O governo está na reta final para definição do modelo de venda da Eletrobras, uma joia da coroa do plano de privatizações e concessões. Além da estatal de energia, a lista de empresas e serviços que podem ser repassados ao setor privado é grande e pode, no curto prazo, gerar caixa para os cofres públicos, ajudando no reequilíbrio das contas. No longo prazo, porém, o ganho para o país será muito maior, já que a defasagem na infraestrutura que temos atualmente compromete muito a capacidade de crescimento da economia.
“Estamos com um dos níveis mais baixos de investimento em infraestrutura da história. Vivemos um momento bem particular, porque tanto o investimento público quanto o privado caíram drasticamente. Há muito apetite para as privatizações e concessões, mas só o investimento privado não vai conseguir sozinho puxar a economia toda, retomar o crescimento. Além disso, há poucos projetos maduros, com plano estratégico claro,” disse ao G1, em entrevista exclusiva, Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base, a ABDIB.
O investimento em infraestrutura está abaixo de 2% do PIB, em 2016 ficou em 1,7%, um patamar insuficiente até para evitar a depreciação do que já existe. Para simplesmente evitar que ela aconteça, seria preciso ter ao menos 3% do PIB em investimento anual. Para superar a defasagem da infraestrutura que acumulamos nos últimos 20 anos, o buraco é ainda maior. Nas contas da ABDIB, o Brasil teria que investir aproximadamente R$ 300 bilhões por ano, pelos próximos 10, 15 anos.
“Pelo ranking de qualidade de infraestrutura da OCDE, nós estamos em 116o lugar, abaixo da África do Sul, do Cazaquistão, do México, da Índia. Em termos de investimento sobre PIB, a situação é braba, não há crescimento sustentável e não há inserção competitiva internacional. Podemos até falar da questão energética, que está em alta agora por causa da venda da Eletrobras. Mas tudo está por fazer aqui. O Brasil é um verdadeiro plano em construção”, ressalta Tadini.
A seguir, os principais pontos da entrevista.
Chegou finalmente a hora de o Brasil investir em infraestrutura?
É uma situação particular que vivemos hoje, porque o mundo tem abundância de recursos, nós não temos problemas de balanço de pagamentos e, no entanto, vivemos um problema de restrição fiscal que tem impedido que haja um volume adequado de investimentos do setor público. Poderíamos ter investimentos privados sendo realizados. Como o país está há 20 anos sem ter um planejamento estratégico claro, o que verificamos é que não há projetos maduros para que que haja investimento em maior volume.
Mas o governo tem um plano de concessões e privatizações em curso.
Quando governo atual estruturou o Programa de Parceria de Investimento foi muito importante porque reordenou a capacidade de governança do setor público.
Com o PPI, os ministérios desenvolvendo projetos, as agências reguladoras atuando mais, o TCU, o Banco do Brasil e o BNDES mais envolvidos, foi possível articular de maneira mais organizada os interesses dos entes públicos para estruturação de projetos. Só que a defasagem era tão grande que o que tem saído é uma espécie de conta gotas diante da sede que o país tem para investimento em infraestrutura.
O nível de investimento que o Brasil tem hoje é um dos menores dos últimos 20 anos. A infraestrutura também está com nível baixíssimo de investimento, menos de 2% do PIB, segundo números da ABDIB.
Sim, nós teríamos que estar investindo por ano, aproximadamente R$ 300 bilhões pelos próximos 10, 15 anos para recuperar a defasagem que temos hoje na infraestrutura. No ranking de qualidade de infraestrutura da OCDE, nós estamos em 116o lugar, abaixo da África do Sul, do Cazaquistão, do México, da Índia. Em termos de investimento sobre PIB, a situação é braba e não há crescimento sustentável e inserção competitiva internacional possível se não mudarmos isso. Podemos até falar da questão energética, que está em alta agora por causa da venda da Eletrobras. Mas tudo está por fazer aqui.
E o que pode ser boa notícia neste cenário?
