• IBC-BR – tropeço ou mudança de rumo?

    A lenda diz que agosto é o mês das bruxas. Pode-se até duvidar da sua existência, mas tem hora que a dúvida aparece. Foi neste mês que a atividade econômica do Brasil voltou a apresentar resultados negativos. Nesta quarta-feira (18) o Banco Central divulgou o IBC-BR de agosto com queda de 0,38%. O IBGE acaba de mostrar que o mesmo destino foi reservado aos setores da indústria, comércio e serviços, todos caíram no fatídico mês: 0,8%, 0,5% e 1%, respectivamente. 

     

    A maioria dos analistas já se posicionou alertando que os recuos foram um tropeço e não uma mudança de rota – da recuperação para a retração da economia. O que justifica esta segurança é a leitura que compara o desempenho de agora com o mesmo período do ano passado. Em todos os casos houve melhora, algumas mais significativas como na indústria. Outro dado que conforta as análises é sobre a difusão da retomada dentro dos próprios setores, indicando que, mesmo que frágil, a caminhada conta com número cada ver maior de atividades. 

     

    São dois outros pilares que sustentam a tese de que a recuperação não foi abortada pelos maus agouros de agosto. Um deles é a confiança dos empresários e consumidores que subiu em setembro, segundo a FGV, ou seja, passados os ventos místicos. Na mesma corrente, as expectativas para o PIB e para a dobradinha juros/inflação continuam melhorando ou em equilíbrio com cenário mais positivo. Pelo último Focus, o IPCA escapou de furar o piso da meta de inflação, terminando 2017 em 3%, a taxa básica de juros fechará o ano em 7% e o PIB vai crescer 0,72% (previsão mais alta que a anterior). 

     

    As ressalvas são basicamente três. Duas no campo econômico e uma na política. O fim do dinheiro do FGTS e da deflação nos preços dos alimentos pode afetar a sobra no orçamento das famílias que surgiu com os dois fatores no primeiro semestre. Olhando sobre a ótica direta, o benefício do FGTS foi aplicado para abater dívidas ou comprar algo muito importante ou desejado há tempos e... pronto, acabou o dinheiro. Do ponto de vista indireto, ao quitar ou reduzir dívidas, muitas famílias sentiram o alívio nas prestações ou nas limitações para novos financiamentos em condições mais favoráveis. 

     

    Como a medida do FGTS é nova, nunca tinha sido usada e, ainda por cima, foi aplicada na pior crise da história do país, era difícil prever seus efeitos, especialmente os de longo prazo. Os de curto prazo, são óbvios, mas além disso, não dá para ser afirmativo demais. No caso da deflação de alimentos, ela realmente durou bastante e parece estar chegando ao fim. Mesmo que a inflação volte a subir a partir de agora, e vai mesmo, a acomodação nas contas das famílias vai ser dar num momento de menor ameaça e pressão. 

     

    Finalmente, mas não menos importante, o mercado de trabalho. Ele vem melhorando, para surpresa geral de todos, felizmente. Ainda é na informalidade, com qualidade pior do que a ideal, mas foi capaz de reintroduzir uma fonte de renda em mais de um milhão e meio de lares nos últimos meses. A continuidade desta dinâmica ainda é incerta sobre a intensidade, mas não sobre a trajetória. 

     

    Bem, sobre a política...Para lidar com esta ressalva, as bruxas resolveram invadir todos os meses do ano e não é de agora. Como vamos sair disso, talvez nem elas ainda saibam responder. 

  • Ser otimista ou pouco otimista com Brasil? Eis a questão!

    A Comissão Econômica para América Latina e Caribe, a Cepal, acaba de revisar para cima sua projeção de crescimento para a região em 2017 e 2018: 1,2% e 2,2%. O Brasil é a maior economia do continente e certamente a melhora no ritmo da retomada na parte de cá colaborou para a revisão. Ao mesmo tempo, olhar como vão se sair os vizinhos pode comprometer o alento que muita gente vem tendo com a recuperação da nossa economia.

     

    O PIB do México deve crescer 2,2%, da Argentina, 2,4%, da Colômbia, 1,8% e o Brasil, apenas 0,7%. Como tudo na vida depende do ponto de vista, se a gente ficar olhando para os lados, a frustração será inevitável. Não só pela força do crescimento, mas pela noção de que perdemos o bonde de retomada da economia internacional, que tem espalhado benefícios até os cantos – isso tudo porque erramos sozinhos.

