Salão de Milão: a moda e as motos
Ah, Milão! Chique, elegante, apressada e especialmente cinzenta nestes dias de outono. A São Paulo italiana, centro financeiro e industrial do país, amanhece encapada por uma espessa neblina que não consegue de jeito nenhum esconder sua conhecida vocação. A de ditadora de tendências do mundo da moda. Mas a moda, no caso, não é a vista no quadrilátero formado por Via della Spiga, Manzoni, Montenapoleone e Corso Venezia. Em vez dos pretinhos nada básicos, de estampas elaboradas, cortes arrojados ou tecidos preciosos, nesta semana são as motocicletas que usam Milão como rampa de lançamento de tendências.
No Eicma, nome oficial do Salão de Milão – principal mostra da indústria da moto mundial – os estandes das principais marcas do planeta imitam as vitrines chiques do centro. Como sempre, boa apresentação é meio caminho andado, e o pavilhão de exposições de arquitetura futurista projetado por Massimilano Fuksas é embalagem mais do que apropriada para a exposição da “moda-moto 2016”.
Os principais lançamentos? Você já sabe quais foram: o G1 vem mostrando desde segunda, véspera da abertura do salão, fotos e vídeos das novidades mais fortes (veja a cobertura completa). Agora cabe analisar cada uma das tendências vistas nesta importante mostra.
Palavra da moda: Scrambler
Se você ainda não ouviu esta palavra, está por fora. Milão 2016 sacramentou que aplicar o nome Scrambler em uma moto produz efeito. Ele remete a modelos do passado, motos com pegada multiuso, boas para asfalto e para escapadinhas na terra.
O resgate começou com a Ducati, no ano passado, Um mês atrás veio a Triumph, com sua Bonneville com kit "Scrambler" opcional. Agora, é a vez da BMW mostrar sua receita de Scrambler, usando para tal sua já charmosa R nineT. Escape? Alto, sobre pneus bem esculpidos. Guidão largo, ar de simplicidade completam a "fórmula". São motos essenciais, mas nada simplificadas. Juntam tecnologia moderna com visual conservador, ou quase isso. É uma tendência de longo prazo.
Atitude da moda: agressividade
O que dizer da MT-10, a Yamaha R1 travestida de naked (sem carenagens), que parece ter fugido de uma história em quadrinhos estilo Mangá? Que ela chegou tarde, mas muito bem: lembrem-se que há bons anos a Kawasaki, com suas Z750 (depois Z800, depois Z1000), mostrou o “caminho das pedras”.
São motos para serem domadas, cujo fãs não querem saber de frescuras como carenagem, bolha parabrisa, mas sim sentir a fúria do vento chicoteando o corpo em acelerações insanas. Moto para macho, mesmo. Neste mesmo tom, a italiana MV Agusta trouxe sua renovada Brutale 800, mas não há dúvidas de que, na categoria, a maior das motos da família MT da Yamaha foi a mais admirada.
Moda para 'copiar': maxitrail
Todos querem o trono da BMW R 1200 GS. A maxitrail alemã é unanimidade: moto mais vendida do catálogo da marca de Munique e inalcançável pelas concorrentes. Marcas gigantescas, como a líder mundial Honda, ou “premium”, como a italiana Ducati, tentam, em Milão, mais um ataque à rainha.
A Honda desencavou o nome Africa Twin e fez ver a definitiva versão de sua maxitrail para tentar desbancar a R 1200 GS. Tecnologia nipônica contra a sisuda tradição bávara: com um motor de desenho exótico, o bicilindro boxer, esconde um "know-how" atualíssimo e eficaz. Conseguirá esta nova Africa Twin, ao trocar o antigo motor V2 dos anos 1990 por um bicilindro paralelo, incomodar a alemã? Veremos.
Quanto à Ducati, a receita não foi inovar, mas aproximar. Sua Multistrada ganha uma versão com Enduro no nome, e agora tem roda aro 19 na dianteira, como as R 1200 GS, motor mais longe do solo e pegada um tiquinho mais off-road. Ainda tem cara de Ducati, com DNA “rosso corse”, mas está mais pertinho das areias do Atacama do que do asfalto das subidinhas de montanha lisas como tapete. Ou seja, uma Multistrada mais Adventure, com as R 1200 GS casca-grossa.
