Aconteceu: eu caí de moto! Em uma fração de segundo, o ponto de vista que eu tinha do mundo ficou igual ao de um cachorro bassê, rasteiro.

Naquela humilhante situação, o pouco tempo que passei deitado no asfalto foi suficiente para gravar na minha mente detalhes que jamais esquecerei, como a ameaçadora proximidade de minha cabeça com a roda de um carro e as palavras do rapaz da van ao lado me perguntando: “E aí, tudo bem?”.

Tudo? Tudo, felizmente! Ainda esparramado na avenida, percebi com o canto do olho o que tinha me levado à aquela constrangedora situação: um brutal desnível entre as duas pistas, uma irresponsável emenda mal feita entre o concreto de uma pista e o asfalto de outra.

No azar, dei mesmo é muita sorte. Explico: a queda aconteceu quando trafegava no corredor, entre carros parados aguardando a abertura do sinal. Não foi simplesmente passar sobre a irregularidade no piso o que me levou ao solo, mas sim fazer isso freando de leve. Seguia em uma fila indiana um grupinho de motos, a menos de 20 km/h, quando a moto à minha frente reduziu a velocidade. Bastou que eu encostasse os dedos no freio e… tchibum! Foi inevitável.

O “controle de danos” apontou para zero, ou quase. Cotovelo esquerdo doendo um pouco, idem para o pé que ficou preso. Para minha sorte, em vez de estar pilotando uma pesada 1200cc, vinha em um pacato (e leve) scooter Honda PCX. Precisou de pouca força para tirá-lo de cima de mim, e um pouco mais para levantá-lo do chão e seguir meu caminho.

Orgulho ferido? Sim, como o cotovelo, apesar da jaqueta ter protegido a articulação de um dano maior. Metros adiante, parei para olhar melhor o que este tombinho bobo causara ao scooter. Um pequeno arranhão na parte baixa da carenagem, o friso que contorna o parabrisa fora do lugar e só. Segui viagem, buscando em minha mente quando tinha sido a última vez que havia sofrido um acidente de moto.

O que me deu o privilégio de escrever sobre motos no G1? Em parte, muitos anos no lombo delas. A primeira vez nunca se esquece, e a minha foi aos 11 de idade, em um pátio sob a atenta vigilância de meu pai, onde rodei maravilhosos 5 minutos com um ciclomotor.

Depois desse dia, 45 anos atrás, guidões passaram a fazer parte indissociável de minha vida. Ao procurar na memória por outros tombos, achei poucos. Exceto os praticando fora-de-estrada (um a cada 100 metros, na média…), acidentes mesmo foram três.

O primeiro em 1984, o segundo em 1992 e este de agora. Todos sem grandes consequências. Nada mal para quem roda quase todo santo dia de moto, não é mesmo?

Como evitar
Qual o segredo desta excelente estatística, tendo em vista que na maior parte do tempo rodei na selvagem cidade de São Paulo?

A melhor resposta talvez seja o medo de me machucar e de machucar alguém, e de estragar as queridas motos que, por causa do meu maravilhoso ofício, quase nunca são minhas. “Medo” talvez seja uma palavra forte demais, o melhor seria usar “receio”, regido por um afiado instinto de preservação.

Para usar motocicletas diariamente há quase cinco décadas e ter esse histórico isento de episódios ruins é preciso algo mais que habilidade. Sempre digo que o que realmente conta para qualquer motociclista saudável é tentar estar concentrado 100% durante 100% do tempo.

O que mais? Responsabilidade, ter noção clara de limites. O limite individual determinado pela experiência ao guidão e com a moto que está sendo usada. E o limite do lugar: andar a 100 km/h em uma boa estrada é tranquilo, fazer isso em uma ruazinha de bairro é insano.

Permitam-me repetir: existem motociclistas irresponsáveis e existem motociclista experientes. Jamais motociclistas irresponsáveis e experientes. Se quiserem trocar “experientes” por “velhos”, fiquem à vontade. Dá na mesma.

Equipamentos
Sendo eu experiente (velho…), cuidadoso, receoso e concentrado, mesmo assim o acidente aconteceu! Por conta disso, vale registrar que a jaqueta que eu usava tinha as devidas e imprescindíveis proteções nos cotovelos e ombros, que o calçado era o apropriado, de cano alto, e que, lógico, minhas mãos vestiam luvas. Tudo isso e mais o capacete reduziram a quase nada as consequências do descaso público com a pavimentação, razão prioritária do meu tombo.

Relatar como o mau estado de conservação das ruas e estradas pode ser absurdamente perigoso para quem opta por veículos de duas rodas já foi tema de coluna publicada aqui. Porém, o mais importante é destacar que, como vimos, experiência e habilidade não são um passaporte para escapar de armadilhas do trânsito. Assim, além da pilotagem consciente e cuidadosa, é importante ter alguma sorte e, principalmente, rodar sempre bem equipado.

Diversos estudos sobre acidentes com motociclistas realizados tanto no Brasil como no exterior mostram que são os membros inferiores – pés, tornozelos e pernas – os mais suscetíveis a ferimentos, seguidos de perto pelos membros superiores, mãos, braços e ombros.

A estatística também revela que pior que um simples tombo, fruto de uma derrapagem ou momentânea perda de controle da motocicleta, é a colisão com outro veículo, poste, meio-fio ou guard-rail. É o tipo de acidente que resulta em piores consequências à integridade física dos motociclistas.

Corredores
Ao rodar entre carros parados de uma avenida congestionada, assumi o risco inerente à essa ação, discutível sob o ponto de vista da segurança. Mesmo em baixa velocidade, a queda poderia ter tido graves consequências em virtude da proximidade com obstáculos imóveis.

A discussão sobre se rodar ou não no corredor com motocicletas deve ser permitido é antiga e merece ampla discussão. Todavia, não é este o tema dessa coluna, mas sim o de relatar um episódio que pode levar alguns de vocês, colegas do guidão, a prestar mais atenção, equiparem-se melhor e principalmente a refletir sobre a fragilidade inerente de quem opta pelo fascinante mas inegavelmente arriscado veículo chamado motocicleta. 

Foto: Polícia Civil/Divulgação