Por Vivian Souza, g1


  • O salmão não pode ser criado no Brasil, pois precisa de águas muito frias como as da Noruega.

  • Como alternativa, pesquisadores desenvolveram uma técnica que deixa a truta com a cor parecida; daí ser chamada popularmente de truta salmonada.

  • Detalhe: nem o salmão nasce com esta cor. Ele ganha o tom alaranjado na fase adulta, ao se alimentar de camarões e crustáceos, obtendo carotenoide.

  • A truta arco-íris é da família dos salmonídeos e, por isso, também pode obter a cor alaranjada quando carotenoide é acrescentado em sua alimentação.

  • Mas ela não pode ser comercializada como salmão no Brasil: isso caracterizaria fraude.

Truta salmonada fica laranja para se parecer com o salmão — Foto: Caroline Attwood na Unsplash

Famoso pelos restaurantes de comida japonesa, o salmão não tem a mesma cor a vida inteira. Na sua juventude, a cor de sua carne é branca, mas, a partir da alimentação na fase adulta, ela vai mudando.

Camarões e crustáceos servem como corantes naturais para o salmão e vão deixando ele alaranjado, graças a um componente que possuem que se chama carotenoide.

Essa característica é típica dos salmonídeos, a família do salmão e de suas primas: as trutas.

No Brasil, onde não é possível criar salmão, a truta arco-íris passa pelo processo de salmonização em cativeiro, usando carotenoides artificiais que a deixam laranja. A partir daí ela fica conhecida como "truta salmonada".

Apesar da troca do nome popular, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), alertou ao g1 que em sua embalagem o peixe não pode ser chamado de "salmão" ou "truta salmonada", o que caracterizaria fraude.

Entenda a seguir como esta mudança de cor acontece e a diferença entre os dois peixes.

Por que não tem salmão no Brasil?

O Brasil não é capaz de produzir salmão porque o peixe precisa de águas mais frias do que as localizadas no território do país. Por isso, todo o produto comercializado no Brasil é importado, vindo, principalmente, do Chile.

Ele nasce em água doce, mas migra para o mar na sua fase adulta, precisando de temperaturas que variam de 5°C a 7°C.

A variedade do Atlântico é a mais consumida pela população brasileira. Ela é natural da Europa, principalmente da Noruega. Também é possível encontrá-la na América do Norte.

Na América do Sul, o Chile é o principal criador da espécie, que apesar de não ser nativa daquele país, é criada em tanques-rede, um tipo de gaiola aquatica, em sistemas intensivos de piscicultura, explica Caroline Maia, especialista em peixes da ONG Alianima.

A truta arco-íris, a mais usada no Brasil como salmonada, surgiu como alternativa para o salmão no país, porque se desenvolve em água doce (apesar de ter a capacidade de se adaptar à água salgada) e em temperaturas mais amenas, de 10°C a 20°C.

Por que o salmão troca de cor?

Enquanto o salmão ainda vive na água doce, ele não pigmenta e sua carne tem a coloração branca. Depois que ele vai para o mar devido a um comportamento natural da espécie, acontece uma mudança no organismo dele, explica Lícia Lundstedt, chefe-adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Pesca e Aquicultura (Embrapa).

Já na fase adulta, ele se alimenta de pequenos camarões e krills, crustáceos que se assemelham aos camarões.

Esses animais fornecem os carotenoides, substâncias químicas que geram pigmentos, que também existem na cenoura e na beterraba, por exemplo.

Os carotenoides presentes na alimentação do salmão são astaxantina e cantaxantina, que além de fazerem com que ele se torne laranja, são ricos em antioxidantes, que protegem as células de oxidarem, explica Lícia.

Outro benefício é que os caratenoides têm ácidos graxos, aumentando a taxa de sobrevivência do animal. E a cor alaranjada o protege da luminosidade.

No caso da criação do salmão em cativeiro, a ração dada ao peixe tem o carotenoide desenvolvido em laboratório, com a formulação química idêntica à encontrada na natureza, fornecendo cor e antioxidantes, afirma Neuza Takahashi, pesquisadora do Instituto de Pesca da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta).

Incluir o carotenoide na ração é importante para a saúde do salmão, além de ser uma alternativa sustentável para não precisar realizar uma pesca volumosa para obter o camarão, por exemplo, para alimentação do peixe, explica Juliana Galvão, especialista na área de pescado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-Usp).

