Vegetação típica do cerrado — Foto: Allf Lima
Neste sábado (5), é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data tem o objetivo de chamar atenção para problemas ambientais e a preservação dos recursos naturais. No Distrito Federal, essa preocupação se expressa principalmente no cuidado com o Cerrado, bioma predominante na capital e que já perdeu de 40% a 60% de área.
Segundo o biólogo mestre em botânica Gustavo Rocha, a preservação desse ecossistema é fundamental, porque ele tem função de equilíbrio. "O Cerrado é sinônimo de bem-estar e qualidade de vida para quem vive em seu território. Muitos não percebem isso, mas são beneficiados mesmo assim", diz.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), ecossistemas como o Cerrado brasileiro estão entrando em colapso e são essenciais para a manutenção da sociedade. Em entrevista ao G1, o especialista, que é consultor em restauração de ecossistemas, fala sobre a degradação, preservação e curiosidades sobre o bioma.
Gustavo Rocha é biólogo mestre em botânica e consultor em restauração de ecossistemas — Foto: Arquivo pessoal
Leia a entrevista completa
G1 - Qual é a importância do ecossistema do Cerrado para o meio ambiente?
Biólogo Gustavo Rocha: Defino que a maior importância do Cerrado é garantir equilíbrio. Cerrado, na prática, significa equalização da demanda por uma vida melhor e oferta de recursos. De São Paulo ao Maranhão e do Mato Grosso à Minas Gerais, o Cerrado é a casa de aproximadamente 20 milhões de brasileiros. É dele que, com qualidade, respiramos, bebemos, comemos, vestimos e nos curamos.
Podemos citar a importância do Cerrado especificamente pela eficiência da cobertura vegetal nativa em conferir conectividade da paisagem e interligar todos os outros biomas brasileiros em extensos corredores genéticos. Isso é equilíbrio de vetores.
A cobertura vegetal do Cerrado exerce fundamental e competente função de proteção do solo, evita erosões superficiais e perda de nutrientes. O Cerrado é um verdadeiro complexo de biodiversidade, que poderia ser melhor aproveitado pela agricultura para alcançar melhor equilíbrio.
Flor típica do Cerrado — Foto: Gustavo Rocha
Esses benefícios vão além dos aproximados 2 milhões de km² originais do território do Cerrado e alcançam os demais territórios do Brasil, especialmente com vazão de água doce. Popularmente este bioma é chamado de "caixa d’água do Brasil".
Para entender que a água de fato é estocada no subsolo do Cerrado e disponibilizada ao longo do ano, basta nos perguntarmos como os cursos de água permanecem ativos após 5 ou 6 meses sem chuvas. Isso que ocorre todos os anos é a prova da dinâmica da água absorvida, estocada e vertida rio a fora.
G1 - Quanto de cerrado o Brasil tinha originalmente e quanto tem agora? Qual a maior causa dessa perda?
Biólogo Gustavo Rocha: Originalmente, eram 2 milhões de km². A estimativa de conversão [para outros tipos de uso] é de 40% a 60% do território.
A agricultura e pecuária extensivas são as atividades que mais impactam o Cerrado nativo. Além disso, os incêndios criminosos anuais, no período de estiagem, afetam também as áreas nativas pela sua frequência e intensidade.
Mapa do desmatamento do Cerrado — Foto: ISPN/Reprodução
O Cerrado não pode ser desmatado em São Paulo, enquanto em outras regiões, a conversão de cerrado em agricultura é a regra, como na fronteira agrícola ao norte do país. E essa realidade às vezes está fora do dia a dia da população que vive nas cidades integralmente.
Então convido a população em geral a se perguntar se a árvore que tem em casa é uma nativa do cerrado, se parte da sua chácara ainda tem remanescente da vegetação nativa original, ou de onde vem a água que abastece sua casa.
G1 - Como é possível preservar o Cerrado?
Biólogo Gustavo Rocha: Engajamento é a palavra-chave e a estratégia para revertermos a realidade que construímos até o momento. Ajudar a comunidade a notar, na prática, que a preservação do Cerrado tem por finalidade garantir recursos a nós mesmos.
Chegamos em uma condição de relacionamento com o Cerrado que inclui, ativamente, produzir mais áreas naturais, além de, passivamente, manter aquelas remanescentes.
Flor típica do Cerrado — Foto: Gustavo Rocha
Na prática, isso significa adotar condutas diárias que efetivem a economia circular, agricultura regenerativa e restauração de áreas degradadas ou alteradas de modo constante, no mesmo ritmo com o qual consumimos água e alimento por exemplo. Diversas instituições de diversos setores da sociedade oferecem alternativas que viabilizam essas questões na prática, mas a chave da mudança está com a sociedade como um todo, pois diz estamos falando de uma conduta social.
G1 - Quais as principais curiosidades sobre o bioma?
Biólogo Gustavo Rocha: Por incrível que pareça, o Cerrado é uma formação que evoluiu com o fogo. Ou seja, queimas fazem parte da natureza desse bioma. Mas estou me referindo ao fogo natural, menos frequente, menos intenso e presente durante a estação chuvosa do ano.
Uma curiosidade bem chocante é que o Cerrado está sobre o maior reservatório de água doce do planeta, o aquífero Guarani.
Outra curiosidade é que o Cerrado abriga pelo menos 11 formações vegetais diferentes, chamadas tecnicamente de fitofisionomias, desde aquelas florestais até as formações naturais campestres, que tem apenas gramíneas e herbáceas rasteiras.
Vegetação típica do Cerrado — Foto: Allf Lima
Conheça o Cerrado
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ocupando 24% do território nacional, e é considerada a savana mais biodiversa do mundo, concentrando 5% de toda a biodiversidade do planeta. Nele, vivem cerca de 25 milhões de pessoas, distribuídas em 1.330 municípios.
Além do DF, o bioma está presente em outras dez unidades federativas do Brasil. São elas:
- Minas Gerais,
- Goiás,
- Tocantins,
- Bahia,
- Maranhão,
- Mato Grosso,
- Mato Grosso do Sul,
- Piauí,
- São Paulo,
- Paraná,
- Rondônia
De acordo com a Organização Pequi Pesquisa e Conservação do Cerrado, o ecossistema abriga oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras e abastece seis das oito grandes bacias hidrográficas do Brasil: Amazônica, Araguaia/Tocantins, Atlântico Norte/Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste e Paraná/Paraguai.
Além disso, é no Cerrado onde estão localizados três dos principais aquíferos do país:
- Bambuí
- Urucuia
- Guarani
A contribuição hídrica do ecossistema para a vazão da bacia do Paraná chega a 50%; à bacia do Tocantins chega a 62%; e na bacia do São Francisco, a 94%. O bioma Pantanal é totalmente dependente da água do Cerrado e grande parte da energia consumida no Brasil é gerada com as águas desse bioma.
Estudos apontam que existem cerca de 10 mil espécies de plantas no Cerrado, das quais 44% são exclusivas, além de uma fauna riquíssima com:
- 250 espécies de mamíferos
- 856 espécies de aves
- 800 espécies de peixes
- 262 espécies de répteis
- 204 espécies de anfíbios
A sazonalidade climática é uma característica marcante que dá ao Cerrado a capacidade de resistir às secas. A diversidade de solos e topografias proporciona a ocorrência de uma enorme diversidade de ecossistemas.
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que o período de 2021-2030 será a "Década da Restauração de Ecossistemas". Nesse período, o principal objetivo é aumentar os esforços para restaurar ecossistemas degradados, criando medidas eficientes para combater a crise climática, alimentar, hídrica e a perda de biodiversidade.
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