Asfalto precário é risco para motos no Brasil: veja dicas de 'sobrevivência'
A qualidade da pavimentação no Brasil é das piores. Quem sofre muito com isso é o motociclista, obrigado a colocar toda sua habilidade (e sorte) em ação a cada trajeto que faz.
Seja nas rodovias ou nas avenidas e ruas de cidades gigantescas como as de São Paulo ou do Rio de Janeiro, piso perfeito é algo raro. Quando isso acontece, a qualidade do chão em que nossos pneus rodam dura pouco. Falta de manutenção é um aspecto, mas há, principalmente, um grande descaso das concessionárias de serviços como luz, gás, agua e esgoto, cujas obras e consequentes remendos compromentem a pavimentação.
Uma semana e cerca de 1.000 km rodando de motocicleta na Espanha e Itália recentemente renovaram a minha certeza de que estes países, mesmo não tendo ruas e estradas impecavelmente pavimentadas como as que em que já rodei na Suíça e Alemanha, por exemplo, tornam o ato de conduzir uma motocicleta algo infinitamente mais seguro do que fazer o mesmo no Brasil.
Enquanto ninguém se conscientiza sobre a barbaridade que representa não cuidar da pavimntação e ainda por cima “enfeitá-la” com armadilhas, veja 5 dicas práticas sobre como enfrentar problemas previstos e imprevistos:
1) LOMBADAS/VALETAS
Velocidade moderada, sempre. Porém, algumas vezes lombadas e valetas são mal sinalizadas e, quando as percebemos, estão a poucos metros. O que fazer? Frear ao máximo, claro, mas sem cometer o erro de desequilibrar a motocicleta. É fundamental entrar na valeta ou lombada com a moto perpendicular e soltar os freios totalmente para superar o obstáculo. Assumir uma postura recuada de pilotagem, como a de um piloto de motocross saltando, também é importante. Certamente você já viu isso ao vivo, em video ou foto: tente reproduzir tal postura. A idéia é aliviar o peso da roda dianteira, deslocando o corpo para trás ao máximo, de preferência sem encostar no banco da moto, deixando como únicos pontos de contato as mãos e pés.
2) BURACOS
A pior maneira de encarar em um buraco de moto é freando: com o peso transferido à frente pelo efeito da desaceleração a chance de entortar ou até mesmo quebrar sua roda dianteira e danificar o pneu irremediávelmente é gigante. Se der tempo, ao ver o buraco e se concientizar que não há tempo para reduzir a velocidade suficientemente, é melhor acelerar. A técnica explicada acima, de deslocar o corpo para trás, também é fundamental nesse caso, e a ideia é fazer a roda dianteira passar pelo buraco praticamente sem peso. Se a frente passar bem, o impacto sobrará para a roda traseira, sempre mais robusta, e que não tenderá a desequilibrar a moto causando uma eventual perda de controle.
3) FAIXAS DE SINALIZAÇÃO
Fuja delas. Tanto as que delimitam as pistas de rolamento de uma rodovia quanto as transversais, que indicam a contenção antes de semáforos, ou as faixas de pedestres, tendem a ter uma aderência menor do que o asfalto inclusive quando secas. Molhadas, então, são como azulejos. Em estrada evite que sua trajetória em curva, com moto inclinada, faça seus pneus “pisarem” sobre elas.
Se for inevitável, passe sobre as faixas com a moto o mais neutra possível, pouco inclinada e sem aceleração. Na cidade, seja rodando no chamado corredor, seja ao se aproximar de um cruzamento, evite frear ou reacelerar de maneira brutal com os pneus sobre as partes brancas do asfalto.
4) TACHÕES/OLHOS DE GATO
Os primeiros em geral são altos e têm ângulos vivos. Passar sobre eles com moto freada ou muito carregada significará quase sempre danificar roda e/ou pneu. Na impossibilidade de desviar dessa armadilha, vale a mesma tática indicada para encarar buracos, lombadas e valetas: deixar a frente da moto leve, acelerando, deslocando o corpo para trás e até mesmo dar aquela puxadinha no guidão para ajudar à roda a superar o obstáculo.
