A mulher que cheirava Parkinson
Ou o estranho caso de um super-olfato que pode mudar a forma de se diagnosticar o mal de Parkinson
O marido de Joy Milne morreu com 65 anos. Ele era um anestesista antes de ter sido diagnosticado com o mal de Parkinson, aos 45 anos de idade. Cerca de uma a cada 500 pessoas sofrem com o mal de Parkinson -- são de 7 a 10 milhões de pessoas no mundo todo sofrendo com a doença. A condição é neurodegenerativa, incurável, afetando a forma como as pessoas se movimentam, conversam, interagem socialmente e dormem. A causa é uma lenta mortalidade de neurônios dopaminérgicos no cérebro. Ainda não sabemos por que esses neurônios são preferencialmente atacados ou exatamente quando começam a morrer.
A britânica Joy notou que o cheiro do marido havia mudado muito antes do diagnostico clinico, seis anos antes. Imaginou que fosse o suor do marido junto com algum químico usado durante as anestesias. Segundo ela, o novo odor é difícil de descrever, é sutil como o almíscar e apareceu ocasionalmente. O cheiro foi ficando mais forte ao mesmo tempo que os sintomas de cansaço e descontrole motor ficavam cada vez mais evidentes em seu marido. Ela só foi conectar o novo cheiro com o mal de Parkinson quando participou de um evento de caridade para arrecadar fundos para a causa. Foi lá que ela encontrou diversas pessoas com o mesmo distinto cheiro.
E foi por mero acaso que Joy comentou essa relação com um cientista inglês que achou o fato bizarro. O cientista, Dr. Tilo Kunath, desafiou Joy a um teste. Ela teria que distinguir entre 12 camisetas, quais haviam sido usadas por pacientes com Parkinson. O nariz de Joy foi quase infalível, “errou” apenas um. Ela identificou corretamente os seis pacientes. O individuo controle que ela havia supostamente havia classificado como doente erroneamente acabou sendo diagnosticado com Parkinson oito meses depois, quando os sintomas começaram a ficar evidentes nesse individuo. Isso sim é o que eu chamo de nariz.., digo, diagnostico preciso!
O resultado repercutiu nos laboratório mundo afora que estudam Parkinson, afinal encontrar uma forma de se diagnosticar a doença nos estágios iniciais é benéfico para o paciente. Existem laboratórios confirmando essas observações de forma independente e procurando quais seriam os sinais químicos exalados pela pele dos pacientes com Parkinson que Joy estaria detectando. Resultados recentes sugerem uma alteração nas glândulas sebáceas dos pacientes, uma observação que os dermatologistas já haviam descrito nos anos 20, mas completamente ignorada por neurocientistas. Outros estudos descobriram que a alfa-nucleina, proteína que se acumula nos cérebros de indivíduos com Parkinson, também se acumula na pele e pode ser a responsável pelo cheiro característico identificado por Joy. Uma hipótese alternativa sugere que o cheiro vem de bactérias, não do corpo humano, que colonizam preferencialmente a pele dos pacientes. O mecanismo exato desse processo ainda é um mistério.
Hoje em dia, ainda é extremamente difícil de se diagnosticar o mal de Parkinson. Ainda usamos os métodos utilizados por Dr. James Parkinson em 1917, que consiste na observação clinica da pessoa e dos sintomas. Uma ferramenta para se diagnosticar o Parkinson antes de os sintomas realmente começarem a surgir seria transformador. Pacientes, familiares e profissionais de saúde poderiam discutir antecipadamente quais os melhores tratamentos, monitorar a progressão da doença, e oferecer melhores oportunidades para essas pessoas. Pacientes diagnosticados dessa forma seriam também uteis na pesquisa acadêmica, e poderiam nos ensinar fatores relacionados com a trajetória clinica e eventuais formas de se retardar o aparecimento dos sintomas.
Pode até ter sido uma descoberta ocasional, mas isso não desmerece o fato de que essa historia tem o potencial de gerar um impacto muito grande na vida de diversas crianças que podem sofrer com essa condição num futuro próximo.
Foto: o casal Milne em visita à Escócia (Reprodução/Facebook/Parkinson's UK in Scotland)