período de 2015. Ainda assim, esperava-se uma melhora no consumo capaz de levar o setor a um resultado positivo em maio, o que não aconteceu. As vendas de móveis e eletrodomésticos caíram 1,3%, e outros artigos de uso pessoal e doméstico tiveram queda de 2,4% – são compras que podem ser adiadas e foram. 

     

    Há um outro fator tão ou mais importante do que a confiança e o crédito caro: o desemprego. O mercado de trabalho está em plena fase de ajuste – para pior. As demissões, mesmo que tenham perdido força nos últimos dois meses, ainda são bem maiores do que a geração de novas vagas. Sem emprego e com crédito caro, não há consumo. Ou até mesmo com a ameaça de perder o trabalho rondando as famílias brasileiras, tudo está sendo adiado.

     

    “O varejo de maio surpreendeu negativamente, mostrando vendas abaixo do que sugeriam os principais indicadores coincidentes para o mês. Entretanto, o resultado é consistente com nossa avaliação de que, devido às defasagens com que o mercado de trabalho reage à fraqueza da atividade econômica, a tendência de queda nas vendas varejistas deve continuar nos próximos meses”, diz o relatório feito pelos economistas do Itaú Unibanco enviado a clientes.

     

    Para junho o Dia dos Namorados vai dar sua contribuição negativa já que as vendas caíram 9,5% este ano, segundo o Serasa Expirian. Namorados também podem esperar... Que o desalento não tenha afetado o romantismo que pode ser criativo e compensar a falta de um embrulho de papel.

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.