MOTOS

Por André Fogaça, g1


Tatiana Moura (esq.) e Bruna Baseggio (dir.) andam de moto desde cedo — Foto: g1

Em setembro, um levantamento feito pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) mostrou que o número de mulheres donas de motos praticamente dobrou nos últimos 20 anos.

São 34,2 milhões de motos na base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), das quais 28,4% têm mulheres como suas proprietárias.

Ainda que represente menos que um terço da frota, o número é 78,5% maior que o registrado em 2000. O público feminino era de apenas 15,9% dos proprietários de veículos de duas rodas.

Os números de habilitações também cresceram. As mulheres passaram de 6,04 milhões de habilitadas na categoria A ou AB para 9,8 milhões entre 2014 e 2024. Os dados de 2024 vão de janeiro a agosto, e podem já estar defasados.

Ainda que o número seja maior, velhos problemas persistem: são relatos de assédio, preconceito e agressividade no trânsito, vindos particularmente de homens. O g1 conversou com algumas delas e traz os relatos abaixo.

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'Você é solteira?'

Bruna Baseggio é proprietária da Juma Entregas. Por necessidade profissional, utilizou uma bicicleta dos 16 aos 18 anos. Quando chegou à maioridade, trocou o veículo por uma Honda Biz.

“Sempre fui apaixonada por motos. Com 17 anos eu ganhei uma Biz e aos 18 tirei minha CNH para fazer entrega de documentos em Rolim de Moura (RO). Depois de um tempo eu fui para a capital (Porto Velho) com minha irmã e passei a fazer as entregas por lá antes de criar minha empresa”, diz Baseggio.

A paixão por motos vem também da praticidade, já que as motos tendem a sair na frente dos carros no semáforo e agilizam o trajeto.

Desde o início, a Juma Entregas focou em qualquer trabalho que não fosse de alimentos. “Você precisa de mais cuidado, e algumas vezes a pessoa pede a comida, esquece que fez o pedido e vai dormir. Some e nem atende mais o telefone”, aponta.

Bruna Baseggio anda de moto desde cedo — Foto: Bruna Baseggio/arquivo pessoal

Em um meio dominado por homens, a empresa viu o número de mulheres na rua crescer durante a pandemia de Covid-19. Sua empresa passou por crescimento expressivo: de 400 entregas diárias, passou para 1 mil chamados.

“Nessa época, muitas mulheres se cadastraram para fazer entrega e encontraram outros meios para poder continuar recebendo o dinheiro, que não estava mais vindo”, diz a empresária.

“Eu até prefiro cadastrar uma mulher na empresa, por ser mais cuidadosa com as entregas e mais cautelosa na hora de pilotar. O crescimento é recente, dos últimos anos e eu vejo que as meninas acima de 35 anos começaram a pilotar com cada vez mais frequência, até preferindo o trabalho de entrega do que outras profissões”, comenta Bruna.

Mas, nas conversas com as entregadoras, notou que ainda há bastante evolução a seguir para que esse seja um mercado mais adequado às mulheres. Os relatos são de clientes que, depois de atendidos, mandaram mensagens às motociclistas com cantadas.

"A entregadora vai lá atender e geralmente a ela pega o telefone para ligar, confirmar dados ou endereço. Daí eles [os clientes] começam a mandar mensagem depois como 'oi, e aí, você é casada ou solteira?'", relatou Bruna.

'Preconceito muito grande'

“Nós, mulheres, sofremos um preconceito muito grande por sermos motociclistas”, comenta Tatiana Moura, profissional de relações públicas, começou nas duas rodas também cedo.

“Sinto muito isso, especialmente quando paro num semáforo, e tem dois ou três homens com suas motos. Eles sempre saem arrancando, e fazendo mais barulho com o motor, apenas para se exibir para a mulher na moto.”

Tatiana começou a guiar aos 18 anos, quando tirou sua CNH. Ela conta que passou bastante tempo com motos emprestadas de amigos, do meu irmão mais velho e do namorado. Tinha medo de acidentes nas grandes cidades.

Desde então, seu sonho é ter uma Harley-Davidson, e até hoje ela persegue esse objetivo.

