X-MenO entendimento de doenças genéticas tem se beneficiado muito com os recentes avanços e progressos da genômica, especialmente no que se refere ao sequenciamento do DNA. A tecnologia tem evoluído tanto que em breve será possível sequenciar todos indivíduos do planeta, principalmente com a queda no custo operacional.

Uma das grandes vantagens do sequenciamento genético é justamente descobrir quais são os genes ou vias metabólicas que estão alteradas no individuo, ou em uma determinada doença. Conhecer a genética facilita a compreensão do quadro clínico e, em alguns casos, auxilia no tratamento.

Descrevi um exemplo na coluna anterior sobre como a descoberta de uma mutação numa criança autista revelou uma nova forma de tratamento usando um produto natural em um espaço de tempo excepcionalmente curto. Exemplos como esse são raros. Na maior parte dos casos, não sabemos muito sobre o(s) gene(s) mutado(s).

Na verdade, os cientistas conhecem apenas 1% das funções dos cerca de 25 mil genes presentes em nosso genoma. E mesmo com genes conhecidos, muitas vezes não há o que fazer. Mas esse quadro muda diariamente, pois sempre existem novos trabalhos sendo publicados, mostrando como determinados genes atuam e podem ser modulados. Portanto, resultados genéticos nunca são inúteis.

Ultimamente, tenho pensado de forma alternativa e complementar. Em vez de procurar genes que causam doenças ou vulnerabilidade, pensei em procurar por genes que levam à resistência. Essa ideia tem como princípio a hipótese de que existem mutantes naturais andando entre nós, super-heróis genéticos.

Seriam aqueles que podem ter a mutação em genes que causam doenças, mas que são saudáveis. Existem precedentes para essa forma de pensar. Por exemplo, pessoas com mais de 75 anos de idade que possuem mutações no gene Apoe4 (um gene associado a alto risco para o mal de Alzheimer) e que são cognitivamente normais.

A estratégia seria sequenciar esses indivíduos na esperança de encontrar variações genéticas que conferem resistência ou proteção ao Alzheimer. Ao entender como o processo funciona nessas pessoas, poderíamos aplicar o conhecimento de forma protetiva no resto da população.

A ideia, em princípio, poderia funcionar para qualquer doença ou condição genética. Na verdade, isso já foi feito para doenças cardiovasculares. Hoje, sabemos que algumas pessoas que possuem uma variante não-funcional do gene PCSK9 são mais resistentes, quase imunes, a doenças do coração.

Não importa o que você come, se faz exercícios ou qual a sua pressão arterial, essa variante consegue controlar seus lipídeos de uma forma muito mais eficiente do que na maioria da população. Atualmente, a indústria farmacêutica tem desenvolvido anticorpos contra o PCSK9, na tentativa de inativar o gene em pessoas com doenças cardiovasculares.

No caso de doenças neurológicas ou psiquiátricas, como autismo ou esquizofrenia, achar resistentes é um pouco mais complexo. Porém, o fato de que essas condições têm uma contribuição genética forte sugere que isso seria, sim, possível. A forma como meu laboratório tem estudado essa questão é comparando indivíduos autistas com trajetórias clínicas distintas.

Ao sequenciar o genoma daqueles que conseguiram se curar espontaneamente e sair do espectro, podemos definir uma assinatura neuro-genética que confira resistência ao autismo. Imagino que esses genes estariam envolvidos com a plasticidade neuronal ou capacidade de formar novas conexões nervosas. O mesmo serve para esquizofrenia. Gostaria de comparar o genoma de indivíduos que tiveram apenas um episódio psicótico com aqueles que continuam a sofrer com a condição.

Obviamente, estou simplificando os quadros clínicos, inclusive deixando de lado contribuições do ambientes ou epigenéticas, mas já é um começo.

*Foto: Divulgação