     

    Deixando a melancolia de lado e mudando a perspectiva para as mudanças que vêm acontecendo no território nacional, as revisões para o PIB brasileiro estão acontecendo e é unanime a visão de que ele será maior do que se esperava há pouco tempo. A maior dose de otimismo com a economia doméstica vale também para 2018 com gente prevendo alta de até 4% no ano que vem.

     

    Na praça local, os maiores bancos privados refizeram as contas e mudaram suas expectativas para cima. O FMI (Fundo Monetário Internacional) também acaba de revisar as projeções indicando alta de 0,7%, ante 0,3% da estimativa anterior para 2017. A mesma coisa bancos e entidades fizeram para 2018 e o FMI ficou na ponta dos menos otimistas com a retomada. Na tabela em anexo, o primeiro dado sobre o resultado esperado para o PIB é do Focus, relatório preparado pelo Banco Central com pesquisa feita com 100 analistas no mercado brasileiro. Em seguida, bancos e instituições com peso para formar opinião sobre o país.

     

    Para 2017, as expectativas estão mais alinhadas do que para 2018. Muitos bancos fizeram uma sintonia mais radical para o ano depois de constatar a força que o consumo das famílias exerceu sobre comércio e serviços de abril para cá. Bradesco, por exemplo, saiu de uma previsão de 0% para uma alta de 0,7% para este ano. De todas as justificativas que surgiram para este movimento, a mais sensível diz respeito ao descolamento entre a sensação de horror com os escândalos de corrupção e as atitudes dos políticos em Brasília, e a vontade de retomara a vida, o negócio, o trabalho.

     

    Disto resultou a retomada da atividade, claro, viabilizada pela redução brusca e rápida da inflação e, como consequência, dos juros, que ainda estão em trajetória de queda. A cereja do bolo foi o apetite dos investidores pelos ativos brasileiros que têm bom preço e uma promessa de um país que pode dar certo se fizermos uma boa escolha em 2018. Com dólar mais barato, as importações também se viabilizaram e injetaram gasolina nesta engrenagem frágil e lenta da retomada que vem sendo puxada pelo consumo das famílias e que tem se revertido em contratações no mercado de trabalho.  

     

    Ao ler os comentários dos analistas que validam as projeções, dois pontos se destacam para explicar a moderação dos 'menos otimistas' para o ano que vem: a recuperação do investimento e os abalos que a crise política e as eleições podem provocar. Nem um, nem outro mostra sinais de calmaria ou melhora, pelo menos por enquanto. Talvez o programa de concessões e privatizações do governo, programado para o ano que vem, possa dar uma bela empurrada no investimento de forma mais sustentável. Mas se a crise politica esquentar, as dúvidas aumentam e o calendário cresce no planejamento dos investidores.

     

    É certo que novas revisões vão acontecer e, diante do cenário atual, elas devem ser positivas ao longo dos próximos meses. O Banco Central, e não apenas o parlamento, será um dos líderes condutores deste processo. Enquanto ele vir que há espaço para seguir cortando os juros, vai provocar reações mais otimistas nos analistas e formadores de opinião. Não tem problema o FMI ficar com pé atrás sobre 2018. Seria surpresa se fosse o contrário. Talvez, a ponderação colabore para calibrar alguma euforia desmedida que sempre surge em ciclos de retomada.

     

    PROJEÇÕES PARA PIB 2017 e 2018

      
    FOCUS do BC            0,7%         2,43%             
                
     
    ITAÚ UNIBANCO       0,8%         3%                                       
                  
     
    BRADESCO               0,9%        2,8%               
                  
     
    SANTANDER            0,8%           3,2%                     
                  
     
    SAFRA                      0,6%            2,5%                    
                 
     
    IBRE/FGV                 0,7%           2,2%                    
                
     
    IFI                              0,7%           2,3%          
    (Instituição Fiscal Independente)               
                
    FMI                            0,7%            1,5%                     
                 
     
    CEPAL                     0,7%              2,2%
                 

     

  • O BC de 2018

    O ano está acabando e o quadro para inflação e juros está praticamente definido para 2017. Ainda existe a dúvida se o IPCA vai ‘furar’ o piso da meta, que é de 3%, mas isto não é relevante para a estratégia de médio do Banco Central. O evento do descumprimento da meta deve ser analisado não pela fotografia da carta que será escrita ao Ministro da Fazenda para explicar o fato, mas sim pelo o que realmente está acontecendo com processo inflacionário no país.