Já os olhos de gato, geralmente mais baixos, usados para delimitar as faixas de rolamentos de avenidas e estradas, não têm tanto poder de desequilibrar a motocicleta, mas, quando molhados, podem causar problemas. O melhor, sempre, é não passar por cima deles nem freando nem acelerando de maneira intensa, especialmente quando a pista estiver molhada.
5) REMENDOS/TAMPAS DE BUEIRO - Prestar atenção na coloração do asfalto é obrigatório, assim como nas malvadas tampas de bueiro e bocas de lobo. Geralmente, remendos são mais escuros do que o resto da pavimentação, e podem ter um índice de aderência diferente.
A melhor coisa é desviar das manchas no asfalto, tanto por conta desse aspecto da aderência diferenciada como pela razão que, em geral, remendos podem significar depressões e/ou calombos que podem desequilibrar sua moto. Quando for inevitável passar sobre o remendo ou boca de lobo – e quase sempre é – passe com a moto o menos inclinada possível e neutra, ou seja, sem acelerar e nem frear intensamente.
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Como pode melhorar
A maior qualidade do chão em 100% dos caminhos que percorri não me pareceu ser unicamente devida a menos buracos ou desníveis, mas também por conta de como os remendos são realizados. No Brasil ainda se quebra o asfalto, quando necessário, com britadeira ou até mesmo na base da picareta. Na Itália, presenciei um conserto no qual uma grande máquina com serra circular era usada para cortar a área degradada do asfalto a ser recapeada com exatidão, o que resultou em um serviço muito melhor.
Mas não foram apenas remendos caprichados e asfalto mais bem cuidado o que me deu uma grande sensação de segurança nesta semana ao guidão na Europa: a tinta usada na sinalização de solo não pareceu ter a péssima vocação de se tornar escorregadia ao primeiro sinal de chuva. O melhor de tudo foi mesmo não ter encarado nenhuma lombada estilo rampa de lançamento e nem tachões ou olhos de gato malvados, de altura e formatos incoerentes, que aqui no Brasil são comuns para delimitar faixas de rolamento das avenidas.
Certamente quem realiza lombadas fora de padrão ou aprova a instalação de protuberâncias exageradas na pista não anda de motocicleta e, portanto, não sabe o que significa encarar obstáculos deste tipo em um veículo de duas rodas. Entendo que o sistema viário das grandes cidades exige artefatos que obriguem a redução de velocidade e delimitem espaços, mas uma boa olhada nas soluções usadas em uma cidade muito movimentada como Roma, por exemplo (foto abaixo), poderia servir de excelente exemplo aos prefeitos das cidades do Brasil onde a motocicleta é artigo de primeira necessidade.
Elementos de delimitação/demarcação não necessitam ser obrigatóriamente altos e protuberantes para serem eficazes. Modelos que afetam o equilíbrio e possam causar dano aos pneus e rodas das motocicletas deveriam ser banidos. Todavia, o que se vê no Brasil é o descaso, e um forte desequilíbrio entre o investimento dedicado a punição eletrônica, radares fixos e móveis cada vez mais numerosos, e a manutenção e uniformidade da pavimentação sendo colocada em segundo plano.
A prioridade deve ser sempre a segurança: consequentemente, cuidar para que todos os veículos tenham condições de dirigibilidade plena significa oferecer um chão decente, coisa que infelizmente não se vê atualmente.
Fotos (na ordem em que aparecem):
(1) Falta de sinalização em lombada em São Vicente, SP (Reprodução/TV Tribuna)
(2) Faixa de pedestres (Jean Marcel Giglio/TEM Você)
(3) Tachões (Cláudio Nascimento/TV TEM)
(4 e 5) Trânsito em Roma (Roberto Agresti/G1)