Tatiana Moura com sua Yamaha Factor 150 — Foto: Tatiana Moura/arquivo pessoal

Hoje, o machismo aparece como desestimulante, e acontece independentemente do tamanho ou potência da motocicleta que está com o homem. Ela ainda aponta que nas cidades maiores, o problema do preconceito é maior. Comenta já ter levado cantada em semáforo e em vias de alta velocidade.

“Já teve um homem de moto que parou no semáforo, pediu pra abrir a viseira e viu que eu era mulher. A primeira coisa que ele pediu depois foi meu WhatsApp. É meio escroto, sabe?”, comenta.

“Os caras assediam muito. Não dá para entender o motivo, mas a diferença acontece justamente por ser mulher”, relataTatiana.

'Não dá para ser mansa'

Daniela Karasawa aponta que a questão dos sexos no trânsito é uma competição de forças contínua. “Na estrada, com carros maiores e caminhões, a situação é complicada. O motorista vê que é uma mulher na moto, com moto pequena, e joga a carreta pra cima”, aponta.

“Meu marido fala que sou outra pessoa quando estou dirigindo a moto, ele fala que sou muito brava. É bem isso, mas é mais por autodefesa. Não dá para ser mansa, delicada dirigindo uma moto”, comenta Daniela Beleze Karasawa.

A engenheira de dados e software conta que a moto surgiu na sua vida por acaso. “Em 1997 ou 1998, eu participei de um concurso em programa de TV e ganhei uma moto, uma C 100 Dream da Honda. Segui andando por muitos anos com ela”, explica.

Mas a falta de segurança fez Daniela rever seus planos, principalmente depois de virar mãe. Atualmente, ela pensa em deixar a moto como um segundo veículo, e deixar a pilotagem para dias de eventos.

“Eu tenho uma perspectiva de, assim que meu menino estiver maior, ter uma moto para fazer coisas do dia a dia e até levá-lo para escola”, comenta.

"Acho muito legal essa faixa azul em São Paulo. Ela agiliza o corredor e acaba, indiretamente, aliviando essa competição em alguns momentos", diz a engenheira.

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Todas vêm mais mulheres de moto

As entrevistadas notaram o maior número de mulheres andando de moto, apontado pelo Senatran no levantamento. Para Tatiana Moura, o crescimento é ainda mais visível no interior paulista, onde mora.

“Na capital (São Paulo) é muito raro ver uma mulher na moto, e esse cenário não vem mudando muito, mas, no interior, noto quase metade do público sendo feminino. Em São Paulo, sinto que as mulheres são só 10% do público”, aponta.

Daniela Karasawa concorda, principalmente pela ampliação de renda que permite as mulheres comprarem suas próprias motos.

“Mais mulheres me abordam pela tatuagem que tenho, de um pistão e uma biela no braço. Isso não acontecia anos atrás. De qualquer forma, a gente reconhece mais meninas na rua”, diz a engenheira Daniela.

A indústria, óbvio, também não deixou escapar essa tendência. A Honda, por exemplo, que detém 69% do mercado brasileiro de motos, prevê que o público de sua scooter Elite 125 seja composto por 60% de mulheres em todo o Brasil.

“A tendência destaca mudanças sociais e culturais, com foco em transporte, lazer e economia. Também reflete a praticidade do uso da motocicleta para deslocamento, como ferramenta de trabalho e o empoderamento feminino, que busca por mais autonomia”, comenta, Marcelo Boaroto, gerente do departamento da Experiência do Cliente da Yamaha.

A Yamaha não compartilhou o peso de cada gênero em suas motos, mas comentou que hoje existe um programa de capacitação de mulheres para o mundo das duas rodas, focando na mecânica dos veículos. O nome deste curso é Programa Mecânica Yamaha para Mulheres.

“Na primeira edição, foram mais de 800 participantes, em 68 concessionárias, em todo o país. Com isso, as motocicletas se sentem mais seguras e aptas a realizar verificações diárias de uso e desgaste, garantindo mais autonomia e confiança no acompanhamento das manutenções e serviços realizados nas concessionárias Yamaha.”, comenta Boaroto.

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