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  • 'IBC-Br é motivo para comemoração', diz economista

    O resultado do IBC-Br de março foi mais uma confirmação de que a recessão que começou em 2014 chegou ao fim. O índice calculado pelo Banco Central, que é chamado de prévia do PIB, registrou alta de 1,12% nos três primeiros meses do ano, encerrando oito trimestres seguidos de desempenho negativo. Em março, a economia encolheu 0,40% em comparação com fevereiro, mas não teve força para abater a recuperação mais forte ocorrida no primeiro bimestre.

     

    “Eu sou otimista, acho que tem o que comemorar sim com este resultado. O país ainda passa por um período bastante difícil, mas só o fato de voltar para o campo positivo é motivo para comemoração. Falta muito para ganhar mais tração, o que deve acontecer no para consolidar a retomada, mas os sinais indicam que ela está acontecendo e o primeiro sinal (IBC-Br) veio agora”, me disse o economista Luiz Castelli, da GO Associados.

     

    O próximo e mais forte sinal será conhecido no dia 1o de junho, quando o IBGE divulgará o resultado do PIB do primeiro trimestre. As previsões dos economistas já estão passando por ajustes, principalmente depois do IBC-Br, que veio melhor do que o esperado. Mesmo havendo consenso sobre o fim da recessão, tudo indica que a melhora no primeiro trimestre não vá se repetir no segundo trimestre.

     

    “O primeiro tri teve efeitos positivos que não vão se repetir no segundo. A melhora no setor agrícola, o efeito estatístico da indústria, as revisões feita pelo IBGE nas pesquisas sobre comércio e serviços são fatores que nos levam a esperar um PIB perto de 1% nos primeiros meses do ano. Mas para o segundo, esperamos um desempenho bem mais moderado, perto de 0,2%”, disse Castelli.

     

    A dúvida sobre o segundo trimestre também é consenso. O IBGE já nos informou que indústria, varejo e serviços tiveram em março péssimos resultados, o que pode afetar abril e contaminar o resto do período. Até por isso, mesmo depois da surpresa positiva com início do ano, que as expectativas para 2017 continuam girando perto de 0,50%.

     

    No mercado há quem espere que o país volte a registrar um trimestre negativo, entre abril e junho. Vai ficar só para o terceiro tri a chance de uma retomada mais forte. Os maiores impulsos serão a queda da inflação e dos juros. Mas a melhora da confiança também deve ajudar. Se a politica ajudar, com aprovação da reforma da previdência, o impulso pode ser maior.

     

    “O desempenho muito negativo da atividade em março pode levar o Banco Central a cortar a taxa de juros mais fortemente agora no final de maio. Se o avanço das reformas andar como a gente espera, as projeções para o PIB do último tri deste ano e para 2018, podem ter viés de alta”, afirmou o economista da GO Associados.

     

    Quem ainda não vai melhorar é o emprego. Este é o pior lado da história da rectomada da economia, que mesmo que esteja ‘piorando menos’, segue gerando insegurança e muitas perdas a milhões de brasileiros. Luiz Castelli espera que a criação de vagas formais de trabalho já comece a acontecer agora em abril, no máximo em maio. Mas será um movimento demorado e de recuperação muito lenta.

     

    “Para o ano todo esperamos criação líquida de 150 mil postos formais, nos dados do Caged. Mas nós perdemos mais de 3 millhões de empregos com carteira assinada nos últimos anos. Só devemos recuperar este estoque lá para 2020. Voltar a ter taxas de desempregos baixas é questão de anos, infelizmente”, afirmou. 

  • Qual papel nos restará?

    Em janeiro de 2003, quando entregou a faixa de presidente da República a Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso deixou dois legados marcantes: o fim da hiperinflação e o reforço das instituições brasileiras. O primeiro deles vai além da superação do trauma do descontrole dos preços porque o Brasil passou a ter, pela primeira vez em décadas, uma moeda. Qualquer comparação econômica entre o presente e o passado precisa, obrigatoriamente, levar esse fato em consideração.
     
