A maior companhia de 'táxi', a Uber, não possui um único automóvel. O maior veiculo de mídia da atualidade, o Facebook, não gasta um centavo produzindo conteúdo. A maior loja online, Alibaba, não tem inventário e a maior rede de acomodações mundial, a Airbnb, não tem nenhum imóvel. O novo plano de negócios tem desafiado modelos tradicionais, facilitando caminhos entre o cliente e o provedor. Esse conceito “ferramenta” ainda não chegou na área de saúde, pelo menos por enquanto.

Uma das grandes vantagens de se trabalhar numas das maiores faculdades de medicina do mundo é estar exposto a idéias e conceitos que ainda não se fortaleceram comercialmente, mas que estão sendo testados em pequenos experimentos dentro do ambiente academico. Atualmente, existem três áreas na saúde que, quando unidas de forma eficiente, irão revolucionar a forma como a medicina atua.

Primeiro é a genômica. Com a redução exponencial do custo para sequenciar o genoma humano e novas ferramentas de bioinformáticas que auxiliam nessa análise, não estamos longe de termos o genoma de cada individuo do planeta sequenciado. O maior desafio será outro: entender o significado das alterações no DNA de cada pessoa. Sabemos que existem cerca de 25 mil genes no genoma humano, o que representa aproximadamente 1% do genoma. Desconhecemos a função da maioria desses genes e outras regiões regulatórias. O processo de adquirir esse conhecimento ainda é lento e laborioso. Mas o pouco que sabemos já nos ajuda a entender muita coisa, inclusive a causa de diversas doenças raras. É o que chamamos de medicina personalizada, que inclui a medicina preventiva, e leva em consideração a informação genética e estilo de vida do individuo.

A segunda área em ebulição vem das células-tronco, uma das grandes promessas do século. A medicina regenerativa já curou diversas pessoas com doenças sanguíneas desde da década de 60, mas tem patinado em outras áreas. Por outro lado, a possibilidade de recapitular o desenvolvimento de um individuo em laboratório, criando mini-órgãos, tem gerado dados interessantes sobre a resposta individual a drogas e quais as vias metabólicas que estariam alteradas em determinada condição, podendo até mesmo funcionar como uma futura forma de diagnóstico. Esse tipo de medicina, também chamada de medicina de precisão, promete conectar paciente com um remédio que seja especifico, na dose certa e administrado de forma correta.

A terceira área é a medicina curativa. A base desse tipo de estratégia estaria na manipulação genética através de enzimas de edição do DNA. Ao contrário do que se imagina, essa metodologia não funcionaria apenas contra doenças genéticas, mas poderia ser aplicada em outras situações em que a regulação gênica pudesse aumentar o sucesso no tratamento, como em doenças imunológicas ou durante uma parada cardíaca. O gargalo nesse processo é o mesmo que a terapia gênica vem lidando durantes décadas: como conduzir as enzimas de edição até as células alvo de forma especifica.

Além dessas novas ferramentas, seria interessantíssimo ter acesso a dados genômicos, clínicos, cognitivos e comportamentais de milhões de pessoas mundo afora. A iniciativa do PatientsLikeMe (https://www.patientslikeme.com) é uma prova de principio de que isso pode ser possível e conta com mais de 61 mil membros. Críticos desse processo de abertura clinica citam a qualidade dos dados ou a má representação da cohort como problemas em potencial. A indústria farmacêutica também critica esse modelo futurístico, pois seria de difícil de comercialização. Ora, o mesmo tipo de critica recebeu o Uber ou Airbnb em fases de implementação. Diferente de uma aspirina ou de um Viagra, que pode ser vendido para as massas, o futuro da medicina será individualizado.

Enquanto essas áreas se desenvolvem, está claro pra mim que uma nova cultura biomédica irá surgir: a redução do papel do médico tradicional, que fica cada vez mais restrito a um articulador entre o paciente e o laboratório; e a pressão de pacientes-voluntários no financiamento e busca de melhores tratamentos para diversas doenças. Difícil saber exatamente como essa mistura de tecnologia e abertura irá se desenvolver nos próximos anos e quais seriam os resultados esperados. Essa incerteza é justamente um dos fatores que precedem grandes transformações.