     

    Quanto da queda intensa e veloz do IPCA será mais permanente? Quanto da desinflação ocorrida nestes últimos 12 meses vai distender a rígida indexação da economia brasileira? Quanto tempo vai levar para a recuperação da atividade econômica ameaçar a permanência da inflação próxima a 3%? Estas são perguntas que só poderão ser respondidas ao longo de 2018, a depender de muitos fatores externos e internos.

     

    O próximo ano já tem um roteiro mais claro para a economia. E mais positivo também. A atividade deve reagir com maior intensidade, levando o PIB para perto dos 3%, com todos os setores crescendo pelo consumo das famílias. O investimento, que seguiu em queda em 2017, deve ter alguma recuperação no próximo ano, especialmente alimentado pelas concessões e privatizações que devem ser realizadas, mas ainda será uma participação pequena e insuficiente para atender à toda demanda necessária.

     

    A economia internacional vai seguir nadando em muito capital impulsionando a retomada do mundo desenvolvido. Este dinheiro todo seguirá à procura de bons rendimentos e o Brasil, mesmo com a taxa de juros menor, vai continuar sendo uma boa opção. O risco é geopolítico e não econômico, com as atenções voltadas para Coreia do Norte e as reações estapafúrdias e inesperadas de Donald Trump. Por enquanto, nenhum preço de ativo financeiro sinaliza guerra, mas tudo pode mudar em segundos.

     

    O descolamento entre economia e política não deve mais resistir tanto ao debate sobre as eleições e não há como prever o impacto que isto terá. Não haverá mais tempo nem disposição para reformas e o governo terá que conduzir a política econômica entre orações e muita matemática para fechar as contas públicas. O rombo nos cofres está previsto para R$ 159 bilhões e há risco de ser maior, a depender a força da retomada da atividade e de quanto será possível avançar com as concessões e a entrada de investimento privado no país.

     

    O Banco Central vai acompanhar toda esta dinâmica e tem a responsabilidade de fazer a sintonia dos juros com cautela e, ao mesmo tempo, uma dose de ousadia. A cautela com a fragilidade da recuperação do PIB e a ousadia com o momento de atuar e estabelecer novos parâmetros para a taxa de juros, da forma mais permanente possível. A estabilidade da moeda é e será condição essencial para que a retomada crie raízes e aguente melhor os trancos da política.

     

    No curtíssimo prazo, é bem possível que a Selic chegue a 6,5%, quiçá 6%. Não é provável que ela permanece neste patamar por muito tempo, especialmente se a política esquentar a ponto de contaminar a economia pelo canal da confiança. A ousadia do BC deve calibrar este tempo de baixa dos juros para que ela permita uma caminhada mais consistente para longe da pior crise que o Brasil atravessou na história. 

     

     

     

  • O fogo amigo do BNDES

    Desde que assumiu a presidência do BNDES, o economista Paulo Rabello de Castro vem provocando ruídos com a equipe econômica liderada pelo ministro Henrique Meirelles. Começou criticando a nova taxa de juros do banco estatal, a TLP, antes dela ser aprovada. Depois questionou, e está negando com todas as forças, a devolução de uma parcela do que o BNDES deve ao Tesouro Nacional.  Nesta quarta-feira (04), Rabello de Castro acabou com as dúvidas de quem vê nesta agenda um projeto politico.

     

    “Os juros altos são a instalação da pornografia econômica no Brasil”, disse ao participar de um evento em São Paulo. “Queremos mais moralidade no Brasil? Comecemos pelos juros!”, emendou.

     

    “Ele é candidato. Quer ser presidente do Brasil, já chegou lá pensando nisso”, disse um assessor especial do governo. No mercado financeiro muitos analistas e executivos têm a mesma visão da fonte ouvida pelo Blog. Por enquanto ninguém dá muita bola para os discursos inflamados de Rabello de Castro, desde que ele tenha alguma vitória sobre Henrique Meirelles, como não devolver os R$ 130 bilhões no ano que vem. A dívida do BNDES com o Tesouro é estimada em R$ 450 bi.

     

    “Não estou dando peso para o Paulo (Rabello de Castro). As opiniões dele são bem conhecidas e ele é candidato a presidente da república”, falou com tranquilidade o executivo de um grande banco de investimento no Brasil.