    O segundo legado teve na Lei de Responsabilidade Fiscal seu maior marco. A LRF impôs, igualmente inédito em gerações, limites para a gestão dos cofres públicos e a criminalização aos administradores. Depois de 16 anos nos deparamos com os estragos que as brechas da lei permitiram – para ser eficiente, era preciso contar com honestidade e responsabilidade mínima dos governantes, um princípio que nunca foi tão frágil no país.
     
    Ainda falando das instituições criadas sob FHC, é fundamental citar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SBP), criado e implementado em abril de 2002. O SPB revolucionou a operação financeira no Brasil, modernizando as relações de pagamentos entre bancos, empresas e pessoas. Seu instrumento mais conhecido é a TED, a transferência eletrônica de dinheiro, que acabou com a compensação de cheques na praça. Mas o SPB é muito maior do que isso. Ele é a segurança de que a União não pagará mais por bancos quebrados – uma situação que, até então, tinha consumido bilhões de recursos dos cofres públicos.
     
    Sob a responsabilidade do Banco Central, duas entidades fortaleceram o controle dos preços e a estabilidade financeira do país. O Sistema de Metas para Inflação e o Copom. O Comitê de Política Monetária já existia há anos, mas Armínio Fraga avançou ao criar blindagens às influências políticas e transformando a comunicação do BC uma ferramenta essencial ao controle da inflação. Desde então, as decisões e as atas do Copom jamais vazaram – pelo menos até pouco tempo atrás. Sob o governo de Dilma Rousseff essa blindagem ruiu e o BC se transformou em instrumento ideológico, atropelando as barreiras de proteção à estabilidade da moeda.
     
    O Sistema de Metas, criado em 1999, foi o maior avanço macroeconômico depois da criação do Plano Real. Sem ele, o país corria o risco de se perder de novo para a hiperinflação. Não apareceu no mundo, até agora, instrumento mais eficiente para a política monetária. Aqui, faz seis anos que a meta estabelecida pelo governo não é cumprida. Mas está tudo lá, transparente, escancarado. A perda da credibilidade do BC e o custo para reduzir a inflação alta nos ensinam sobre o que não fazer mais.
     
    Quando assumiu em janeiro de 2003, Lula não abriu mão da força que as instituições herdadas por FHC lhe ofereciam. Mas largou de muitas outras, como as agências reguladoras responsáveis pela fiscalização e regulação da prestação dos serviços públicos. Lula também deixou um legado institucional relevante como a Lei de Falências e todas as reformas no crédito que permitiram seu desenvolvimento e o acesso de milhões de famílias ao financiamento do consumo.
     
    Ao longo de todo esse período a maioria dos progressos alcançados na primeira década dos anos 2000 foi corroída. O desgaste acelerou-se nos últimos anos e o enfraquecimento das instituições brasileiras se deu, essencialmente, na mesma proporção do avanço do Estado sobre o país. O desejo político-partidário-ideológico conseguiu vencer as grandes batalhas atuais. Os efeitos mais perversos até agora recaíram sobre a economia – potencializando a crueldade da recessão, da alta da inflação, do desemprego e da destruição das fontes geradoras de riqueza do país.
     
    A quebradeira das finanças públicas é o troféu de vitória daqueles que tomaram o país para seus interesses pessoais e ideológicos. Vamos levar anos pagando pela ousadia e abuso de poder daqueles que assumiram a propriedade sobre o bem público. Os conchavos entre políticos, empreiteiras, empresários e figurões resultaram nesse assalto assombroso da corrupção disseminada. Enquanto uma primeira-dama vestia joias da Chanel, os brasileiros pagam cinco meses de seus salários em impostos.
     
