Imune ao estresse?
Existem pessoas que conseguem lidar muito melhor com os reveses da vida do que outras. Essa atitude “zen” pode ter uma base genética e é provável que os segredos de como não se deixar levar pelo estresse esteja escondido em algum circuito neuronal de nossos cérebros. Ou não.
Em um trabalho recente, publicado por um grupo americano liderado por Miles Herkensham, demonstrou-se uma forma contra-intuitiva de lidar com o estresse via sistema imune, pelo menos em camundongos ('Brachaman e colegas', Journal of Neurosciences 2015). O grupo queria saber se as células do sistema imune poderiam reter memorias de um estresse psicológico quando transplantadas num outro animal.
Os pesquisadores transplantaram células branca sanguíneas (linfócitos) de um camundongo com comportamento depressivo em uma outra linhagem animal geneticamente alterada para não rejeitar as células transplantadas. Enquanto células oriundas de um animal controle (não depressivo) apresentaram efeito nulo, aquelas derivadas de animais depressivos deixaram os hospedeiros mais sociais, menos ansiosos e com menor taxa de inflamação. Mais intrigante ainda, as células transplantadas alteraram o nível de neurogenesis (produção de novos neurônios) no cérebro dos camundongos recipientes. Como os linfócitos estariam alterando o cérebro e o comportamento dos animais hospedeiros é um mistério.
Num outro trabalho foi mostrado que níveis altos de uma molécula conhecida como interleucina 6 (IL-6) são encontrados em animais que evitam interações sociais, após contatos estressantes com um animal dominante (Hodes e colegas, PNAS 2014). Ao transplantar células do sistema imune de animais estressados em animais controles, estes últimos passaram a ter comportamento depressivo e anti-social, mesmo sem nunca ter interagido com um roedor dominante. Ao bloquear o IL-6 o transplante perdia o efeito, indicando que o IL-6 é uma molécula chave nesse processo de comunicação do sistema imune e nervoso. Não é surpresa que os níveis de IL-6 são também bastante elevados em crianças autistas e indivíduos depressivos.
Esses dois estudos sugerem que diferenças individuais no sistema imune podem afetar a susceptibilidade ao estresse. Se os dados em camundongos puderem ser realmente extrapolados para humanos (o que ainda não sabemos), podemos concluir que nossas respostas emocionais a diversos estresses podem ser amenizadas através de intervenções via sistema imune periférico.
A história é semelhante aos microorganimos que habitam nossos intestinos e foram relacionados a comportamentos anti-sociais em camundongos. Ainda não sabemos se isso realmente se aplica em humanos, mas foi o bastante para fortalecer a idéia de que bactérias intestinais estariam implicadas em autismo. Ainda é cedo para tirar conclusões desse tipo. De qualquer forma, acho que estamos vivenciando uma era cientifica menos neurocêntrica, e que começa a flertar com a interação de diversos sistemas.
Foto: Voisin/Phanie