Blog do Cássio Barbosa

Por Cassio Barbosa, G1


Projetor do planetário do Parque Ibirapuera, em São Paulo — Foto: Prefeitura de São Paulo

Infelizmente essa não é uma história feliz. São Paulo conta com um belo planetário incrustado num local magnífico, o Parque do Ibirapuera. Inaugurado em janeiro de 1957, o Planetário Aristóteles Orsini foi o primeiro equipamento instalado na América Latina e o primeiro planetário de grande porte no Brasil.

O prédio do planetário em si é uma atração turística da cidade e é tombado pelos patrimônios estadual e municipal, além de cumprir seu papel de divulgar as ciências, em especial a astronomia. Para isso, ele precisou fechar em três períodos distintos para reformas estruturais e por precisar de mão de obra tão especializada, ficou inativo por vários anos. A principal reforma se deu em 2005, quando trocou seu projetor para um modelo muito mais moderno.

Em um planetário você pode contemplar o céu de qualquer lugar da Terra sem problemas de poluição luminosa, nuvens ou qualquer outro empecilho. Se o programa que simula o céu for mais moderno, pode até mostrar como seria o céu em qualquer lugar do universo conhecido, como é o caso do planetário do Ibirapuera.

Planetário Orsini Aristoteles Orsini, conhecido como Planetário do Ibirapuera — Foto: Marcelo D. Sants/Framephoto/Estadão Conteúdo

Além dele, a cidade de São Paulo conta ainda com outro no Parque do Carmo, com instalações muito mais modernas. Ele foi inaugurado em 2005 para ser fechado ao público em 2007 por problemas estruturais, permanecendo assim até 2016. Como se vê, ele passou mais tempo fechado do que funcionando.

Há um ano, mais ou menos, os planetários de São Paulo caíram em uma discussão sobre seu futuro. Lançados os planos da prefeitura da cidade de se terceirizar a administração dos parques públicos, vimos que os dois planetários entravam apenas como "ativos", ou seja, eles eram citados como um dispositivo gerador de renda, que o concessionário poderia usar para eventos que gerassem recursos. Depois de algum barulho e uma reunião com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, que administra os parques, ficou acertado que as atividades científicas dos dois planetários estariam garantidas.

Mas agora temos outro problema.

Na última sexta-feira (3), sem nenhuma explicação ou justificativa, o diretor Fernando Nascimento e o coordenador Otávio Dias foram demitidos através do Diário Oficial. Ficaram sabendo apenas ao consultarem o diário, sem nenhum aviso ou reunião. A situação pegou todo mundo de surpresa, principalmente a equipe que faz o atendimento ao público durante as sessões. Assim, sem ninguém para explicar o que estava acontecendo, decidiram parar suas atividades na tarde de sábado (4).

Só dessa maneira receberam alguma explicação da prefeitura, através da administração do parque que alegou readequação do pessoal. Após alguma negociação entre os funcionários e a chefia, as sessões do sábado voltaram a acontecer. Mas desde então o planetário permanece acéfalo, sem coordenador e diretor.

Isso tudo é um absurdo sem tamanho. A maior cidade do Brasil não tem um comando para seu planetário. Ele está em operação em situação de inércia, ou seja, no embalo do que já vinha sendo feito. Ainda que isso não seja problema numa situação crítica, isso é inaceitável quando você se toca que a situação não precisava chegar a esse ponto. Nascimento e Dias não são burocratas da prefeitura, pelo contrário, ambos têm formação acadêmica nas áreas de física e astronomia. Nascimento, inclusive, fez mestrado na USP, na mesma época em que eu fiz doutorado.

Além disso, no ano passado, ele procurou várias pessoas envolvidas com ciências e sua divulgação para ajudar a traçar um plano de médio a longo prazo de atividades para o planetário. Eu ajudei nesse processo e outros colegas astrônomos, jornalistas e blogueiros também contribuíram. As atividades não mais ficaram restritas às sessões de céu, mas também palestras e encontros entre entusiastas. Tudo isso sem nenhum gasto a mais, sem contratação de pessoal algum, apenas com o entusiasmo de quem quer ver os planetários realizarem sua função maior de ser um polo de difusão de conhecimento.

Mas tudo isso foi jogado fora, numa canetada. E isso é o que mais nos revolta, pois com todas as dificuldades, ele vinha sendo usado regularmente atraindo muitos visitantes durante os finais de semana. Numa ocasião, passeando pelo parque sem muita direção, passei em frente ao prédio do planetário uma hora antes da sessão e a fila era enorme. Havia gente alugando cadeiras e banquinhos para quem quisesse esperar sentado. O projeto estava dando certo, mesmo recebendo cerca de 2 milhões de reais por ano, enquanto a demanda era por algo em torno de 7 milhões, de acordo com o ex-diretor. Em 2018 o planetário, mesmo com suas dificuldades, recebeu 115 mil visitantes.

Até o momento em que escrevo o texto, o mais antigo planetário do Brasil permanecia sem direção ou coordenação e eu não acredito que isso se resolva tão cedo. Na verdade, nem sei se há interesse em se resolver a questão, uma vez que o parque como um todo está passando pelo processo de concessão que eu falei lá em cima. A prefeitura garante que as demissões não têm nada ver com esse assunto.

Enquanto isso, o planetário do Ibirapuera vai funcionando no embalo, sem direção. Uma reunião entre as partes envolvidas não resultou em nenhuma ação prática, muito menos na reversão das demissões que é a solução ideal. E não digo nada se as coisas piorarem. Subitamente pode surgir a informação de que uma peça do projetor se quebrou e, sem dinheiro para manutenção, a administração do parque resolver fechar o prédio por alguns meses dispensando o restante da equipe.

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