    O episódio mais recente dessa invasão imoral sobre as instituições foi protagonizado por Renan Calheiros, uma figura política que, se o país tivesse conseguido debelar a impunidade sistêmica, já estaria banido do cenário público há tempos. Mas não. Renan se transformou num ser supremo, acima de todas as pessoas, instituições, leis -  acima do país. Ele só conseguiu ir tão longe porque seus pares nos poderes da República permitiram e, de certa forma, o empossaram no trono de onde ele reina o Brasil. Será que só nos restará o papel de súditos – ou melhor, de reféns?

  • Copom - Venceu a cautela

    O ano acabou para o Banco Central com a última reunião do Comitê de Política Monetária nesta quarta-feira (30). E acaba de forma melancólica e frustrante. A decisão de baixar os juros em 0,25 pontos percentuais, para 13,75%, foi conservadora, pautada pelo receio com os riscos que rebentam diariamente no Brasil. A frustração é perceber a armadilha que pegou o BC e vai nos manter todos amarrados com juros altos por mais tempo.

     

    No comunicado sobre a decisão sumiu a palavra “possível” no trecho que sinaliza as próximas ações do Copom, indicando que a “intensificação” da queda dos juros ficou no campo do “depende” e não mais do “bem provável”. Depende de como vão se comportar as expectativas para inflação futura e do que vai ser da economia internacional com a chegada de Donald Trump – o que muda o dólar e afeta a nossa inflação. Depende também e, principalmente, do “processo de aprovação e implementação das reformas e ajustes necessários na economia que será longo e envolve incertezas”, dizem os diretores do BC.

     

    E que incertezas! No lado das certezas, temos a constatação de que aquela recuperação sonhada da economia sumiu do horizonte e pode ter sido apenas uma ilusão de ótica. Quem confundiu o olhar de todos que acreditavam no fim da recessão ainda este ano foi a confiança. Ela cresceu, cresceu, cresceu e não se transformou em dinheiro na economia, ou seja, não virou consumo ou investimento. Está aí o terrível resultado do PIB no terceiro trimestre para corrigir as lentes – queda de 0,8% com piora em todos os setores da economia. Todos.

     

    O debate sobre o certo e o errado no contexto das ações de bancos centrais costuma ser escorregadio. O balanço de fatores que têm influência no processo inflacionário da economia é instável. Em tempos de crise a arte deveria pesar mais do que a técnica. O país está na pior recessão de sua história.  A política desafia o fígado da sociedade a digerir seus descalabros e total descaso com o resto do país. A insegurança com a governabilidade aumenta.

     

    O BC de Ilan Goldfajn e seu time tem um desafio diferente de outros que já ocuparam aquelas cadeiras. Seu julgamento será implacável, mas não pode ser agora. O BC não tem força nem responsabilidade para nos salvar sozinho. Baixar os juros com mais veemência daria uma boia aos endividados e uma chama de esperança de que pelo menos a inflação está domada. Venceu a cautela. Estamos todos do lado da derrota, inclusive o BC. 

  • O checklist do BC está completo: hora de baixar os juros

    O Banco Central não poderia esperar por melhor combinação de fatores para iniciar um novo ciclo de redução dos juros no Brasil. Todas as condições necessárias para começar a afrouxar o nó que aperta o crédito e o custo do endividamento nacional aconteceram desde a última reunião do Comitê de Política Monetária, há cerca de 40 dias. O ‘checklist’ do Copom de setembro tinha desde ajuste fiscal até taxa de juros dos Estados Unidos, passando pela inflação - objeto de seu mandato - e desempenho da economia.  Seguindo a lista de prioridades que estão guiando a decisão do BC sobre os juros, temos:

    - O avanço das reformas estruturais que melhorem a situação fiscal do país. A aprovação em primeiro turno da PEC do Teto de Gastos na Câmara dos Deputados aconteceu sem que a proposta original do governo tivesse sofrido avaliações relevantes - Checked!

