Erro na escolha da meta fiscal pode transformar remédio amargo em veneno
Logo depois do dia 18 de maio, quando o mercado financeiro derreteu diante da delação da JBS, parecia que os investidores tinham tomado um calmante fortíssimo porque, mesmo diante do caos político que se instalou com o envolvimento direto do presidente Michel Temer, os mercados voltaram rapidamente ao normal. Passados alguns dias conhecemos o “remédio” que haviam tomado: equipe econômica.
A permanência de Henrique Meirelles e seu time, além de Ilan Goldfajn no Banco Central e até de Pedro Parente na Petrobras, caiu como um antidoto para todos os males que a corrupção pode causar a um país. Até aquela data fatídica em maio, eles tinham sido capazes de reverter a rota de colisão da economia com muitas reformas aprovadas, pavimentando uma nova estrutura para os fundamentos econômicos.
Cito alguns exemplos: a Lei da Infraestrutura, a das Agências Reguladoras, das Estatais, mudanças na exigência de conteúdo nacional para o setor de óleo e gás, e, especialmente, o teto para os gastos públicos. Os investidores passaram a enxergar a construção de um novo ambiente de negócios, mais blindado das vontades políticas, principalmente das corruptas, e promissor para quem vê o Brasil como destino obrigatório para investimentos.
A delação da JBS e seus desdobramentos não provocaram mais suor no mercado financeiro. Arquivada a denúncia contra Temer na Câmara dos Deputados, criou-se uma esperança – um pouco ingênua, um pouco forçada – de que a reforma da previdência seria aprovada, mesmo que desidratada. Em algum momento nas últimas semanas chegou-se a falar em um dólar abaixo de R$ 3,00!
No BC de Ilan Goldfajn, os juros começaram a cair com mais força e consistência diante do derretimento da inflação. A recessão fez a sua parte, a mais cruel, achatando a demanda com desemprego de 14 milhões de pessoas, mas houve também um choque de oferta principalmente de alimentos. A combinação chegou a ameaçar o cumprimento da meta de inflação de 4,5% com risco de ficar abaixo de 3% este ano. Não fosse o aumento de impostos que incidem sobre os combustíveis, o BC teria problemas para explicar o furo da meta.
A frase “não fosse o aumento de impostos” chega por último, mas é reveladora: a distorção na economia é tamanha que conseguiu montar o cenário acima, perverso e ineficiente. O aumento de tributos ajudou, mas está longe de resolver o problema fiscal. A calamidade das contas públicas nos colocou diante do dilema sobre a meta fiscal: ajustar ou não ajustar o tamanho do rombo esperado para este e o próximo ano? A discussão ganhou uma proporção irracional, sob forte ameaça da política – de novo!
A pressão política sobre a escolha do governo pode nos jogar numa nova crise institucional e enfraquecer aquele remédio que nos “salvou” depois da delação-bomba de maio. Henrique Meirelles parece estar batendo o pé, se recusando a aceitar a vontade dos aliados de Temer de aumentar a meta fiscal para muito além do necessário para fechar as contas. Querem gastar mais, querem mais espaço para continuar sendo irresponsáveis.
O governo precisa escolher um espaço mais adequado para acomodar as frustrações de receitas de 2017 – tanto pela fraqueza da recuperação da economia, quanto pela rebeldia afrontosa do Congresso. A acomodação deve ser suficiente para manter a racionalidade na gestão fiscal e, ao mesmo tempo, dar algum oxigênio à administração pública. Ir além disso para “acomodar” a vontade política daqueles que querem gastar mais, não importa como, será transformar o remédio amargo em veneno.
O país está à espera de uma decisão incompreensível para a maioria da população. Um entendimento que muita gente não teria obrigação de ter, especialmente diante do desemprego e do trauma que o país viveu com a recessão dos últimos anos. É imperativo que seja uma escolha técnica, responsável, comprometida com a solvência do país e não com a sobrevivência política de poucas e questionáveis figuras.