Rover Curiosity, da Nasa, está em missão desde novembro de 2011 no planeta Vermelho — Foto: NASA/JPL-Caltech/MSSS
Da rotação de culturas ao uso de lasers para análise da terra, o Brasil está na vanguarda da tecnologia de solos. Estas aplicações não somente ajudam o agricultor a aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos cultivos, como também tornam as lavouras mais sustentáveis.
A modernização do trato do solo vai além das aparelhagens. Técnicas como o plantio direto, em nível e pousio também fazem toda a diferença nas colheitas e ajudam a alcançar o chamado “efeito poupa-terra", que é a possibilidade de plantar mais, usando uma área menor.
Somando-se a estas vantagens, o manejo correto do solo também pode potencializar a sua fertilidade e a sua capacidade de sequestrar carbono da atmosfera, que é a retirada de circulação deste gás que colabora para o efeito estufa.
Ainda assim, quase metade dos produtores não usam nenhuma destas técnica em suas lavouras, seja por falta de conhecimento ou por questões financeiras.
Além disso, a proporção de consultas técnicas vem caindo de 2006 para cá, o que pode indicar que as tecnologias estão sendo aplicadas de forma errada, prejudicando a plantação e o trabalhador.
Tecnologia de solo aumenta a produtividade do agro no Brasil — Foto: Arte / G1
Qualquer ação para aumentar ou diminuir a produtividade de uma lavoura é centrada no solo, já que, melhorando a terra, haverá um maior desempenho da planta, explica o professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).
O professor conta que houve um avanço neste debate, que anteriormente se concentrava apenas nos atributos químicos do solo, como a sua fertilidade, enquanto hoje já se fala também dos componentes físicos e biológicos.
“Hoje verifica-se que não adianta só uma abordagem química porque a planta também tem um sistema radicular importante. Imagine uma raiz tentando crescer em um solo compactado, bem duro, ela vai ter dificuldades”, exemplifica. “Dá para ser fértil sem ser produtivo”, completa.
Para ajudar o plantio a atingir seu potencial máximo, os agricultores devem usar as técnicas de melhoramento, contudo, ainda hoje, parte dos trabalhadores rurais optam pelo preparo convencional, ou seja, usam, por exemplo, a aração e gradagem, que revolvem a terra.
“Isso não é bom para o solo. Isso não é interessante porque cada vez que a gente revolve o solo a gente vai perdendo os nutrientes que esse solo tem, sobretudo os orgânicos”, afirma Cerri.
Vale destacar que a camada mais fértil está nos primeiros 5 centímetros da lavoura, comenta Marcelo Oliveira, engenheiro agrônomo e supervisor de controle e apuração do Censo Agropecuária do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Efeito poupa-terra
O uso de genética, com sementes que trazem melhoramentos para a produção, aperfeiçoamento no manejo do solo, controle de pragas e outros métodos permitiram o efeito poupa-terra, aponta a pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Tecnologia.
Um dos casos em que isto é visível é o algodão. Na década de 70, o Brasil produzia cerca de 1 milhão de toneladas em 4 milhões de hectares, em 2020 este número foi invertido: 4 milhões de toneladas de algodão foram colhidas em 1 milhão de hectares.
Entre as técnicas que colaboram para isto, se destaca a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Segundo dados da Embrapa, em 2021, 17 milhões de hectares faziam parte deste sistema.
A ILPF consiste, basicamente, em uma produção composta por diferentes itens em uma mesma área. Portanto, o gado, por exemplo, pode ser criado em um ambiente com a lavoura de milho e com a área de floresta.
Propriedade de 46 hectares em Brotas viu número de cabeças de gado aumentar após adoção de ILPF. — Foto: Divulgação/Sítio Nelson Guerreiro
Esta técnica é a mais avançada para plantio, na opinião do professor Cerri da Esalq-USP. Isso porque a ILPF gera um aumento da diversidade com “consequente aumento da biodiversidade no solo e tendência de redução das emissões de gases do efeito estufa”, já que além de o sistema lançar menos gases na atmosfera, também aumenta o sequestro de carbono.
Ele conta que o carbono pode ficar estabilizado por até milênios no solo, enquanto na folha de soja fica apenas por alguns meses e na árvore chega só até uma década. Por isso, potencializar a recepção deste carbono faz diferença para o meio ambiente.
O plantio direto também foi apontado como fundamental para poupar a terra. Nessa técnica, o produtor deixa o resíduo da palhada anterior na lavoura e semeia em cima disso, sem provocar muita movimentação da terra.
Essa cobertura garante a manutenção da umidade, já que a palha a mantém por um período maior, diminuindo a necessidade de irrigação. Outro ponto favorável é que esta técnica mantém a microbiota de solo, que é extremamente importante para a saúde da planta, explica o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Guy de Capdeville.
“Isso se torna importante quando a gente está falando da Amazônia, a gente não precisa desmatar uma floresta para poder produzir. Nós podemos, hoje, com as tecnologias que existem, produzir grandes volumes em áreas menores, sem a necessidade de ficar abrindo novas áreas”, diz.