    - A convergência das expectativas de inflação para o centro da meta de 4,5% em 2017. As previsões mais recentes dos economistas de mercado ainda não chegaram aos 4,5% para o IPCA do ano que vem, mas estão no caminho.  As estimativas têm recuado gradualmente e estão agora em 5,04%. Há três meses os analistas ouvidos pelo próprio BC esperavam um IPCA de 5,30% para dezembro de 2017. Checked!

    - O processo de desinflação da economia. O resultado do IPCA de setembro (0,08%) foi a melhor surpresa dos últimos tempos. Não só porque o número veio bem abaixo das previsões, mas principalmente porque o processo inflacionário resfriou com o recuo da difusão da alta dos preços, ou seja, a quantidade de preços de produtos que subiram no mês passado diminuiu. Checked!

    - A inflação de serviços. Este tem sido um calcanhar de Aquiles do BC porque os preços dos serviços têm permanecido em níveis elevadíssimos há anos, bem acima da inflação total. Depois de passar muito tempo rodando entre 8% e 9%, o índice finalmente começou a recuar e já beliscava os 7%. O recuo ainda é frágil e volátil, já que nos últimos dois meses a inflação de serviços subiu - a despeito da queda continua do PIB. Parece que a trajetória de queda é consistente, mesmo que aconteçam alguns suspiros pontuais. O comportamento destes preços está muito ligado ao mercado de trabalho e ao crescimento da economia, mas também carrega muita “inércia inflacionária”, um fenômeno que mantém os preços nas alturas mesmo quando a demanda caiu e a economia encolheu. É bem provável que o peso da inércia atual esteja se desfazendo para valer. Este é um ponto que merece um “Meio-Checked”!

    - Juros nos Estados Unidos. Por enquanto, nada acontece por lá. O FED, BC americano, está dividido mas a maioria segue mais cautelosa e suficiente para impedir um aumento dos juros de supetão. O primeiro efeito esperado para quando isto acontecer, o que deve ser ainda este ano, importante ressalvar, é uma alta do dólar. Se pagar um bocadinho a mais, os títulos públicos dos EUA vão atrair mais investidores que saem dos lugares mais arriscados para  o porto mais seguro do mundo, provocando uma valorização do dólar. Agora, mesmo que isto aconteça, dificilmente vai gerar uma reação muito forte no mercado de câmbio brasileiro. O real está mais forte por contra própria - fruto do avanço da PEC do Gasto, do recuo do IPCA e da melhora da confiança com a economia brasileira. Checked!

    O último, mas não menos importante, checklist do BC é o PIB. Este ainda está fraco, frágil e rastejante. A recuperação esperada para até final deste ano não deve mais acontecer com a intensidade esperada há alguns meses. O relatório Focus, o mesmo que coleta as estimativas para o IPCA, revela que as expectativas estão mais pessimistas para este ano e estáveis para 2017 - queda de 3,19% e alta de 1,3%, respectivamente. Depois de misturar todos os ingredientes acima, se o Banco Central não baixar os juros, a receita vai encruar. A redução da Selic é o atual fermento para o bolo da economia brasileira. Ainda falta saber se a manteiga que unta a forma vai dar, se a quantidade de mistura dará para saciar tanta gente e, principalmente, se o gás do botijão será suficiente para manter a economia aquecida o tempo necessário para que a recuperação não fique limitada apenas ao fim da recessão.

     

  • O 11/09 de dentro do BC

    Na manhã do dia 11 de setembro de 2001 eu fui para o prédio do Banco Central em Brasília, como fazia todos os dias desde janeiro do ano anterior. Eu trabalhava na assessoria de imprensa do BC sob o comando do jornalista João Borges – atualmente editor de economia da GloboNews em Brasília. Era uma terça-feira, dia em que os diretores que moravam em outras cidades chegavam. Armínio Fraga estava de férias nos Estados Unidos, para onde havia se mudado um de seus filhos. Aproveitando a saída de Armínio, João Borges também tirou uns dias e eu estava responsável pelo atendimento à imprensa naquela semana.