     

    O fato de não ser novidade para os colegas de governo ou para o mercado, não significa que as bravatas de Rabello de Castro sejam inofensivas. A agenda política do presidente do BNDES passou a ser de defensor da estatal como se ela estivesse sendo atacada por maus feitores. Ele está um pouco atrasado nesta missão, porque o BNDES foi realmente atacado por gente muito má até dois anos atrás. A gestão responsável e rigorosa do banco, especialmente depois do que se viu no governo petista, ficou para segundo plano?

     

    Aliás, se pensarmos em malfeitores e, até aproveitando a inspiração de Rabello de Castro, a “pornografia econômica” foi instalada no BNDES com os quase R$ 500 bilhões que vieram do Tesouro Nacional – que emitiu dívida pública para tal – e que foram emprestados por uma taxa de juros ainda menor do que a praticada pelo próprio banco, e vai nos custar centenas de bilhões de reais até 2060, quando termina o último contrato.

     

    Falar mal dos juros no Brasil não é privilégio do presidente do BNDES. Do ponto de vista do mérito da questão, quem pode lhe tirar a razão? A taxa básica praticada aqui é campeã mundial e estamos há anos tentando nos livrar deste título – sem sucesso, pelo menos até agora. A queda da taxa que vem sendo conduzida por Ilan Goldfajn no Banco Central tem sido o processo mais adequado e consistente que já tivemos desde o Plano Real. A Selic pode chegar a 7%, ou menos nos próximos meses - um cenário nem sonhado há um ano.

     

    O presidente do BNDES critica também a taxa de juro real, ou seja, a que desconta a inflação, que segue muito alta, ele também tem razão. Se a taxa básica cair para 7%, com um IPCA de 3%, ela será de 4% (numa conta de padeiro). Na comparação com o mundo desenvolvido, que tem taxas reais negativas, o título mundial segue no nosso pescoço. Na comparação com o nosso próprio histórico, que inclui as conjunturas que atravessamos ao longo das duas últimas décadas, 4% é bem baixo e, considerando o equilíbrio necessário para a inflação não desandar novamente, ela estaria abaixo do chamado juro neutro – aquele capaz de manter o processo inflacionário sob controle.

     

    Rabello de Castro ainda chora pela TJLP, a taxa que tão logo será a ‘ex’ praticada pelo BNDES. "Só o juro nominal cai. A TJLP se esqueceu de cair. Continua rígida nos 7%", disse. Na decisão mais recente do governo, a taxa foi mantida em 7% e deverá permanecer assim até que entre em vigor a TLP, a recém aprovada pelo Congresso Nacional. Não há mais tempo para defender o passado, que inclusive começa a acabar daqui três meses.

     

    Aliás, um dos maiores méritos da TLP é a transparência. Com a nova taxa, se o governo quiser dar subsídios para o crédito concedido pelo BNDES, terá que ter aprovação do Congresso e prever o gasto no orçamento federal. Daqueles R$ 500 bilhões que saíram dos cofres do banco com juros de pai para filhos prediletos – ambos envolvidos no maior escândalo de corrupção do país – criaram a conta bilionária que deveremos pagar, sem que isso tenha sido uma escolha da sociedade. 

     

    Paulo Rabello de Castro assumiu o BNDES depois da saída tempestiva de Maria Silvia Bastos. Ele veio como uma escolha pessoal de Michel Temer, depois de ter assumido o IBGE logo no começo do novo governo. A presidência do banco de fomento é um cargo técnico e exige muita serenidade e, especialmente, uma boa relação com os condutores da economia, como presidente do BC e os ministros da Fazenda e do Planejamento. Um dos aprendizados que tivemos da gestão petista, entre tantos outros, foi exatamente em função do excesso de intervenção partidária nos bancos públicos.

     

    Se continuar subindo tom de voz, e descendo na categoria estilo, Paulo Rabello pode garantir votos, já que ataca o governo com a pior popularidade da história do Brasil. Mas comprometerá a qualidade de sua gestão no BNDES, especialmente agora que a economia se recupera e muitos empresários, não só os escolhidos, podem precisar do banco de fomento para investir em sua capacidade de produção - não usar o dinheiro para, Deus sabe lá o quê, como fizeram os últimos agraciados pela administração política que comandou o BNDES. 

     

  • Alta na conta de luz – custo e aprendizado

    A conta de luz ficou mais salgada com a aplicação da bandeira tarifária vermelha, no segundo nível, o mais caro que nunca tinha sido ativado. O gatilho foi acionado porque os reservatórios de água estão vazios e a geração de energia terá que sair das caríssimas termelétricas. A alta pode perdurar por meses até que haja segurança hídrica para voltar a ligar as usinas. 

