Sabe como o cacau vira chocolate? Empresária mirim explica
Julia Arléo, de apenas 9 anos, quando questionada sobre o que quer ser quando crescer, responde sem pensar duas vezes: produtora de chocolate. Apesar da pouca idade, ela, na realidade, já segue a profissão. No ano passado, ela desenvolveu uma loja do doce para a família.
Nascida em Salvador, Julia é a 4° geração a plantar cacau na família e tem bastante interesse na lavoura da fazenda Santa Rita, na cidade de Ilhéus (BA).
“A gente produz o cacau com carinho e eu sabia que outras pessoas faziam o chocolate com o nosso cacau. E aí eu pensei: se outras pessoas fazem, por que a gente não pode fazer também?”, lembra.
Apesar da empreitada ser recente, a menina faz sucesso nas redes sociais do “Chocolate da Ju” e a barra 70% cacau ficou em 3° lugar no prêmio CNA Brasil Artesanal, sendo considerada uma das melhores do país.
Aos 8 anos de idade, Julia planejou como seria a própria empresa de chocolate. — Foto: Arquivo pessoal
A brincadeira ficou séria
Desde que Julia nasceu, seu pai, Lucas Arléo, já trabalhava na fazenda e, assim, ela cresceu frequentando as plantações de cacau. Com a pandemia e a paralisação das escolas, Lucas e sua esposa, Juliana, tornaram o campo ainda mais presente na vida da menina.
“Ela sempre gostou, sempre ia aos finais de semana e aí começou a me acompanhar um pouco mais na fazenda, mais de perto. Também foi uma forma de a gente sair de casa. Ela ia me acompanhando nas quebras (do cacau) e aí foi tomando gosto e foi se apaixonando também”, explica o pai.
Hoje, Julia consegue narrar todo o processo da produção de cacau como gente grande, desde o plantio até a preparação de fato do chocolate. (Confira no vídeo no início da reportagem).
Julia acompanha toda o processo de produção do cacau — Foto: Arquivo pessoal
Antes da comercialização do chocolate, 100% da colheita ia para terceiros, incluindo outros produtores do doce, que seguem a linha bean-to-bar, ou seja, fazem o chocolate a partir do cacau in natura, sem conservantes e aromatizantes.
“A gente sempre provava esse chocolate que os nossos clientes faziam. E nesse meio de caminho surgiu a ideia da parte dela de por que a gente não pode fazer o próprio chocolate, já que o cacau - que é a matéria-prima, que é o principal - a gente já faz?”, relata Lucas.
Na Páscoa, a família decidiu “brincar de produzir chocolate” e até conseguiu vender alguns ovos. A Julia, então, ficou ainda mais apegada à ideia de ter a sua loja e, em seu aniversário de 8 anos, pediu de presente uma melanger, máquina que ajuda a transformar o grão em chocolate.
“Um dia eu entrei no quarto (dos pais) e aí eu fui lá, já cheguei com nome, logo tudo”, lembra Julia.
Lucas relata que, na ocasião, a filha apresentou um plano de ação, que apontava quem faria o que na fábrica.
“E nós compramos essa ideia. Na verdade veio agregar também ao nosso trabalho, é um complemento ao nosso trabalho com o cacau especial. Então unimos o útil ao agradável e começamos, como ela falou, em uma brincadeira e tudo foi tomando corpo, ficando sério, gostamos da coisa”, diz Lucas.
As vendas são feitas pelas redes sociais para todo o Brasil, mas o perfil no Instagram também tem outro propósito. Os vídeos publicados, estrelados pela Julia, têm a ideia de mostrar ao público de onde vem o chocolate, desde a roça do cacau.
Julia prepara o chocolate juntamente aos pais, Lucas e Juliana. — Foto: Arquivo pessoal
Devastação
Muitos anos antes da Julia nascer, há 55 anos, o bisavô dela iniciou o cultivo de cacau na fazenda Santa Rita. A princípio, tudo prosperou e a família chegou a ter quatro fazendas com plantios da variedade forasteiro.
A prosperidade, entretanto, foi freada entre as décadas de 80 e 90, após a crise da vassoura-de-bruxa deteriorar as fazendas de cacau da Bahia.
O fungo é considerado um dos mais destrutivos do cacaueiro, podendo diminuir em até 50% o rendimento da lavoura. Estima-se que a colheita baiana do fruto caiu em 60% por causa dele na época.
Saiba mais sobre a crise da vassoura-de-bruxa em reportagem da GloboNews exibida em 2018:
Gabeira reconstitui o crime ambiental que destruiu a economia do cacau em Ilhéus, na Bahia. Exibição em 21/01/2018.
De quatro fazendas, duas tiveram que ser vendidas. As operações, que contavam com cerca de 70 funcionários em período de colheita, tiveram de ser feitas com apenas 4 trabalhadores e a produção caiu de 9 mil arrobas para mil.
Nos anos 2000, Lucas passou a acompanhar mais de perto a fazenda e, com a ajuda de um tio, tentou reestruturar o negócio da família.
“Hoje o meu trabalho é esse: tentar recuperar esse patrimônio de meu avô. A questão financeira é importante, necessária, mas é secundária. Meu objetivo é pôr o patrimônio que ele construiu com tanto carinho de pé, principalmente essa fazenda, que ele tinha uma verdadeira paixão por ela”, afirma Lucas.
Perpetuando o legado
O sistema de plantação permaneceu o mesmo, o “cabruca”, que é o agroflorestal, em que o cacaueiro fica em meio a árvores nativas da Mata Atlântica.
Com isso, a fazenda conseguiu o selo de indicação de procedência do sul da Bahia, que garante, além da localização, que o cultivo é neste sistema.
Em 2016, para agregar valor à lavoura, os agricultores investiram no cacau especial, que se diferencia por ser selecionado conforme a qualidade do grão. Apesar de não encontrarem compradores de imediato, eles comercializam o fruto para outros produtores de chocolate.
Atualmente, o cacau especial representa 25% da produção e vai também para a fabricação do Chocolate da Ju.
Além do cacau, a família tem apostado na criação de abelhas sem ferrão. A ideia é aumentar os enxames da fazenda para, no futuro, também trabalharem com mel.
Hoje o legado é passado para Julia e o irmão dela, Pedro, de apenas 3 anos. Mas, Lucas explica que eles não trabalham de fato, apenas convivem no ambiente e podem experimentar como é fazer cada serviço, supervisionados, para irem “pegando gosto” pela fazenda.
E o plano tem dado certo porque Julia adora fazer parte do processo e fala logo quais são seus planos:
“Vou falar o meu sonho para o futuro: é ter uma loja de chocolate e fazer uma estrutura de dinossauro para colocar em frente da loja. Vai derreter? Vai. Mas eu quero fazer“. A paixão por esses animais fica explícita também na estampa da camiseta usada durante a conversa com o g1.
Lucas leva os filhos para participar dos processos da fazenda para que peguem gosto pelo plantio do cacau — Foto: Arquivo pessoal