A pesquisadora Laurie Devereaux filtra água coletada de um riacho urbano enquanto se prepara para testar a presença de DNA a partir de uma pequeno e destrutivo caramujo em Bellevue, Washington
Quem está antenado em ciência, tecnologia e inovação deve ter notado que o mundo passa por uma crise. Parte da culpa é a queda drástica, nas últimas décadas, do suporte para pesquisas básicas e aplicadas oferecido pelo maior financiador de novas descobertas científicas, os Estados Unidos.

Mais da metade da riqueza criada nos EUA após a Segunda Guerra Mundial tem origem na pesquisa universitária. Tecnologias inovadoras, como a internet, lasers, telefone celular, drones e uma série de produtos biológicos, são atribuídas a pesquisadores trabalhando em laboratórios acadêmicos. As razões dessa redução de investimento cientifico são diversas e complexas e detalhar todas aqui não é foco desta coluna.

A grande questão é que, como consequência da perda de investimento em ciência, os EUA estão, aos poucos, desacelerando e perdendo sua posição de líder mundial em tecnologia.

Na área da saúde o problema é visível. Diversos pesquisadores, com linhas de pesquisa arrojadas e promissoras, estão fechando as portas de seus laboratórios, principalmente em universidades públicas. O mundo simplesmente não pode mais contar que os EUA irão descobrir a cura para as doenças da humanidade, exigindo maior atuação de outros países.

Alguns países emergentes mais estratégicos, como a China, têm se aproveitado dessa situação para recuperar cérebros exilados, oferecendo pacotes de trabalho impensáveis no mercado americano atual. O objetivo é capitalizar na desaceleração americana, buscando fomentar projetos inovadores e liderança tecnológica.

No meio dessa crise, surgiu uma ideia interessante, um tipo de site de namoro para cientistas, a Benefunder, criada por professores da Universidade da Califórnia em San Diego. A ideia é favorecer o encontro entre cientistas e filantropos. Ao contrário do Brasil, por exemplo, nos EUA a cultura da filantropia é estimulada desde cedo, em diversos setores da sociedade. Essa cultura é tão marcante que o valor anual de doações nos EUA ultrapassa 240 bilhões de dólares, número maior que o dobro do orçamento inteiro destinado a ciências e artes em todo continente americano. Porém, apenas 3% dessas doações são direcionadas para a pesquisa acadêmica, o que reflete uma desconexão entre investidores e pesquisadores.

E quem são os filantropos americanos? Os maiores são figuras conhecidas como Bill Gates, Mark Zuckerberg e Paul Allen. Como suas doações são excepcionais, acabam por criar fundações próprias para gerenciar e direcionar os fundos de acordo com suas vontades.

Abaixo deles, existem diversos outros doadores com orçamentos menores, a grande maioria anônimos, que somados fazem doações de alguns milhões de dólares anualmente. O perfil desse doador é diferente. São também profissionais bem-sucedidos, mas que apreciam contribuir com a ciência de ponta, original. Existe uma certa vaidade em apoiar projetos ainda em estágios iniciais.

Aparentemente, esses filantropos têm dificuldades em encontrar iniciativas atraentes, por falta de tempo e conhecimento. Acabam doando para organizações sem fins lucrativos, mas com finalidade assistencialista, desviando os fundos de inovação. Essas organizações apoiam “a cura” dessa ou daquela doença, mas quase nunca investem em pesquisa. Lembra da campanha do “Balde de Gelo” para ELA (esclerose lateral amiotrófica)? Pois é, apenas 28% do total arrecadado foi investido em pesquisa. A meta é investir 85% em pesquisa, retirando o mínimo para despesas administrativas.

A Benefunder funciona como uma organização híbrida, parte fundação e parte startup tecnológica, que tem como objetivo recuperar a liderança tecnológica dos EUA, colocando cientistas de ponta em contato direto com potenciais doadores. Usam para isso, uma plataforma inovadora, inspirada em sites de namoro online.

A ideia é expor pesquisadores excepcionais a filantropos que buscam manter relações duradouras e apoiar pesquisas de alto impacto e potencial transformador nas ciências e nas artes, mesmo que em estágios embrionários. Acredita-se que através das pesquisas presentes nos portfólios da empresa, sairão produtos capazes de acelerar o conhecimento, encontrar a cura para diversas doenças humanas e introduzir novas tecnologias no mercado. Eu mesmo já garanti meu perfil.

A iniciativa tem tudo para dar certo, mas existem diversos obstáculos pela frente. Um deles, talvez o maior, é levar essa plataforma aos potenciais investidores. A parceria recente com uma firma que representa alguns desses investidores, a Merrill Lynch, é um primeiro passo.

Outra dificuldade é o flerte entre o cientista e o investidor. Acostumados com linguagens diferentes e expectativas temporais distintas, esse namoro não será fácil e vai requer paciência dos dois lados. Como tudo na vida, o sucesso deve ser maior aos persistentes.

Foto: Elaine Thompson/AP