     

    Para o consumidor, há o custo maior e, para o país, um aprendizado. Quando a oferta de um produto barato diminui, resta a opção mais cara e no caso da luz, como abrir mão dela? Não vai dar para ficar sem, mas será preciso aumentar a vigília para não deixar nada aceso ou ligado sem necessidade em casa. Mesmo para quem trocou as lâmpadas pelas de Led, que consomem até 80% a menos, o que for usado vai custar mais. 

     

    O aprendizado está na condução e construção dos marcos regulatórios, na intervenção excessiva do Estado nos setores intensivos e, especialmente, na façanha de querer controlar preços na economia. Lá em 2012 quando botou o exército na rua para tomar posse do setor elétrico brasileiro, a ex-presidente Dilma Rousseff se colocou como a heroína do Brasil, alguém que teve a “coragem” de mandar que as empresas baixassem a conta de luz porque assim ela queria. 

     

    Não precisou de muito tempo para assistir à derrocada da empreitada e conhecer as grandes vítimas do disparate da ex-presidente: eu, você, nós todos consumidores de energia no país. Dilma conseguiu errar nas duas pontas reguladoras do mercado: a oferta e a demanda. Na ponta da oferta, a petista obrigou às companhias a reduzirem o custo da energia no momento em que o país acionava as termelétricas, que são muito mais caras. Na ponta da demanda, Dilma lançou um programa de incentivo ao consumo de eletroeletrônicos, baixando impostos da linha branca e subsidiando crédito para quem quisesse. 

     

    Ora, num momento em que há pressão na oferta de um produto e ele encarece, não é hora de incentivar o consumo dele, ao contrário, é hora de estimular o uso consciente do serviço. A ex-presidente achou que, além de obrigar o setor elétrico a se enforcar, já que teriam que comprar energia mais cara no mercado e vender mais barata aos consumidores, ela também inverteria a lógica mais antiga da economia. 

     

    Resultado: dívidas bilionárias das empresas do setor, aportes do Tesouro Nacional na tentativa de encobri-las (ou seja, nós já estávamos pagando a conta, mesmo sem sentir) e, assim que passou a eleição que reelegeu a petista, veio a bomba: a conta de luz subiu, em média, 50%. Em alguns estados, a alta chegou a incríveis 90% para corrigir a lambança do governo. E não foi suficiente...já que muitas empresas estão endividadas até as tampas por causa do malabarismo irresponsável da ex-presidente. 

     

    As bandeiras tarifárias são o mecanismo mais transparente e eficiente para lidar com as destemperanças do mercado – não dos governantes. Se a oferta da energia barata cair, a conta terá que pagar pelo que há disponível, que vem das termelétricas. A essência da regra é a mesma para a temporada das frutas e para o preço do petróleo no mercado internacional, que agora é ajustado quase que automaticamente pela Petrobras no mercado interno. 

     

    O que falta ao Brasil para que a equação entre oferta e demanda se equilibre e nos exponha a menos solavancos, é o investimento. O setor elétrico é parte essencial da infraestrutura do país que está à espera de investidores com muita bala e disposição de enfrentar os desafios brasileiros. As sinalizações dos investidores estrangeiros são boas para o nosso lado, vide último leilão das distribuidoras da Cemig há uma semana. Os chineses estão com bastante apetite para vir para cá e, dada a penúria das contas públicas, é imperativo que venham mesmo. 

     

    Enquanto este dinheiro novo não chega, ou o tempo de maturação dos investimentos não passa, teremos que usar as bandeiras tarifárias como o instrumento para o funcionamento do setor elétrico sem que novas distorções sejam geradas. O preço da energia cobrada pelo nível 2 da bandeira vermelha é muito caro e pode penalizar a população de renda mais baixa. Por isso é urgente que o Brasil se mostre cada vez mais seguro, porque atrativo já é, para receber investimentos. Contar com São Pedro por muito tempo vai nos custar caríssimo, além de ser perverso com os menos protegidos do país. 

  • Melhora na economia reduz senso de urgência do Congresso para reformas, diz analista político

    A agenda de votações no Congresso Nacional está travada pela denúncia contra o presidente Michel Temer. A vítima desse novo capítulo da crise política foi, novamente, a reforma da Previdência, em mais um capítulo de adiamentos e quase abandono do encaminhamento do projeto. Enquanto não tirarem a denúncia da frente, o Congresso não fará mais nada. E isso só deve acontecer no final de outubro.
     
