Células-tronco contra o mal de Parkinson
RESUMO DO POST:
Neste texto, Alysson Muotri alerta para as falsas promessas que tratamentos com células-tronco oferecem a pacientes com mal de Parkinson, uma doença que é, até então, incurável. Ele apresenta ainda as pesquisas em andamento que tentam reverter a doença degenerativa. VEJA O POST NA ÍNTEGRA ABAIXO:
Todos sabemos que a chance de ganhar na loteria é muito pequena. Mesmo assim, muitos continuam apostando com a esperança que um dia a sorte estará ao seu lado, afinal alguém sempre ganha.
Agora, imagine que, sem saber, você aposte num sistema de loteria que foi alterado para que o seu número nunca seja sorteado. Essencialmente, você está jogando dinheiro fora por falsa esperança. Da mesma forma, muitos pacientes com doenças incuráveis, que se aventuraram em clinicas que oferecem tratamentos não comprovados com células-tronco, fazem a mesma coisa.
O problema é mais evidente com doenças neurodegenerativas, como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou o mal de Parkinson, pois são condições agressivas que afetam a qualidade de vida do indivíduo muito rapidamente.
Recentemente, proliferaram clinicas que oferecem tratamentos com supostas “células-tronco” retiradas da gordura do próprio paciente para aliviar o sintoma de portadores do mal de Parkinson. Mas essa oportunidade tem um preço bem alto: cada injeção não sai por menos de US$ 20 mil (e com certeza serão recomendadas diversas aplicações). Infelizmente, não existe nenhuma evidencia cientifica que esse tipo de tratamento funcione.
O mal de Parkinson é uma doença neurodegenerativa incurável, que afeta milhões de brasileiros e indivíduos em todo o mundo. Sintomas incluem tremores, redução dos movimentos e rigidez muscular. Não existe cura para o mal de Parkinson. Existem algumas drogas que podem auxiliar tipos genéticos/familiares de pacientes, mas nada para a grande maioria dos casos esporádicos.
Melhoras significativas no quadro clínico podem aparecer após estimulação profunda no cérebro, mas esse é um procedimento bem invasivo e aconselhado em alguns casos mais severos. Existem algumas vacinas sendo testadas em ensaios clínicos. Os resultados preliminares sugerem que essa estratégia teria eficácia restrita devido a má penetração dos anticorpos no cérebro e ao estágio avançado da doença (em geral, vacinas funcionam melhor como medida preventiva, porém não existem marcadores biológicos para Parkinson no momento).
Como a doença começa?
O mal de Parkinson aparece quando um subtipo de neurônio que produz dopamina (um importante neurotransmissor no cérebro), localizados numa região do cérebro que controla os movimentos, morre por razões ainda desconhecidas.
Pois bem, células da gordura não têm a capacidade de se especializar em neurônios dopaminérgicos, portanto, jamais conseguirão contribuir para retardar os efeitos do Parkinson dessa forma. Além disso, elas provavelmente nem conseguirão chegar no cérebro, quanto mais na região afetada.
Mas e os vídeos testimoniais e emotivos, de pacientes que receberam as células de gordura e melhoraram? Após assistir diversos vídeos você conseguirá observar um padrão: os pacientes, em geral, gravam seus depoimentos logo após o tratamento, não existe acompanhamento a longo-termo e também não existe publicação dos resultados em revistas cientificas especializadas, o que inviabiliza a análise imparcial por outros cientistas.
O resultado positivo logo após ao tratamento pode ser explicado pelo efeito placebo: quando você quer realmente acreditar em algo, seu corpo responde em sincronia, mas o efeito é efêmero. Outra explicação seria alguma forma de supressão de um eventual processo inflamatório em Parkinson. Infelizmente, as evidências de que esse seja um fator determinante são escassas.
Futuro promissor
Felizmente, o futuro é promissor para os indivíduos com o mal de Parkinson. Uma aposta plausível vem do uso de células-tronco de pluripotência induzida, ou células iPS. Essas células, reprogramadas a partir de células somáticas (da pele, do sangue, do dente e etc.) do próprio individuo, podem se especializar em diversos tipos celulares. A partir das células iPS, pode-se então criar quantidades infinitas de neurônios dopaminérgicos do próprio paciente para um eventual transplante na região exata do cérebro humano.
Existem evidências cientificas e clínicas de que essa idéia deva funcionar. No passado, esse tipo de estratégia foi realizada utilizando-se células neuronais de fetos abortados. A dificuldade logística, somando-se ao número finito de neurônios dopaminérgicos funcionais que podiam ser extraídos desse material, não permitiu que o procedimento fosse aplicado em muitos pacientes.
Mas os poucos que receberam as células, tiveram resultados positivos. Testes em roedores com uma forma induzida de Parkinson, foram capazes de curar os tremores e restaurar os movimentos. Testes em animais de grande porte, como macacos, foram apresentados essa semana durante o congresso anual da sociedade internacional de células-tronco (ISSCR).
Nesse modelo será possível acompanhar os animais por diversos anos para ter certeza da eficácia do transplante. Esses estudos são essenciais para que os órgãos regulamentadores, como o FDA (Food and Drug Administration) americano, reconheçam e aprovem a tecnologia para uso clinico.
Enquanto os experimentos pré-clínicos estão em andamento, grupos no Japão e na Califórnia já se mobilizam para começar os primeiros ensaios em humanos, a serem realizados em clinicas alpha. Esses estudos pioneiros serão devidamente controlados e oferecidos sem custo aos voluntários. Acredito que o mal de Parkinson seja a condição ideal para testarmos a validade da medicina regenerativa na área neurológica. É sempre melhor apostar sabendo das suas chances de sucesso.
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