Ano passado foi um ano tenso para os pesquisadores trabalhando com células-tronco na Itália. Depois de longos e cansativos debates desde 2006, o governo italiano decidiu bloquear a continuação de um tratamento clínico para doenças neurodegenerativas sem nenhuma base científica. O protocolo, criado pela empresa privada Stamina, baseava-se na retirada de células-tronco da medula óssea e reinjetá-las nos pacientes para promover uma regeneração neuronal. Ora, sabemos de longa data que células da medula não produzem neurônios, o que inviabiliza a ideia proposta.

A polêmica decisão desagradou muitos pacientes e afetou a imagem dos cientistas envolvidos em recomendar o cancelamento das atividades da Stamina. Sem o conhecimento necessário, os pacientes acreditavam que estariam sendo privados de um tratamento que poderia curá-los. A realidade é outra. Tratamentos sem comprovação clínica atrasam a cura e afetam a credibilidade dos estudos sérios. E mais, ainda se beneficiam financeiramente da fragilidade emocional dos pacientes. Monitorar esse tipo de atividade predatória é essencial e tem sido prioridade de instituições medicas no mundo todo.

A Sociedade Internacional de Pesquisas com Células-tronco (ISSCR, do inglês) criou um portal educativo sobre o uso clinico de células-tronco. Dentre os objetivos dessa iniciativa, estão incluídos a divulgação dos protocolos já aprovados e daqueles que ainda estão em fase experimental. Também está explicado porque que os tratamentos experimentais devem ser oferecidos gratuitamente aos pacientes. Aliás, esse é o primeiro indício de que existe algo errado: clínicas particulares não devem cobrar de pacientes em estudos experimentais, mas sim recompensá-los de alguma forma.

As dicas estão todas resumidas num texto (Manual do Paciente) de leitura fácil e acessível, inclindo uma versão em português.

No Brasil não estamos ilesos a esse tipo de enganação. Alguns leitores me perguntaram sobre um post do senador Romário Faria, apoiando a decisão de um paciente (médico) com ELA (esclerosa lateral amiotrófica) de viajar para obter um transplante de “neurônios a partir da medula óssea” em Israel, com o custo de U$ 46 mil.

Post de Romário sobre transplante de medula

 

Pacientes com ELA são especialmente vulneráveis devido à rapidez do processo de neurodegeneração. Com certeza não foi um tratamento experimental ou estudo legitimo, afinal o médico teve que pagar essa quantia à clínica. O procedimento não tem qualquer fundamento científico. A melhoria relatada pelo paciente pode ser meramente psicológica (jamais saberemos, pois não foram feitos controles). Mais importante, também não sabemos o quanto esse procedimento foi maléfico para o paciente, acelerando a neurodegeneração.

O envolvimento de políticos nessa área é nobre e não tenho dúvidas da boa intenção do senador Romário, que tem se destacado com políticas que facilitam a pesquisa no Brasil e a inclusão de crianças especiais. Mas a falta de orientação na área de células-tronco é preocupante.

O Brasil tem 81 senadores, acredito que nenhum com formação científica. Políticos deveriam basear suas decisões em conselhos formados por especialistas da área com atuação internacional para melhor aconselhá-los. Em paralelo, seria interessante as universidades investirem na formação de cientistas-políticos, uma categoria profissional que ainda não existe no Brasil, mas que será cada vez mais valorizada no futuro.

Imagem: Reprodução/Facebook