    “Ainda assim vai ser muito difícil encaminhar a reforma da Previdência, pelo menos não do jeito que o projeto está. Se o governo quiser ter alguma chance, terá que reduzir muito a proposta original, mantendo apenas a mudança na idade mínima e a regra de transição. Assim, as chances de aprovação ficam entre 40% e 45%”, disse ao blog o analista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.
     
    Além da impopularidade recorde do presidente, as eleições do ano que vem afastam deputados e senadores de pautas tóxicas, como mexer na aposentadoria. Há outro forte elemento que compromete o afinco dos parlamentares para avançar com a reforma da Previdência: a melhora da economia. Ao assistirem à recuperação do emprego e a redução dos juros com mais força pelo Banco Central, os parlamentares assumem que nada é tão urgente assim que não possa esperar.
     
    “A melhora da economia reduz o senso de urgência do Congresso, especialmente para a reforma da Previdência. Eles sabem que este vai ser o tema do novo presidente. Então por que se desgastar agora no meio dessa crise se em 2019 terão que aprovar uma reforma muito mais dura, complexa? Ninguém quer correr risco agora”, avalia o analista político.
     
    O que pesa mais: a falta de convicção pela necessidade da reforma ou o calendário político?
     
    “O calendário”, respondeu Cristiano Noronha. “Pesa muito porque a chance de renovação do Congresso é alta, ou seja, muitos podem não se reeleger. No caso do Senado, dois terços serão candidatos. É muito arriscado”, completou.
     
    A pauta econômica que depende do Congresso Nacional tem outros projetos relevantes, especialmente para a condução do ajuste fiscal, que podem manter a gestão de Michel Temer ativa, mesmo sem grandes vitórias. Cristiano Noronha citou quatro mudanças que têm maiores chances de serem aprovadas depois da votação da denúncia contra o presidente. Para não correr muitos riscos e depender de menos votos, as mudanças serão propostas na forma de projetos de lei, que precisam de maioria simples nas duas Casas, com apenas uma votação nos Plenários do Senado e da Câmara.
     
    1) Reoneração da folha de pagamento do setor privado – o governo já havia tentado com uma Medida Provisória, que caducou. Agora, vai tentar com o PL. O governo perde cerca de R$ 17 bi por ano com a desoneração da folha.
     
    2) Adiamento do reajuste dos servidores públicos de 2018 para 2019 – também será feito por PL, mas o governo ainda não encaminhou proposta. Esta medida pode reduzir os gastos em R$ 9 bilhões.
     
    3) Limitação do salário inicial para quem ingressa no serviço público a R$ 5 mil. Existem carreiras que já começam pagando R$ 20 mil, o que está muito perto do teto permitido e, além disso, muito distante do que paga o setor privado para profissões semelhantes.
     
    4) Unificação da alíquota de contribuição, em alta progressiva dos atuais 11% para 14%, para servidores que ganharem acima de R$ 5,3 mil, ou seja, quase 70% do funcionalismo do Poder Executivo. A arrecadação esperada é de quase R$ 2 bi em 2018.
     
    “Das quatro, a mais difícil é a reoneração da folha de pagamento. As outras devem passar, se o governo tiver agilidade para encaminhar tudo assim que a denúncia for votada. Essas medidas paralelas vão sinalizar ao investidor que o governo está buscando tapar os ralos dos gastos estruturais”, disse Noronha, da Arko Advice.
     
    Se essas medidas realmente forem aprovadas, a sinalização para os investidores será bem positiva. Mesmo com adiamento da reforma da Previdência, o governo terá mostrado atividade e, de pouco em pouco, a recomposição das contas públicas vai sendo feita. E com mudanças que não serão paliativas, mas estruturais no longo prazo. Como a contribuição previdenciária mais alta e até mesmo a limitação do salário inicial do serviço público, que corrigirá uma enorme distorção sobre o valor do trabalho no Brasil.

Autores

  • Thais Herédia

    Jornalista, especialista economia e política; é colunista da Globo News. Foi assessora de imprensa no BC e gerente de comunicação do Carrefour. Na TV Globo, foi repórter de economia do Bom Dia Brasil. Tem pós-graduação em finanças pela FIA.

Sobre a página

A jornalista Thais Herédia comenta os principais fatos econômicos do país e do mundo e explica como eles afetam a sua vida.