Setor de banana fatura R$ 13,8 bilhões no Brasil. — Foto: Unplash
Por ano, o setor fatura R$ 13,8 bilhões, sendo a banana a fruta mais produzida no Brasil, atrás somente da laranja, segundo dados do Ministério da Agricultura.
Atualmente, o país acompanha com atenção a chegada de uma doença a países vizinhos nos últimos dois anos.
Trata-se da Raça 4 Tropical (RT4), provocada por um fungo que causa a morte das plantas de bananeira por atacar os seus vasos no caule, mas que não faz mal para humanos por não contaminar o fruto.
A doença já atingiu ao menos 18 países em quatro continentes: Ásia, Oceania, África e América do Sul. E, por ter este alcance, tem se usado cada vez mais o termo "pandemia" para se fazer uma analogia ao fenômeno, afirma Lorena Medina, do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), no Equador.
Na China, por exemplo, uma das maiores produtoras, estima-se que 70% das plantações de Guangdong e Hainan foram perdidas.
O Equador é o maior exportador mundial e, assim como o Brasil, faz fronteira com as duas nações sul-americanas contaminadas. Por isso, a mobilização para combater a doença tem sido grande no país, onde 17% da população economicamente ativa depende da bananicultura.
No Brasil, o setor também tem um papel social importante. A banana é uma opção barata de alimento, emprega 500 mil pessoas de forma direta e quase metade (48%) da sua produção vem da agricultura familiar.
Brasil é o 4º maior produtor de banana do mundo. — Foto: Arte/G1
Confira a seguir perguntas e respostas sobre a RT4:
O que é a doença? E o que ela causa?
A raça 4 é uma variante do fusarium oxysporum, fungo de solo que infecta as plantas de bananeira pelas raízes, fazendo com que elas murchem até a morte, explica Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético de Bananas e Plátanos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A doença costuma ser chamada por diversos nomes e siglas, como murcha de fusarium, mal-do-Panamá, raça 4 tropical (RT4), FocR4T, Tropical Race 4 (TR4) no termo em inglês, entre outros.
"Quando o fusarium entra na planta, ele provoca um entupimento dos vasos que levam os nutrientes da raiz para a parte alta da planta. Ao entupir esses vasos, ele leva a planta ao colapso", diz Amorim.
Por dentro, o caule contaminado da bananeira fica escurecido, diferentemente do caule saudável que é bem branco.
Caule contaminado:
Sintoma interno de uma planta de bananeira contaminada pela RT4, no Peru. — Foto: Embrapa
Caule saudável:
Caule saudável da bananeira é bem branco. — Foto: Lea Cunha/Embrapa
Um outro sintoma de contaminação da RT4 é a folhagem amarelada:
Um dos sintomas do fusarium é a folhagem amarelada. — Foto: CM/Embrapa
Não existe tratamento para a raça 4 de fusarium, ou seja, nenhum produto químico que combate a doença ou algum tipo de bananeira resistente.
Apesar disso, a Embrapa e outros institutos no mundo já trabalham com melhoramento genético para criar variedades mais resistentes (veja mais abaixo na reportagem).
No Brasil só existe a raça 1, que já está controlada e para a qual existe tratamento, explica o diretor da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira, Silvio Romão.. Outra diferença é que o fusarium 1 só ataca as plantações de prata, enquanto o 4 ataca todos os tipos.
A transmissão da doença se dá por resíduos de terras presentes em calçados, roupas, patas de animais, mudas, máquinas e até mesmo em artesanatos feitos com partes da bananeira.
Como surgiu e onde a doença está?
A RT4 foi detectada no final nos anos 90 em quatro países da Ásia (Taiwan, Malásia, China, Indonésia) e na Austrália. Em 2008, ela chegou nas Filipinas e, a partir de 2010, se espalhou para a África e América do Sul.
Lorena Medina, do IICA diz que os países onde há registros confirmados da doença são:
A RT4 pode chegar ao Brasil?
Amorim, da Embrapa, diz que o Brasil "não está livre da entrada dessa doença" e que a chegada da RT4 na Colômbia e no Peru acende um alerta maior e reforça a necessidade de controle nas fronteiras, nos aeroportos e busca por soluções e prevenção.
Já o Ministério da Agricultura afirma que não tem conhecimento de "estudos específicos para o ingresso dessa praga no Brasil".
Mas alerta aos viajantes de que é proibido trazer mudas de bananeira de países com o R4T. "Esta é uma das principais vias de ingresso desse fungo, pois o FocR4T produz esporos que permanecem no solo por até 30 anos".
Plantação de banana — Foto: Ana Clara Marinho/TV Globo
O governo afirma ainda que as áreas contaminadas pelo fusarium 4 na Colômbia e no Peru estão "bem distantes" das fronteiras com o Brasil.
No Peru, a raça 4 está ao norte, na cidade de Piura, que fica a 899 km do município de Mâncio Lima, no Acre, uma das cidades brasileiras que faz fronteira com a nação vizinha.
Já na Colômbia, a doença está nas cidades de Dibulla e Riohacha, no departamento de La Guajira, também ao norte do país. A distância entre Dibulla e o município fronteiriço de São Gabriel da Cachoeira (AM), por exemplo, é de cerca de 1,4 mil km.
Porém, especialistas lembram que o fusarium 4 pode entrar no Brasil por via aérea ou marítima, vindo de qualquer nação com a doença.
O que o Brasil está fazendo?