     

    Assim que eu virei no corredor que dá acesso à sala de imprensa – até hoje no mesmo lugar – vi duas pessoas paradas na porta olhando para a pequena TV que compartilhávamos na antessala da assessoria, uma TV ainda de tubo pendurada no fundo da sala. Perguntei o que chamava tanto atenção deles já que não era comum haver novidades aquela hora da manhã. “Parece que um avião bateu no WTC em Nova Iorque”, me responderam. Eram poucas informações ainda e não havia incontáveis fontes de noticias naquela época. A primeira coisa que me veio à cabeça foi perguntar às secretárias do Armínio Fraga se tinham notícias dele, já que ele estava nos arredores da cidade.

     

    A jornalista da GloboNews narrava o prédio em chamas e rapidamente começaram a surgir as versões sobre ataque terrorista. Meu pai me ligou para me perguntar se eu estava vendo aquilo e se podia tentar falar com a minha irmã, Renata, que trabalhava ali perto, numa agência de publicidade. Enquanto falávamos o segundo avião bateu na outra torre do WTC. Foi aí que bateu o pânico. Meu pai, incrédulo ao telefone, me perguntava sem parar: “Isto é ao vivo ou é replay?”. Não dava para acreditar mais em acidente. “Não pai, não é um replay. Isto é um ataque”. Com coração disparado tive que desligar o telefone e sair atrás da diretoria do BC. Meu pai ficou com a aflitiva e desesperadora responsabilidade de tentar achar a Renata e me avisar.  

     

    Por causa das férias de Armínio, Ilan Goldfajn – que era diretor de Política Econômica do BC – estava como presidente interino. Na hora do ataque, ele ainda estava voando do Rio de Janeiro para Brasília, estava inalcançável. Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária, também voava de São Paulo para lá. Liguei para o celular do João Borges algumas vezes até conseguir falar com ele. Não havia smartphones e já era o máximo que os aparelhos disponíveis completassem uma ligação. O torpedo não era opção. João estava numa livraria aproveitando suas férias e, ao saber do atentado, saiu atrás de um TV ligada para entender o que estava acontecendo.

     

    Assim que pousaram em Brasília, os diretores seguiram direto para uma cerimônia oficial em um tribunal superior. Consegui alerta-los sobre o que estava acontecendo mas também não havia muita informação a dar. Todos vieram para o BC rapidamente e, assim que chegaram, subi para a sala do Ilan. Foi aí que as torres começaram a desabar para aumentar o meu horror e medo do que iria acontecer com o mundo diante daquilo. As TV’s estavam todas ligadas, a GloboNews fazia transmissão direta com informações dos canais americanos – era angustiante acompanhar o que acontecia com a voz estremecida dos jornalistas – quem saberia o que dizer diante daquilo?

     

    A primeira decisão da diretoria do BC foi anunciar “liquidez” ao mercado de câmbio. Isso queria dizer que haveria dólares para quem os quisesse. O movimento dos mercados financeiros era de pânico geral. O dólar abriu sendo negociado em forte alta e a bolsa de valores, em queda acentuada. Mesmo que tivesse entendido o recado, os investidores estavam cegos procurando por um porto seguro – não havia. Não era possível saber quem mais poderia ser atacado, que outro lugar do mundo – depois da maior potência ter sido atingida daquela forma – seria seguro.

     

    Foi um triste mas importante aprendizado acompanhar de perto como uma autoridade, com a responsabilidade que tem um Banco Central, se posicionou diante daquela crise inexplicável e absolutamente truculenta. Os jornalistas que cobriam o BC à época entravam e saíam da nossa sala, tinha gente chorando, gente em choque, os telefones não paravam de tocar. Quando os mercados fecharam foi a primeira vez que consegui sentar e começar a retornar todas as ligações. Naquele dia eu fui embora do prédio depois das 10 horas da noite porque não podíamos deixar ninguém com dúvidas ou sem informação sobre a atuação do BC. Naquele dia e também no seguinte, a mesa de câmbio do BC vendeu aproximadamente US$ 200 milhões.

