O conceito “autismo” vem se modificando com os anos, é um alvo em movimento. Já não representa o mesmo que era há alguns anos. A abrangência do autismo serve a propósitos diferentes e até como ferramenta politica. Por exemplo, a democrata e candidata ao governo dos EUA, Hillary Clinton, lançou recentemente seu plano de ação para os autistas.

Diferentemente do que acontecia no passado, o plano agora foca a oferta de serviços, principalmente para a população adulta, negligenciada por muito tempo, através de escolas e trabalhos que sejam mais acessíveis. Isso é ótimo, mas existe outra coisa que chama atenção. Não se fala abertamente em cura dos sintomas ou tratamento como se falava antes. Existe um contraste com planos propostos no passado, tanto pelos republicanos como democratas. É uma mudança radical de postura que não aconteceu com o mal de Parkinson, Alzheimer, câncer ou qualquer outra condição patológica humana. Para essas doenças, o tratamento ainda é o carro chefe.

A atitude de Hillary é influenciada pelo movimento da neurodiversidade. O único problema com esse movimento é que ele pode ser polarizador, principalmente no que diz respeito a prioridade de verbas públicas. A questão da neurodiversidade tem sido defendida principalmente por diversos autistas menos severos, que não percebem o autismo como algo completamente negativo e argumentam que a sociedade se beneficiaria ao celebrar mais essa inclusão. Até ai tudo bem, estamos de acordo. Mas o espectro autista não é só formado por eles. O espectro abrange também os casos mais severos, muitos não verbais e incapazes de se manifestar, seja pela fala, seja pelo voto. Para esse outro polo autista, a independência do autismo é prioridade. A busca dessa independência não deve jamais ser confundida com uma atitude eugenista, como pregam alguns extremistas.

Para ajudar os autistas mais severos, é preciso estudar a biologia do autismo e procurar formas de encontrar a cura dos sintomas, tratar ou reverter os efeitos mais corrosivos do autismo e buscar soluções para as co-morbidades do espectro, como problemas gastrointestinais ou risco de epilepsia, por exemplo. Para que isso aconteça, porém, é necessário um investimento significante e continuo em pesquisa fundamental para que se encontre perspectivas translacionais. Além disso, esse investimento deve cobrir os custos com ensaios clínicos, o que no autismo é sabidamente mais caro, justamente por causa da variabilidade clinica. Dá pra entender porque os mais radicais da neurodiversidade evitam falar em doença ou cura dos sintomas e levantam a bandeira da acessibilidade e inclusão a qualquer custo.

Num mundo ideal, com fontes de fomento grandes o suficiente, seriam feitos investimentos nas duas frentes: na inclusão e serviços, assim como na pesquisa e cura do autismo. O autismo nos faz pensar em adversidades e diversidade ao mesmo tempo. A dicotomia do mundo digital, somado a intolerância humana, são ingredientes perigosos demais e com o potencial de agravar ainda mais o discurso polarizado e radical. Mas sou otimista. É muito provável que no futuro o autismo como definição não exista mais e seja lembrado apenas como um conceito nebuloso, numa era pré-génetica personalizada. A estratificação genética dos casos de autismo irá, com toda certeza, ajudar a todos no espectro.