A Embrapa está tentando criar, por meio de melhoramento genético, tipos de bananeira resistentes ao fusarium 4. A estatal já enviou amostras de algumas variedades que desenvolveu para a Austrália, que entrarão em fase de teste no final de 2021.
Só depois desses testes é que será confirmado se esses tipos de bananeira são ou não resistentes à RT4. Se os resultados forem positivos, elas poderão ser distribuídas para uso dos agricultores.
"Estamos também próximos a assinar um convênio com a Colômbia e teremos também condições para testar nossas cultivares naquele país", diz Amorim.
O pesquisador conta que o Brasil já conseguiu conter o avanço de doenças da banana por meio de pesquisas feitas com antecedência.
"Nos anos 90, não existia a sigatoka negra no Brasil. Mas, já sabendo da possibilidade da entrada dela, nós desenvolvemos cultivares resistentes em parceria com a Costa Rica. [...] Em 1998, quando a sigatoka negra foi detectada no Acre, a Embrapa imediatamente teve condições de encaminhar diferentes cultivares para fazer frente à doença", conta.
Governo
Já o Ministério da Agricultura afirma que está monitorando as fronteiras com a Colômbia e o Peru e que a vigilância nessas áreas foi definida como "atividade essencial" durante a pandemia do coronavírus.
"As ações da vigilância internacional (Vigiagro) em portos e aeroportos foram reforçadas, principalmente após o primeiro caso no Colômbia", ressalta.
O governo disse ainda que tem feito levantamentos de detecção nas principais áreas de risco desde 2017; cursos para auditores fiscais federais e estaduais para identificar sintomas e coletar de amostras e workshops para produtores.
"Em 2018, foram publicados o plano de contingência e a cartilha de alerta fitossanitário para esta praga. Nesse mesmo ano, o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de Goiás foi estruturado e seu pessoal capacitado para análises de identificação molecular do fungo", diz o ministério.
Já em 2020, o governo criou o Plano Nacional de Prevenção e Vigilância do TR4, por meio da Instrução Normativa nº 30.
Produtores
Do lado dos produtores, um dos caminhos de prevenção é a higienização dentro da lavoura, diz Silvio Romão, da Abavar. Por outro lado, ele destaca que há pouca conscientização dos produtores sobre o assunto.
"Voce vê a luta que tem sido com a pandemia de Covid. Tem que estar persistente relembrando o risco e a gravidade da doença. É a mesma coisa que acontece com o mal-do-Panamá. Se a gente para de falar dele, parece que ele desapareceu", observa Romão.
Algumas das medidas de prevenção que ele recomenda são:
- Limpeza de calçados, roupas e ferramentas dos funcionários e visitantes antes e depois de entrar na lavoura. "Tem uma solução barata que é a amônia quaternária. Eu coloco duas bacias com uma espuma e amônia e, quando o funcionário vai bater o ponto, ele coloca os dois pés na bacia. Não é um procedimento difícil", diz Romão.
- Higienização e controle do acesso de veículos;
- Contenção do trânsito de animais domésticos dentro das lavouras;
- Cercamento das propriedades que fazem limite com rodovias;
- Não embalar as bananas no chão da plantação;
- Optar pelo uso de caixas plásticas em vez das de madeira. Isso porque a caixa plástica pode ser higienizada. "Não tem como lavar a madeira [...] e ela retém as doenças", diz Romão. As de madeira, porém, podem ser usadas apenas se forem novas.
Sobre este último ponto, o produtor diz que não há fiscalização na maior parte do país e que, por isso, muitos agricultores utilizam a mesma caixa de madeira várias vezes.
"Minas Gerais já proíbe a entrada da caixa de madeira usada...precisa apresentar a nota fiscal da caixa, se não for nova, não entra no estado", comenta Romão. A portaria estadual que instituiu essa proibição é a 762 de 2006.
"Queremos fazer a mesma coisa aqui [em São Paulo]. Estamos conversando com as prefeituras", diz o diretor da Abavar.
O que o Brasil tem a perder com essa doença?
O Ministério da Agricultura diz que a entrada da doença no Brasil pode gerar grandes perdas sociais, pois a "bananicultura tem um papel importante na geração de emprego e renda de pequenos produtores".
Na maioria das regiões, os agricultores familiares são responsáveis por mais da metade da produção da banana: Norte (81%); Sul (70%); Centro-Oeste (56,5%) e Nordeste (51%). No Sudeste, eles participam em 30,8% da produção.
Romão reforça que a bananicultura gera 500 mil empregos diretos e que pode movimentar, indiretamente, cerca de 1,5 milhão de postos.
No Vale do Ribeira, o cultivo da banana representa 80% da economia, movimentado o comércio e os serviços da região.
"A banana é uma fruta barata, que todas as classes sociais consomem, mas que é fundamental, principalmente, na alimentação da classe C", comenta Romão.
Quais impactos a RT4 já provocou no mundo?
Não há dados oficiais sobre as perdas geradas pela RT4 no mundo, mas Lorena Medina do IICA diz que se estima que a doença tenha destruído 15.700 hectares de bananas nas Filipinas, por exemplo. Além de perdas anuais de US$ 121 milhões na Indonésia; de US$ 253 milhões em Taiwan; e de US$ 14 milhões na Malásia.
Em Taiwan, as exportações para o Japão sofreram redução drástica, com perdas econômicas estimadas em mais de US$ 200 milhões, segundo o Ministério da Agricultura do Brasil. Já na Indonésia, em apenas dois anos, a área plantada com banana foi reduzida em 50%.
Banana é a fruta mais consumida no Brasil
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