     

    Sobre o momento do Brasil

     

    Aquele ano de 2001 foi difícil para o Brasil. Nós começamos com pé direito, previsões otimistas sobre a economia. A virada de 1999, depois da desvalorização aguda do real, tinha sido superada. O país já vivia o Plano Real II, ou segunda fase do plano de estabilização da moeda, depois que o câmbio deixou de ser a âncora do controle da inflação. Aquele era o segundo ano do chamado tripé macroeconômico: câmbio flutuante, sistema de metas para inflação e equilíbrio das contas públicas através das metas de superávit primário.

     

    No início do ano a previsão para o crescimento do PIB era de 4%. O IPCA, índice oficial de inflação, deveria fechar 2001 em 4,20% - a meta era menor do que a de hoje, de 4%. As contas externas caminhavam para o equilíbrio e o Brasil começava a ser considerado pelos grandes investidores internacionais como um “próximo porto” para grandes negócios. Não demorou muito para o primeiro freio interromper esta trajetória: o racionamento de energia elétrica. Foi em maio daquele ano que o governo anunciou um programa fortíssimo de corte de consumo de energia que ficou conhecido como Apagão.

     

    Logo em seguida, em julho, a Argentina começou a se desfazer diante da crise aguda de sua economia – o que nos afetou diretamente já que o mundo juntava Brasil e Argentina no mesmo pacote. Nós já tínhamos feito a lição de casa, eles não. Mas a maioria dos investidores e analistas não tinha prestado atenção nas diferenças. A fuga de capitais que atingiu os vizinhos resvalou com força por aqui. Quando o 11/09 aconteceu os nossos problemas ganharam uma dimensão inimaginável. O mundo todo estava sob risco e o Brasil seria afetado novamente, não havia como escapar. Terminamos 2001 com inflação de 7,7% e um PIB de 1,5%. Aquele terrível atentado terrorista nos atingiu de todas as formas e, ao mesmo tempo, nos mostrou que os desafios do Brasil eram ainda maiores porque havia, além dos que diziam respeito somente a nós, aquele de se levantar diante daquela guerra anunciada. Infelizmente o mundo se adaptou às guerras, aos ataques terroristas que não poupam ninguém – principalmente quando eles acontecem nos lugares mais distantes.

     

    A Renata

     

    Meu pai levou mais de cinco horas para conseguir falar com a Renata – com as linhas cortadas, congestionadas, era impossível fazer uma ligação com sucesso. Antes de ouvir a voz dela nós soubemos pelo escritório da agência de publicidade – da filial no Brasil – que estavam todos bem. O prédio havia sido evacuado com sucesso, todos tinham saído bem, mas não sabiam informar para onde ela poderia ter ido procurar abrigo. Durante todo o dia falei várias vezes com ele e com minhas outras irmãs. Minha intuição me dizia que ela estava fora de perigo, mas só nos acalmamos quando ela disse “Alô, eu to bem, está tudo bem”. Estava sim tudo bem com a Renata. Infelizmente não estava com o resto do mundo. E aquele dia foi o primeiro e mais cruel episódio de uma era de guerras e terrorismo que não para de matar pessoas. 

  • Dólar a R$ 3?

    Por dois dias o mercado financeiro no Brasil deixou de lado o Brexit e até mesmo os efeitos do terrível atentado no aeroporto de Istambul, na Turquia. O dólar derreteu e fechou nesta quarta-feira em R$ 3,23, menor valor em quase um ano. Só em junho, a moeda americana já caiu mais de 10% e nestes últimos dois dias o movimento foi bem mais intenso. O gatilho para a virada veio do discurso do novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Ao fazer seus comentários sobre as previsões de inflação para este ano e para 2017, Ilan deu a dica de que vai deixar o câmbio flutuar, vai agir pouco para conter alguma alta e está contando com a queda do dólar para conseguir reduzir a inflação. Pronto. Em 24 horas o dólar encolheu e se aproxima cada vez mais dos R$ 3 – um patamar considerado muito improvável há poucos meses.