Plantio direto consiste em semear nova safra com a palhada da anterior cobrindo o solo — Foto: Fundação ABC
Check-up do solo
Essas técnicas podem ser mais bem aplicadas caso o produtor saiba o que ele precisa trabalhar na terra. Para isto, existem testes para diagnosticar o estado da área, a partir dos quais se usa a chamada agricultura de precisão, que é o uso de insumos apenas na quantidade e nos locais onde realmente são necessários, explica Oliveira, técnico do IBGE.
"É como quando a gente está mal de saúde, vai no médico e pede uma série de exames, a gente faz os exames, volta com o resultado, aí dá o remédio”, compara Cerri.
Estes exames podem ser feitos, inclusive, de forma laboratorial. É o que a Quanticum faz. A empresa propõe um mapeamento dos componentes da terra para então fazer recomendações para o seu trato.
De forma geral, o solo, que é formado por nanopartículas, possui 4 elementos: ar, água, matéria orgânica e mineral. Este último seria o “DNA da terra” e tem uma capacidade magnética, ou seja, se você passar um ímã, os minerais vão grudar, explica o cientista e diretor da Quanticum, Diego Siqueira.
O que a empresa faz, então, consiste em levar um sensor magnético para as áreas a serem analisadas - que pode ser acoplado em diferentes equipamentos, como um trator ou um drone.
A concentração das nanopartículas no território causa uma interferência no sensor e esse valor de interferência pode ser usado para quantificar os minerais e, com isso, calcular o que este território precisa.
Leitura do magnetismo do solo no campo. — Foto: Divulgação / Quanticum
Siqueira também comenta outras duas formas de analisar o solo: a partir de satélites, usando um banco de dados da área e análise laboratorial, e a granulometria.
Esta última usa o princípio da sedimentação, ou seja, implica em colocar água na amostra de terra para observar as partículas decantarem, medindo, ao fim, quanto tem de areia, silte (fragmentos de rocha) e argila, que é onde ficam os nutrientes para as plantas.
De Marte para a agricultura
Outra forma de mapear os componentes do solo é usando lasers. O Brasil é o primeiro país que faz esse tipo de análise por meio da mesma tecnologia utilizada pela NASA em seus robôs para explorar Marte.
O equipamento é feito a partir da plataforma de inteligência artificial AGLIBS. O uso para agricultura foi desenvolvido pela Embrapa Instrumentação, em São Carlos, e é usado pela startup Agrorobótica.
O fundador e CEO da empresa, Fábio Luiz Angelis narra o processo de análise:
- O solo é coletado pelas equipes e a amostra é georreferenciada no campo usando o aplicativo que demonstra latitude e longitude da área.
- A amostra segue para o laboratório, em São Carlos, onde é transformada em pastilha, ficando parecida com os pigmentos da maquiagem quando ainda na embalagem.
- Já dentro do equipamento, a pastilha é atingida por um laser de 10 mil kelvins, temperatura próxima a do Sol.
- Após se transformar em um plasma (uma nuvem invisível ao olho nu), os cientistas separam os elementos que são nutrientes para as plantas e identificam a quantidade deles.
“Essa informação gera os mapas de recomendação agronômica, que vão para o agricultor no aplicativo de celular”, explica Angelis.
Além de ajudar o produtor a usar a agricultura de precisão, a empresa busca otimizar o sequestro de carbono pelo solo. A amostra, inclusive, aponta quanto de carbono está estocado na terra.
Conheça mais sobre inteligência artificial AGLIBS:
Reportagem do Globo Rural exibida em abril de 2020 explicou como a tecnologia pode ser usada no agronegócio
Essas técnicas são para todos?
De acordo com o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, 43,8 % das mais de 5 milhões estabelecimentos agropecuários do Brasil não usam as técnicas listadas pela instituição. Além disso, a proporção de produtores que receberam orientação técnica caiu de 22% em 2006 para 20,1%.
Para Oliveira, técnico do IBGE, a queda da assistência técnica pode representar que as práticas agrícolas não estão sendo implementadas corretamente, o que é preocupante. Ele exemplifica, essas consequências, citando o uso de agrotóxicos.
“O trabalhador que tem contato com o agrotóxico e não maneja de forma apropriada adoece. Sem a orientação, ele aplica sem o equipamento de proteção, se prejudica, pode colocar em quantidade excessiva no solo...”
Já para Capdeville, diretor da Embrapa, o agricultor brasileiro é altamente tecnificado. Contudo, ele entende que o investimento em tecnologia mais avançada pode ainda ser difícil para o pequeno produtor, que não tem tanto dinheiro.
Além disso, existe a questão de parte dos agricultores não adotarem as técnicas simplesmente porque não as conhecem, diz Cerri, professor da Esalq-USP. Ou, quando as usam, aplicam apenas em parte, como pular uma etapa do plantio direto, por exemplo.
Ainda assim, Cerri aponta que usar a tecnologia do solo é um investimento que dá retorno financeiro ao produtor.
“Como tem tendência de aumentar a produtividade, ele vai ter um retorno maior. Alguns casos, o solo pode requerer menos fertilizante do que no começo do processo porque vai construindo um solo de qualidade melhor e aí pode ser que ele venha a entrar em um equilíbrio em que a qualidade está tão boa que pode dar o luxo de reduzir a entrada de fertilizante e outros insumos”, diz.
Brasil tem a agricultura mais avançada da faixa tropical