O Brasil é um verdadeiro plano em construção. Há um imenso programa de investimentos a ser realizado nas mais diversas áreas como ferrovia, rodovia, saneamento, mobilidade urbana, energia.
Qual seria a prioridade?
Não tem. Cada segmento tem a sua prioridade. O que precisa ter clareza é sobre quais são os projetos estruturantes. Aqueles que conseguem, no segmento onde vai ser implantado, resolver um problema de eficiência econômica, por exemplo, um trecho ferroviário que pode se ligar a um porto de saída para o Pacífico. Com um projeto dessa natureza, é possível ganhar um grau competitividade que torna inserção no mercado internacional mais favorável.
Como diria a Bíblia, a Gênese, “no principio era o caos”, e esta é a situação do Brasil.
Quando o investidor olha para esta fotografia, que sinais ele vê que podem estimula-lo a vir para o Brasil?
Do ponto de vista de atratividade, os projetos que têm sido licitados têm tido muito sucesso. Exemplos como os das rodovias, dos aeroportos federais, linhas de transmissão de energia e a parte das áreas do pré-sal. Tudo que está sendo feito agora, está bem feito, tanto é que o resultado, do ponto de vista da lógica de mercado, está funcionando bem. Mas há muita coisa por se fazer ainda.
Falando das privatizações, especificamente sobre Eletrobras, as expectativas são positivas?
Estamos num caminho excelente e quanto mais melhor.
Acredita que vai sair mesmo no ano que vem?
Nosso desejo é que ocorra no primeiro semestre, mas é só um desejo.
Mas os sinais são de que vai sair?
Sem dúvida, porque primeira coisa que é importante para colocar uma empresa num processo dessa natureza, principalmente como a Eletrobras que é enorme e é multiregional, é fazer o trabalho que o Wilson (Ferreira, presidente da estatal) está fazendo do ponto de vista de gestão, tomando ações para reduzir endividamento, eliminar nichos de negócios como as distribuidoras que não estão no foco da Eletrobras. Isto é uma preparação previa muito importante para que tenha sucesso no processo de venda.
A ABDIB tem reclamado bastante da queda no investimento público em infraestrutura. Mas o Estado brasileiro não vai conseguir aparecer tão cedo porque está praticamente quebrado? O setor privado não pode assumir?
Tem um estoque enorme de ativos na mão do Estado, mas não dá para vender tudo até porque não vai ter quem comprar. As rodovias não pavimentadas, por exemplo, o saneamento... não têm viabilidade econômica, então é o Estado mesmo que tem que investir. E isso não é só aqui, é em qualquer lugar do mundo, tem que haver um balanço entre o recurso público e o privado. Nós estamos chegando num limite de participação privada, não porque ela é baixa, porque não é. Porque é o limite onde o estado tem que estar pela natureza do investimento.
O investimento público, longe dele ser causador de déficit fiscal, é gerador de receita. Investimento gera receita.
A retomada da economia e do investimento em infraestrutura vai acontecer liderada pelo setor privado?
Só o privado não retoma, mas não tem capacidade para puxar a economia como um todo.
Como ficar otimista então? Há uma enorme expectativa para que este dinheiro privado venha e faça grande parte deste trabalho.
Há uma necessidade de investimentos fantástica, isto é negativo porque mostra o tamanho do nosso problema, mas isto também atrai recursos. Hoje nós não temos problemas de recursos. Só não atraímos mais porque não há projetos maduros. A parte positiva é que está melhorando o ambiente institucional, regulatório, dando mais garantia jurídica para os contratos. Nós sofremos muito para chegarmos até aqui, não precisaria ter aprofundado tanto a recessão e a crise. Como há um grande volume de investimentos a ser feito, isto é positivo. Para recuperar investimento público, vamos ter que passar por este processo de ajuste fiscal, infelizmente. Mas para este primeiro movimento de transferência de ativos para o setor privado, estamos bem.
Não vai acontecer nada do dia para noite e vamos precisar muito da participação estatal, e o mais rápido possível.