Na manhã do dia 11 de setembro de 2001 eu fui para o prédio do Banco Central em Brasília, como fazia todos os dias desde janeiro do ano anterior. Eu trabalhava na assessoria de imprensa do BC sob o comando do jornalista João Borges – atualmente editor de economia da GloboNews em Brasília. Era uma terça-feira, dia em que os diretores que moravam em outras cidades chegavam. Armínio Fraga estava de férias nos Estados Unidos, para onde havia se mudado um de seus filhos. Aproveitando a saída de Armínio, João Borges também tirou uns dias e eu estava responsável pelo atendimento à imprensa naquela semana.
Assim que eu virei no corredor que dá acesso à sala de imprensa – até hoje no mesmo lugar – vi duas pessoas paradas na porta olhando para a pequena TV que compartilhávamos na antessala da assessoria, uma TV ainda de tubo pendurada no fundo da sala. Perguntei o que chamava tanto atenção deles já que não era comum haver novidades aquela hora da manhã. “Parece que um avião bateu no WTC em Nova Iorque”, me responderam. Eram poucas informações ainda e não havia incontáveis fontes de noticias naquela época. A primeira coisa que me veio à cabeça foi perguntar às secretárias do Armínio Fraga se tinham notícias dele, já que ele estava nos arredores da cidade.
A jornalista da GloboNews narrava o prédio em chamas e rapidamente começaram a surgir as versões sobre ataque terrorista. Meu pai me ligou para me perguntar se eu estava vendo aquilo e se podia tentar falar com a minha irmã, Renata, que trabalhava ali perto, numa agência de publicidade. Enquanto falávamos o segundo avião bateu na outra torre do WTC. Foi aí que bateu o pânico. Meu pai, incrédulo ao telefone, me perguntava sem parar: “Isto é ao vivo ou é replay?”. Não dava para acreditar mais em acidente. “Não pai, não é um replay. Isto é um ataque”. Com coração disparado tive que desligar o telefone e sair atrás da diretoria do BC. Meu pai ficou com a aflitiva e desesperadora responsabilidade de tentar achar a Renata e me avisar.
Por causa das férias de Armínio, Ilan Goldfajn – que era diretor de Política Econômica do BC – estava como presidente interino. Na hora do ataque, ele ainda estava voando do Rio de Janeiro para Brasília, estava inalcançável. Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária, também voava de São Paulo para lá. Liguei para o celular do João Borges algumas vezes até conseguir falar com ele. Não havia smartphones e já era o máximo que os aparelhos disponíveis completassem uma ligação. O torpedo não era opção. João estava numa livraria aproveitando suas férias e, ao saber do atentado, saiu atrás de um TV ligada para entender o que estava acontecendo.
Assim que pousaram em Brasília, os diretores seguiram direto para uma cerimônia oficial em um tribunal superior. Consegui alerta-los sobre o que estava acontecendo mas também não havia muita informação a dar. Todos vieram para o BC rapidamente e, assim que chegaram, subi para a sala do Ilan. Foi aí que as torres começaram a desabar para aumentar o meu horror e medo do que iria acontecer com o mundo diante daquilo. As TV’s estavam todas ligadas, a GloboNews fazia transmissão direta com informações dos canais americanos – era angustiante acompanhar o que acontecia com a voz estremecida dos jornalistas – quem saberia o que dizer diante daquilo?
A primeira decisão da diretoria do BC foi anunciar “liquidez” ao mercado de câmbio. Isso queria dizer que haveria dólares para quem os quisesse. O movimento dos mercados financeiros era de pânico geral. O dólar abriu sendo negociado em forte alta e a bolsa de valores, em queda acentuada. Mesmo que tivesse entendido o recado, os investidores estavam cegos procurando por um porto seguro – não havia. Não era possível saber quem mais poderia ser atacado, que outro lugar do mundo – depois da maior potência ter sido atingida daquela forma – seria seguro.
Foi um triste mas importante aprendizado acompanhar de perto como uma autoridade, com a responsabilidade que tem um Banco Central, se posicionou diante daquela crise inexplicável e absolutamente truculenta. Os jornalistas que cobriam o BC à época entravam e saíam da nossa sala, tinha gente chorando, gente em choque, os telefones não paravam de tocar. Quando os mercados fecharam foi a primeira vez que consegui sentar e começar a retornar todas as ligações. Naquele dia eu fui embora do prédio depois das 10 horas da noite porque não podíamos deixar ninguém com dúvidas ou sem informação sobre a atuação do BC. Naquele dia e também no seguinte, a mesa de câmbio do BC vendeu aproximadamente US$ 200 milhões.
Sobre o momento do Brasil
Aquele ano de 2001 foi difícil para o Brasil. Nós começamos com pé direito, previsões otimistas sobre a economia. A virada de 1999, depois da desvalorização aguda do real, tinha sido superada. O país já vivia o Plano Real II, ou segunda fase do plano de estabilização da moeda, depois que o câmbio deixou de ser a âncora do controle da inflação. Aquele era o segundo ano do chamado tripé macroeconômico: câmbio flutuante, sistema de metas para inflação e equilíbrio das contas públicas através das metas de superávit primário.
No início do ano a previsão para o crescimento do PIB era de 4%. O IPCA, índice oficial de inflação, deveria fechar 2001 em 4,20% - a meta era menor do que a de hoje, de 4%. As contas externas caminhavam para o equilíbrio e o Brasil começava a ser considerado pelos grandes investidores internacionais como um “próximo porto” para grandes negócios. Não demorou muito para o primeiro freio interromper esta trajetória: o racionamento de energia elétrica. Foi em maio daquele ano que o governo anunciou um programa fortíssimo de corte de consumo de energia que ficou conhecido como Apagão.
Logo em seguida, em julho, a Argentina começou a se desfazer diante da crise aguda de sua economia – o que nos afetou diretamente já que o mundo juntava Brasil e Argentina no mesmo pacote. Nós já tínhamos feito a lição de casa, eles não. Mas a maioria dos investidores e analistas não tinha prestado atenção nas diferenças. A fuga de capitais que atingiu os vizinhos resvalou com força por aqui. Quando o 11/09 aconteceu os nossos problemas ganharam uma dimensão inimaginável. O mundo todo estava sob risco e o Brasil seria afetado novamente, não havia como escapar. Terminamos 2001 com inflação de 7,7% e um PIB de 1,5%. Aquele terrível atentado terrorista nos atingiu de todas as formas e, ao mesmo tempo, nos mostrou que os desafios do Brasil eram ainda maiores porque havia, além dos que diziam respeito somente a nós, aquele de se levantar diante daquela guerra anunciada. Infelizmente o mundo se adaptou às guerras, aos ataques terroristas que não poupam ninguém – principalmente quando eles acontecem nos lugares mais distantes.
A Renata
Meu pai levou mais de cinco horas para conseguir falar com a Renata – com as linhas cortadas, congestionadas, era impossível fazer uma ligação com sucesso. Antes de ouvir a voz dela nós soubemos pelo escritório da agência de publicidade – da filial no Brasil – que estavam todos bem. O prédio havia sido evacuado com sucesso, todos tinham saído bem, mas não sabiam informar para onde ela poderia ter ido procurar abrigo. Durante todo o dia falei várias vezes com ele e com minhas outras irmãs. Minha intuição me dizia que ela estava fora de perigo, mas só nos acalmamos quando ela disse “Alô, eu to bem, está tudo bem”. Estava sim tudo bem com a Renata. Infelizmente não estava com o resto do mundo. E aquele dia foi o primeiro e mais cruel episódio de uma era de guerras e terrorismo que não para de matar pessoas.