Pesquisa com células-troncoAinda lembro o dia em que o Paulo Marinho veio visitar meu laboratório na Califórnia. Aluno de engenharia no Brasil, ele estava querendo aplicar seus conhecimentos na área de células-tronco. Havia desenvolvido um protótipo de meio de cultura para crescer células-tronco embrionária humanas. Ele estava empolgado com os resultados preliminares que mostravam um crescimento muito acima do obtido com os meios de cultura tradicionais e queria minha opinião.

Ouvi com interesse a narrativa de como ele havia criado esse novo meio, mas quando vi os gráficos com os resultados disse a ele que havia um problema. Depois de mais de uma década cultivando células-tronco embrionárias humanas, meu olhar estava afiado. Os resultados eram bons demais para ser verdade. Disse a ele que a pressão seletiva nas células em cultura poderia induzir certos artefatos, selecionando células que carregam alterações cromossômicas – um belo exemplo de evolução darwiniana dentro do laboratório.

Não deu outra. Ao voltar ao Brasil, Paulo caracterizou o genoma das células que havia trabalhado e concluiu que realmente todas estavam anormais. Ele havia criado um meio usando células que mais se pareciam com um câncer do que com células-tronco embrionárias. Apesar da frustração, Paulo não desanimou e decidiu continuar seus estudos em meu laboratório no ano seguinte. Sorte minha e dos futuros biólogos celulares.

Voltamos ao ponto zero e recomeçamos o trabalho, agora com as células normais e devidamente caracterizadas. Obviamente, não foi tão fácil quanto da primeira vez, tudo precisou ser refeito e acabou levando mais tempo do que imaginávamos. O trabalho valeu a pena.

A originalidade da ideia do Paulo consistia em aplicar um conhecido método estatístico, chamado de Desenho Experimental (DE), para prever interações entre os diversos fatores presente no meio de cultura. Até então, a forma de se cultivar essas células-tronco fora empiricamente determinada, baseando nas condições que funcionavam no cultivo de células-tronco embrionárias de roedores. Camundongos não são humanos em miniatura, e nosso desenvolvimento embrionário é significativamente mais lendo que o de outros animais. Pioneiros nessa área haviam simplesmente copiado o que funcionava para células-tronco de camundongos e adicionaram fatores que poderiam ajudar no crescimento de células humanas. Por incrível que pareça, a maioria dos laboratórios ainda usa esse tipo de formulação, desenvolvida em meados da década de 90.

Com o DE, Paulo conseguiu mapear as interações entre todos os fatores presentes nos meios que funcionavam em humanos. De forma sistemática, ele eliminou fatores com interações neutras ou negativas, e otimizou a concentração de fatores com interações positivas.

O resultado é fascinante. A nova fórmula, batizada de iDEAL, é superior a qualquer outro sistema de cultivo celular até o momento. Além de incluir fatores quimicamente definidos e sem contaminantes de origem animal, o meio é menos estressante para as células, permitindo que fique em contato por mais tempo.

Essas vantagens reduzem o custo de fabricação, o tempo do pesquisador e a variabilidade experimental durante a pesquisa. O meio funciona tanto para células-tronco embrionárias quanto para as de pluripotência induzida, ou células iPS. Finalmente, o meio passou no teste epigenético, mostrando que ao derivar linhagens celulares usando iDEAL, um dos mais importantes marcadores epigenéticos era apagado, o que facilita o estudo de doenças ligadas ao cromossomo X, por exemplo.

O resultado da pesquisa foi publicado essa semana (Marinho e colegas, Sci. Rep 2015) e promete ser uma forte ferramenta em futuros trabalhos usando células-tronco humanas pluripotentes.