Piso de uma praça interna do Conic, em Brasília, foi quebrado pela prefeitura do complexo sem autorização — Foto: Luiza Garonce/G1
Uma obra irregular realizada pela prefeitura do Conic, no centro de Brasília, é suspeita de ter provocado a queda do teto de uma das salas do Teatro Dulcina de Moraes. O espaço é patrimônio tombado pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal desde 2007.
A intervenção foi feita nesta terça-feira (19) em uma praça interna, ao lado do centro de artes cênicas. O complexo, no Setor de Diversões Sul, é formado por 18 prédios independentes com corredores e praças públicas.
Segundo a Agência de Fiscalização do DF (Agefis), a prefeitura não tinha autorização, licença ou alvará para mexer no piso. A suspeita é que a pressão feita para quebrar o concreto tenha afetado o teto do subsolo, onde fica a sala Conchita de Moraes.
Teto da sala Conchita de Moraes, do Teatro Dulcina, caiu após intervenção irregular em praça interna do Conic — Foto: Luiza Garonce/G1
A obra foi embargada nesta quarta (20) e a prefeita, Flávia Portela, notificada a apresentar laudo de risco. Um boletim e ocorrência também foi registrado na Polícia Civil no mesmo dia. Flávia disse que vai encaminhar os estudos à administração regional de Brasília "assim que estiverem conclusos".
Nesta quinta (21), lojistas disseram ao G1 que foram surpeendidos com a quebra do piso e que, até então, não haviam sido informados sobre os motivos da obra.
"Qual a finalidade e quem autorizou? Quando vão interditar isso? Não tem explicação nenhuma", reclamou a dona de um café que preferiu não se identificar.
"Tem que responsabilizar quem fez e tem que resolver."
No embalo
A mão-de-obra e o martelete usados para quebrar o piso foram "emprestados" por uma engenheira que coordena outra obra no Conic, segundo um dos responsáveis pelo empreendimento privado. Ele se identificou à reportagem como "Bira".
O G1 entrou em contato com a engenheira para confirmar a versão, mas a ligação caiu assim que a reportagem se identificou. Minutos depois, a ligação não foi atendida.
Piso de praça dentro do Conic, no centro de Brasília, foi quebrado pela prefeitura sem autorização do GDF — Foto: Luiza Garonce/G1
Logo atrás da praça, um tapume circunda a área de três edifícios particulares. No subsolo deles, estacionamentos interditados pela Defesa Civil desde 2000 passam por um reforço de estruturas e impermeabilização do piso e da laje para voltarem a ser usados.
A obra também foi embargada nesta quarta (20) pela Agefis, por não ter alvará de construção.
O que diz a prefeita?
A justificativa da prefeita para a intervenção no piso da praça é, justamente, a obra de iniciativa privada. Flávia Portela disse ao G1 por mensagem, que "no intuito de preservar a segurança de todos no setor [...] iniciou procedimento de contratação de laudos especializados e avaliação das condições físicas da referida estrutura."
Piso de praça interna do Conic é quebrado pela prefeitura do complexo de forma irregular — Foto: Luiza Garonce/G1
A "referida estrutura" são os estacionamentos que passam por reforma – e que não ficam debaixo da praça em questão. Flávia chegou a encaminhar ao G1 fotos das estruturas dos estacionamentos, mas eles não são de responsabilidade da prefeitura e, sim, do empreendimento privado que comprou os prédios da Terracap.
"O que foi feito na praça não tem nada a ver com a obra", disse o empresário. A Agefis também confirmou que a intervenção no piso da área externa não tem ligação com a obra realizada do outro lado do tapume.
Dano ao patrimônio
A sala Conchita de Moraes, que fica no subsolo do Conic, amanheceu com um buraco no teto nesta quarta (20), horas após a ação dos operários. Cerca de dois metros quadrados de gesso despencaram.
Escada que dá acesso à sala Conchita de Moraes, no Teatro Dulcina, com pedaços de gesso que caíram do teto por intervenção irregular no piso de uma praça interna do Conic — Foto: Luiza Garonce/G1
A Secretaria de Cultura, que esteve no local, afirmou que "quaisquer intervenções físicas realizadas no teatro e na respectiva área de tutela somente poderão ser executados mediante parecer técnico e aprovação da Subsecretaria de Patrimônio Cultural".
Segundo o produtor cultural Kaká Guimarães, que administra o Sub Dulcina e realiza eventos em espaços abertos do Conic, a intervenção é uma forma "disfarçada" de impedir o uso de áreas públicas dentro do complexo.
"O que ela fez é como se passasse com um trator na praça Zumbi dos Palmares."
Produtor cultural Ká Ká Guimarães em frente à intervenção irregular em uma praça interna do Conic, centro de Brasília — Foto: Luiza Garonce/G1
Filho de comerciantes do Conic e frequentador do complexo há cerca de 30 anos, Alex Vidigal afirma que a área tem funcionado como um "sistema feudal".
"Essa praça é pública. Não tem por que não ter apropriação dos estudantes do Dulcina, por exemplo. Não entendo por que ocorrem esses entraves e por que estamos no Brasil colonial."
"De quem são esses feudos?"
Tapume instalado para obra em prédios privados do Conic fecha área de quiosque — Foto: Luiza Garonce/G1
"De repente, apareceram uns quiosques. Eles brotam de uma forma que a gente não sabe a quem beneficiam, de onde vêm e pra onde vai o dinheiro do aluguel."
Eventos prejudicados
A ação da prefeitura foi interpretada pelo produtor Ká Ká Guimarães, que realiza festas nas áreas públicas do Conic e no subsolo do Teatro Dulcina, como um tentativa de barrar os eventos. "Ela vem fazendo isso desde 2016 e não consegue, porque sempre tivemos alvará", disse ao G1.
"Ela faz isso pra gente não ter como fazer evento, mas tem um monte aprovado pelo FAC e como vamos fazer?"
Panfleto da festa "Pequila" colado em parede do Conic, no centro de Brasília — Foto: Luiza Garonce/G1
Naquela praça ocorrem festas – como a Pequila e a Traxx –, feiras de vinil e de publicações independentes, como a Feira Dente. Esta, marcada para ocorrer entre 5 e 7 de julho, pode ficar comprometida por conta da intervenção.
O produtor Lucas Gehre disse ao G1 que não sabe como vai fazer para viabilizar o evento. "Nesta edição, a gente sabia de um outra obra no prédio da frente e estava preparado, mas essa interferência no piso surgiu do nada."
Prefeitura
A prefeita, Flávia Portela, está no cargo desde 2003, eleita por um conselho formado na década de 1990. Ela também é presidente da Federação dos Conselhos Comunitários de Segurança do DF e do Conselho Comunitário de Segurança Brasília Centro, que abrange o Setor de Diversões Sul.
Cartaz questiona legitimidade da prefeita do Conic, no Setor de Diversões Sul, após obra irregular em uma praça interna do complexo de prédios — Foto: Luiza Garonce/G1
Os ógãos foram instituídos por decreto, em 2016, e configuram "entidades comunitárias privadas de caráter consultivo e deliberativo".
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os cargos diretivos são ocupados a partir de votação de comerciantes e moradores das regiões de abrangência. A pasta informou que não tem autonomia sobre os conselhos.
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