     

    Ao perceber a consistência deste movimento mais recente, os economistas do Bradesco publicaram relatório revisando sua projeção para o valor do dólar até o final do ano. No documento enviado a clientes, os economistas lembram o curso que a moeda americana tomou desde o início do ano, quando a crise política assustava muito. Ela saiu da casa dos R$ 4 em meados de fevereiro, caiu para R$ 3,45 de média em junho e agora oscila em torno de R$ 3,30 – sem contar esta quarta-feira. Foram quatro os motivos apresentados pela análise do Bradesco, sem citar explicitamente o empurrão do presidente do BC:

     

    “ (1) A postura mais gradualista do Federal Reserve [BC dos EUA], que acabou gerando tendência de depreciação do dólar em relação às demais moedas; (2) a recente alta de preços de commodities agrícolas, que levou a uma recuperação dos termos de troca [mais dólares advindos da exportação]; (3) os saldos comerciais robustos e a continuidade do forte ajuste externo; (4) a nova orientação de política econômica”, diz o relatório.

     

    A variável econômica mais difícil de se prever é o dólar – e não é privilégio nosso. A moeda americana é dos Estados Unidos, responde, primordialmente ao balanço da maior economia do mundo. Como é o maior porto seguro do planeta, toda vez que acontece um chacoalhão, os investidores saem de onde há risco – mesmo que haja muita rentabilidade – e correm para ativos em dólar. Lei da oferta e de procura, quando isto acontece, a moeda encarece. Quando caminha na direção contrária, ou seja, de mais calmaria e previsibilidade, os investidores desistem de ficar com um ativo que rende tão pouco e voltam para o mundo dos emergentes e dos mais arriscados mas com as maiores taxas de retorno disponíveis no mercado – caso do Brasil.

     

    A complexidade em acertar a trajetória do dólar está, inclusive, em determinar o que é turbulência e o que é calmaria. O Brexit provocou uma alta da moeda nos primeiros dias depois do impacto com a escolha dos britânicos. Esta é turbulência, fácil identificar. O futuro dos juros dos EUA é decisão do Banco Central de lá (FED), não é fruto de uma crise, ao contrário. Subir a taxa é sinal de recuperação da economia americana, o que é bom para todo mundo. A mudança, neste momento, tem a ver exatamente com a relação de causa e efeito entre a crise no bloco europeu e os efeitos no crescimento das economias. Até que tudo isto fique mais claro, não é hora de mexer na taxa americana.

     

    Mesmo com a piscada de Ilan Goldfajn, há também uma percepção crescente sobre o fortalecimento do governo de Michel Temer. Não porque ele tenha conquistado mais credibilidade política ou esteja imune à caça contra os corruptos. O que os analistas e investidores estão vendo é uma deterioração da força do PT e da presidente afastada, Dilma Rousseff. A cada evento em que vai ficando irreversível a saída dela do governo, mesmo que isto não garanta a segurança política de Temer, o mercado reduz a margem de risco dos ativos brasileiros.

     

    Outro fator importante e com peso relevante na mudança de expectativas dos agentes de mercado está na condução das propostas e medidas apresentadas pela equipe econômica. Esta sim está blindada da crise politica porque é formada totalmente por não-políticos, com perfil técnico, competência e credibilidade reconhecidas. Jogando todos estes fatores na mesma panela, sai de lá um gosto de confiança e expectativa mais positiva com o futuro. Por enquanto e, ao que tudo parece, o dólar está gostando do aroma e do gosto deste caldo e, chegar a R$ 3 pode ser só uma questão de calibragem do fogo e de quem está com a colher na mão.

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.