Salar de Uyuni, o maior salar do mundo, localizado na Bolívia

 

 

 

 

 

 

 

 











 

 

Foto: Montes de sal no Salar de Uyuni, na Bolívia, onde se calcula que esteja metade da reserva de lítio do planeta.


Lítio, um dos mais simples átomos oriundos de explosões astronômicas durante a origem do universo há milhões de anos atrás, é um dos remédios psiquiátricos mais usados no mundo. Do Big Bang para seu cérebro, a história do uso clínico do Lítio mostra como um simples elemento da natureza pode alterar quem nós somos e nossa capacidade de interação com o mundo.

Lítio é uma molécula simples, carregada positivamente e muito semelhante ao sódio. É o terceiro átomo da tabela periódica. É encontrado na natureza dissolvido na água em pequenas quantidades, ou em toneladas, encontradas em certas regiões do planeta, como nos desertos de sais da Bolívia. O Lítio era usado de forma empírica na medicina, antes mesmo de ser conhecido quimicamente. Por séculos foi recomendado a pessoas com distúrbios mentais, que consumiam o elemento naturalmente encontrado em certas “águas milagrosas” durante a Idade Média, até virar ingrediente principal em bebidas fortificadas com Lítio (7Up) no século 20. Mas não se preocupe, assim como a Coca-cola teve que remover a cocaína de sua formula, o Lítio foi retirado da 7Up em 1948.

Com os resultados de ensaios clínicos controlados na década de 50, ficou claro que o elemento era capaz de estabilizar episódios maníacos em pacientes bipolares. Relatos epidemiológicos, também ligaram populações humanas que consumiam água com pequenas quantidades de Lítio naturalmente dissolvida, com a baixa frequência de indivíduos bipolares e episódios suicidas. É, desde então, o tratamento mais efetivo para controlar a síndrome bipolar e certos quadros depressivos. Mas o mecanismo de ação do átomo no cérebro ainda é desconhecido. Uma das hipóteses sugere que o Lítio atue como neuroprotetor, estabilizando contatos sinápticos em neurônios que controlam o humor. Faria isso auxiliando a regeneração axonal, melhorando o funcionamento das mitocôndrias (estruturas celulares responsáveis pela carga enérgica da célula), controlando inflamações ou participando na re-mielinização. Por causa desse espectro de ação, cientistas estão testando a eficácia do Lítio em outras doenças mentais, como o mal de Alzheimer ou a síndrome do X-Frágil. Mas os benefícios do Lítio dependem da dose correta, altas doses são toxicas para o organismo.

O que mais me impressiona é que a capacidade do Lítio em modular o humor e crises compulsivas tem origens na explosão de estrelas durante o começo do universo. De alguma forma esse átomo persistiu durante milhões de anos no universo, sendo então dissolvido na água da Terra e, eventualmente, tornando-se uma pílula capaz de modificar a forma como nossos cérebros funcionam. Filosoficamente, estamos observando que as mesmas forças que contribuíram para modelar a formação do mundo, são responsáveis pela homeostasia de nossos cérebros. É muito provável que essas forças não apenas atuem no cérebro bipolar, mas no cérebro de todos os seres vivos.