Valentino Rossi e Marc Marquez não usam ABS em moto na pista; saiba o motivo
Hoje a opinião geral sobre o sistema que impede as rodas de um veículo travarem em frenagem, mais conhecido por ABS (sigla de sistema antitravamento de freios, em inglês) é quase uma unanimidade. Os poucos que “torcem o nariz” para essa maravilha da tecnologia o fazem ou por desconhecimento de sua mais do que provada eficiência ou por conta do sobrepreço que tal equipamento acrescenta ao valor das motos.
A opção de se ter ou não ABS está, porém, com data marcada para terminar: a partir de 1º de janeiro de 2019 toda motocicleta vendida no Brasil com motor igual ou maior do que 300cc deverá obrigatóriamente ter freios ABS como noticiado no final de dezembro do ano passado.
A lógica que faz veículos, sejam eles motos, carros, caminhões ou até mesmo aviões – os primeiros a usar tal dispositivo – serem mais seguros se equipados com freios ABS é simples: manter os pneus girando no limiar do travamento para diminuir a velocidade reduz muito a distância de frenagem se comparado à esfregada de borracha no solo que rodas travadas provocam, assim como permitem ao condutor manter algum controle sobre o veículo. Na frenagem travada, ou seja, sem ABS, o desvio de trajetória ou derrapagem será o menor dos problemas já que em uma moto o travamento da roda dianteira significa invariavelmente um tombo.
VEJA COMO FUNCIONAM OS FREIOS ABS NAS MOTOS:
Um dado que incentiva o posicionamento dos que não consideram os freios ABS como fundamentais é o fato de que nas competições de alto nível tal componente não é usado, nem na MotoGP, nem na Fórmula 1. A consideração geral que flui da boca desses inimigos do ABS diz respeito à habilidade: se grandes pilotos como Valentino Rossi e Marc Marquez dispensam o sistema, o que impede nosso livre-arbítrio, nos julgarmos talentosos ou cuidadosos o suficiente para não precisarmos do sistema?
Tal ponto de vista rende grandes discussões, mas é importante frisar que o ABS não é usado na competição, especialmente nas motocicletas, por razões que vão bem além do óbvio talento que os grandes pilotos da MotoGP – ou de qualquer outra competição com motos no asfalto – devem ter.
PESO e TAMANHO
Por mais que os sistemas tenham perdido peso e dimensões externas, o ABS ainda representa um “fardo” pesado que nenhum projetista quer acrescentar à sua motocicleta. Seja ao preparar uma moto de normal venda ao público para uso em competição, seja ao projetar uma máquina específicamente para este fim, a reducão do peso ao limite regulamentar é sempre um alvo, assim como posicionar as massas de maneira ideal na motocicleta. Isso pode significar a diferença entre moto vencedora ou outra que ocupa as últimas posições na classificação.
As mais modernas unidades de controle de um sistema ABS pesam menos de 1 quilo, e a esse aparentemente mísero quilinho devem ser acresentado o peso de cabos elétricos, dutos e sensores, o que facilmente duplicará a cifra. E quanto ao posicionamento, por ser um elemento de controle eletrônico, não é conveniente situar a unidade de controle do ABS em partes baixas da moto, o que seria ideal.
Todavia, efetivamente não é peso ou tamanho que faz do ABS um equipamento cujo uso não é considerado em motos de competição, mas sim a própria ação dos pilotos na difícil arte de explorar o limite de suas motocicletas. Mesmo os mais evoluídos sistemas que impedem o travamento de rodas em frenagem não conseguiram eliminar 100% de uma característica do ABS que passa praticamente despercebida da maioria dos usuários, mas que atrapalha muito quem busca o limite: o ABS não favorece frear forte e ao mesmo tempo inclinar a motocicleta em busca do ponto de tangência da curva.
Frear em curva não pode? Poder, pode, mas com graaande suavidade! Freio dianteiro quase nada, já o traseiro às vezes até serve para o que se chama de “fechar a trajetória”, técnica aliás recomendável em certas situações mas que merece uma explicação que fica para outra coluna. Aqui o assunto é o ABS e esse praticamente impede que um piloto mergulhe de maneira radical para dentro da curva ainda com os freios pinçados, o que é corriqueiro em competição.
Outro aspecto negativo vem da menor sensibilidade que os comandos do freio de uma motocicleta dotada de ABS oferecem ao seu piloto. A existência de uma válvula de alívio da pressão exercida nos comandos, que em síntese é o que evita a roda travar, estabelece uma espécie de barreira ou “filtro” entre os dedos do piloto e a frenagem, fator este que não é apreciado por quem busca o limite e, sobretudo, tem sensibilidade e habilidade superior.
Pioneira em equipar motocicletas com freios ABS, com a K 100 LT, em 1988, a marca alemã BMW equipa todas suas motos com o sistema, entre elas sua furiosa superesportiva de altissima performance, a S 1000 RR. Tal moto exige bem pouca preparação para participar de competições de alto nível uma vez que vem praticamente pronta para uso em pista.
Dona de sofisticada eletrônica embarcada, a S 1000 RR permite ao seu usuário escolher entre diversas configurações de comportamento de motor, suspensões e… freios! Selecionando o modo “Slick” através de botão no painel, nome que não à tôa alude aos pneus de competição, o sistema ABS é simplesmente desligado, favorecendo a tocada radical que mencionamos. No extremo oposto está o modo “Rain”, chuva em inglês, opção na qual o ABS não só atua como o faz de maneira bem mais intensa.
A Honda também introduziu um sofisticado sistema de frenagem antitravamento em sua família de motos superesportivas, entre as quais as mais notórias são a CBR 1000 RR Fireblade e a CBR 600 RR. Nelas o software de controle do ABS não leva apenas em consideração a iminência do travamento captada por sensores mas também age no sentido de distribuir poder frenante em ambas rodas e com diferente percentual de acordo com parâmetros capturados por outros sensores que não os de rotação instalados nas rodas. Um complexo mix de “notícias” sobre o ângulo de inclinação da moto, abertura do acelerador, marcha engatada e muito mais – além da óbvia ação do piloto na alavanca e/ou pedal de freio – é que determinará a ação de servomotores que enviarão a pressão hidráulica a la carte às pincas de freio dianteiras e à traseira.
Quem pilota estas supermotocicletas com estes freios ABS de última geração precisa ser efetivamente um superpiloto para perceber a atuação desses sistema e, principalmente, ter condição de considerar que ele atrapalha a pilotagem, ou seja, induz a tempos de volta maiores do que aqueles que seriam possíveis no caso da motocicleta não ter o sistema ABS. Mas aí, caros amigos, frisamos o termo “SUPERPILOTO” usado linhas atrás: quem usar uma dessas máquinas apenas para, de vez em quando, participar de um “track day” ou de um passeio veloz em estradas abertas ao tráfego normal fará uma opção excelente e muito mais segura se optar por ter o ABS do que não tê-lo. Humildade que certamente se reverterá e segurança indiscutível sob todos os pontos de vista…
FOTOS: Divulgação / REUTERS/Max Rossi / BMW