Naturalmente obcecados
Recentemente, uma das minhas alunas me perguntou como balancear a vida acadêmica com a vida pessoal. A pergunta faz sentido e me levou a uma reflexão. Por um momento, pensei o seguinte antes de responder.
Poucos sabem, mas cientistas da área biológica tornam-se quase que escravos voluntários do laboratório, principalmente pelo longo tempo que leva para concluir os experimentos. Cientistas fazem parte da classe que menos ganha por hora, justamente por causa desse elevado número de horas no trabalho. Durante o período no laboratório, as pessoas se transformam, a convivência cria amigos ao mesmo tempo que gera inimigos, limites físicos e mentais são colocados a teste, casamentos começam e acabam, bebês nascem, e no final do dia, um pouco do conhecimento sobre nosso universo é acrescentado. Esse nobre sentimento de contribuição para a humanidade, mistura-se com sentimentos menos nobres, como ego, orgulho e vaidade.
Sempre quando uso a palavra “medíocre”, alguns colegas se incomodam, pois assumem um tom pejorativo. Então, antes de continuar, deixo claro ao leitor que o uso de “medíocre” aqui se refere a média, a mediana, aonde a grande maioria se encontra. Portanto, a grande maioria dos cientistas são medíocres. Assim como a grande maioria dos médicos, dos políticos, etc. São medíocres porque suas ações individuais tem um baixo impacto, com uma contribuição pequena ao se comparado aos não-medíocres. Reconhecemos os cientistas medíocres porque estão, em geral, confortáveis. São eles os responsáveis pela maior parte do conhecimento gerado pela humanidade. São imprescindíveis para a ciência, mas caminham num ritmo lento, pois nunca deixam a ciência em primeiro plano.
Felizmente, para a humanidade, existe uma outra classe de cientista, quase uma subespécie rara. São aqueles naturalmente obcecados. Essa classe é movida por algo, inexplicável ainda, que se manifesta na busca incansável do saber. Não existe balanço na vida pessoal e profissional – tudo faz parte da mesma coisa, dentro e fora do laboratório. Os obcecados querem saber mais, sempre envolvidos com projetos grandiosos: Como um determinado gene funciona? Como o cérebro se organiza? Cada pequena conquista no conhecimento alivia a ansiedade momentaneamente. Em geral, começam a trabalhar cedo e terminam tarde. São conhecidos como ratos de laboratório. Trabalham compulsivamente e não conseguem parar até encontrar uma solução para o problema investigado.
Ao contrário dos cientistas medíocres, os obcecados não são equilibrados. A busca insana por grandes questões em ciência é arriscada. Muitas carreiras são prejudicadas pelo alto risco ou pela competição nesse ambiente, infelizmente. Mas a obsessão traz diversos benefícios para a humanidade, os chamados saltos do conhecimento, quando alguém descobre algo que altera a forma de pensarmos sobre um assunto especifico, mostrando um lado ainda não explorado. Dessa ciência heroica surgem insights que explicam determinado fenômeno, trazem a cura de doenças. Vale ressaltar que as descobertas dos obcecados são feitas, na maioria das vezes, baseando-se em fatos reportados pelos cientistas medíocres. Por isso mesmo, as duas categorias são da mesma importância e devem sempre coexistir.
De volta a realidade, respondi que o balanço entre a vida acadêmica e pessoal iria depender do tipo de cientista que você é, ou quer ser.