Moda para 'todos': as 300 de grife
Semana passada o mundo viu a versão definitiva da BMW G 310 R. Monocilíndrica, mas nada chocha. Moderna, mas não exagerada. Básica, mas não pobre. É a entrada da marca alemã em um segmento no qual, como comentei na coluna anterior, se destina a fazer números pesados, e crescer em 50% as vendas.
Quem veio atrás deste mesmo cliente? Ora, vejam vocês, a Ducati (leia-se Audi, dona da marca), com sua Scrambler 62, uma 390 cc que apesar de bicilindrica mira um cliente semelhante e, claro, angariar mais clientes. E mais jovens.
Como as BMW, as Ducati eram motos fora do alcance para jovens duros ou semiduros, gente que não pode se permitir grandes motos, pois mesada e salário de primeiro emprego não têm gordura. Quem sabe com estas 300 o sonho de uns – clientes – e de outros – fabricantes – se concretize?
Para a democratização da moto de grife acontecer, de fato, elas não podem custar mais de R$ 20 mil quando chegarem ao Brasil - como prometido.
Versalidade da moda: scooters
A Honda mostrou o pau, mas não matou a cobra: seu scooter-conceito ADV, com pneus mistos e pegada de trail pode vir a ser fabricado muito em breve. Lembrando, um ano atrás a marca apresentou a Africa Twin como “conceito”, aqui mesmo em Milão e, agora, trouxe a versão definitiva.
Este scooter-conceito quase que certamente repetirá este processo, pois tem cara de produto em fase de industrialização, e não de estudo.
Um scooter para andar em estradas ruins é algo inédito? Não. Lembra do Yamaha BW, um cinquentinha (ou 90 cc, em alguns mercados) que tinha pneus balão e mandava bem quando o asfalto sumia? O que a Honda propõe agora é, claro, algo de bem mais elaborado. Motorzão, dois freios a disco na dianteira mas, convenhamos, o “conceito” é dar um scooter a quem não quer escolher muito os caminhos, e capturar quem pretende unir a praticidade do scooters a versatilidade das trail. Outras marcas seguirão estas pegadas.
Fora de moda: motos elétricas
Onde estão as motos elétricas dos grandes fabricantes? Em Milão, ninguém pôs pilha no segmento, literalmente. A única marca realmente poderosa a investir em fonte de energia elétrica em duas rodas ainda é a BMW, com seu scooter C Evolution. Lançado em meados de 2014, ele ainda não tem nenhum rival.
Honda e Yamaha, donas da fatia mais grossa do mercado mundial, não parecem crer que baterias podem ocupar o lugar de tanques de combustível, ainda. Culpa de quem? Do custo de produção elevado, e do consequente preço salgado, fora a baixa autonomia. Acabou a carga? Espere…
Há ainda certa insensibilidade de governantes que não dão o devido valor à "zero emissão" (de poluentes), deixando de isentar esses veículos e impostos, taxas ou o que for. Se, nos carros, o elétrico parece ser algo viável e os híbridos – mescla de motores a combustão interna com elétricos – são realidade, no mundo das motos esta moda ainda não pegou de fato, por impossibilidade técnica (dos híbridos) ou inviabilidade comercial pelo malvado binômio alto preço/baixas vendas do interesante BMW C Evolution. Sozinho no mercado como um como um papagaio na Islândia.
Conclusão
À exceção de elétricas, a “moda-moto 2016” traz um pouco de tudo. Grandes, pequenas, largas e baixas, simples e complicadas. As "custom", tão em voga em anos anteriores, parecem ter atingido seu patamar de estabilização e nada de efetivamente poderoso foi visto neste salão. E, então, de tudo isso que Milão mostrou, o que você achou mais “a sua cara?”. Qual a tendência que mais agrada você? Conte tudo…
Fotos: Rafael Miotto/G1