Como a truta fica salmonada?

A truta arco-íris se torna salmonada quando na sua ração também é acrescentada a formulação química da astaxantina ou cantaxantina. Por ser um salmonídeo, ela também tem a característica de absorver a tonalidade alaranjada.

Esse processo começou a ser realizado após uma quebra no fornecimento de salmão vindo do Chile, em 2014, devido a uma doença chamada Isavírus, que acometeu as criações do país.

Na época, a Apta havia lançado alguns testes com a truta salmonada, informa Neuza. Então, como uma alternativa para o abastecimento do mercado interno, alguns produtores se interessaram em começar a criar a modalidade.

Mas Neuza ressalta: o produto foi e continua sendo comercializado com o nome na embalagem de “truta salmonada”, ele não pode ser vendido como salmão. Isso caracterizaria fraude.

Apesar de ser mais barata que o salmão no mercado, a truta salmonada pode ser mais cara de se produzir. Isso porque o custo da ração com carotenoide é mais elevado e a truta ainda pode precisar de tecnologias que a deixem maiores, para alcançar o tamanho de um salmão, e chegando a até 3 kg, explica Neuza.

Ainda assim, o preço do salmão ao consumidor é mais elevado por ele ter mais apelo de mercado e ser mais popular, e pelo custo da importação, diz Juliana.

Como saber se é truta ou salmão?

Para o público comum, pode ser bem difícil identificar a diferença entre a truta salmonada e o salmão quando o peixe está cortado como filé, aponta Lícia.

Mas existem algumas características que podem ajudar ao consumidor diferenciá-los. Veja abaixo.

Entenda as diferenças entre a truta salmonada e o salmão — Foto: Wagner Magalhaes / Dhara Assis / g1

Salmão é um peixe polêmico

Apesar de ser um peixe muito desejado, o salmão tem algumas polêmicas em seu sistema de criação intensiva. Veja dois pontos abaixo.

Antibióticos: Caroline, da ONG Anialima, aponta que muitos produtores usam antibióticos na ração dos animais para prevenir o aparecimento de doenças. Além de gerar impactos ambientais pelas fezes dos animais, isso proporcionaria o surgimento das superbactérias.

Mas, para Neuza, pesquisadora da Apta, não é isso que de fato acontece. A pesquisadora explica que os antibióticos em sua maioria são proibidos na criação de peixes, por causa do avanço da vacinação. Portanto, são usados apenas quando os animais estão doentes e sendo prescritos por um médico veterinário especializado.

Outro ponto que a especialista em pescados defende é que, quando administrado, há um período em que o medicamento é degradado no organismo, para apenas depois o salmão ir para o abate.

E cabe aos fiscais do Ministério da Agricultura pegar amostras desses peixes e fazer análises sobre se o produto que está entrando no país está conforme a legislação.

O g1 questionou o Ministério da Agricultura e Pecuária para saber se há fiscalização da presença de antibiótico nos peixes importados, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Fezes poluem o oceano: considerando que o volume de peixes na gaiola é grande, haveria um grande volume de fezes e alimentos que não foram ingeridos se acumulando no fundo do oceano e matando as espécies nativas ali, diz Caroline.

“É uma ração rica em proteína, visando o crescimento e o desenvolvimento de um peixe, com um filé maior e de mais qualidade, então tem muita proteína e isso também gera um outro processo de eutrofização do ambiente”, afirma.

Mas Neuza defende que, quando há uma ração de boa qualidade, o peixe terá uma digestibilidade alta, absorvendo os nutrientes e diminuindo o volume de fezes.

Além disso, a ração é otimizada, sendo servida apenas a quantidade ideal para a alimentação, evitando o desperdício. Essa otimização é feita também porque a comida é responsável por mais de 50% do custo de produção.

“Esse resíduo que sobra é porque foi ração ruim ou foi um manejo descuidado. A gente tem que trabalhar para minimizar a quantidade de ração perdida ou de fezes que saem com o alimento não aproveitado. Trabalhando com ração de digestibilidade boa, de qualidade, usar fontes alternativas, mais sustentáveis para minimizar o impacto no meio ambiente”, explica.

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