Indígenas no velório de Bruno Pereira, no Grande Recife — Foto: Paulo Veras/g1
"Oh Bruno, oh meu irmão, cadê irmão meu, cadê meu irmão que não vem brincar mais eu...", foi o que se ouviu nos cânticos dos indígenas Xucuru nesta sexta-feira (24). Era o velório do indigenista Bruno Pereira, assassinado há duas semanas quando tentava cuidar do Brasil. Um Brasil que a maioria de nós não enxerga, com o qual não se conecta, mas o Brasil onde a fraternidade existe em sua manifestação mais inspiradora nestes tempos de normalização distópica.
E se já exigimos tanto da empatia, ao ponto de a banalizarmos, quero falar sobre fraternidade, para situar um país que não cuida. Não se cuida porque não constrói teias de semelhança, em direitos e acesos. Um Brasil que não cuida do seu futuro e de quem zela por ele. Não cuidamos de vidas imprescindíveis, deixamos que sejam assassinadas. Permitimos e até chancelamos que infâncias sejam constrangidas em espaços onde a proteção deveria ser vocação. Deixamos a porta da moral hipocritamente fechada na cara de uma criança que carrega outra criança no ventre depois de ser estuprada. É o nosso futuro coagido em uma audiência de justiça.
"O aborto é um procedimento médico. É uma necessidade de saúde que em momentos dramáticos da vida, as mulheres e as meninas precisam de médicos com coragem de cumprir o que devem fazer, que é cuidar. Precisamos de um judiciário que não atrapalhe. Essa menina vai chegar num serviço médico. Não precisamos de fanáticos. Ela precisa de tranquilidade e da nossa decência". A fala da antropóloga Débora Diniz durante a cobertura do Jornal das Dez, nesta semana, é um pedido de visita às consciências tão vulneráveis e falsos moralismos.
Fraternidade, na filosofia, está ligada a ideias de liberdade e igualdade. Um sentimento inerente à dignidade humana, mas tão ausente na formação da ética nacional do presente. Quando somos irmãos, e nos adversários, é quando a fraternidade existe e prevalece nas relações humanas e sociais. E isso é revolucionário. Divergimos, até competimos, mas nos respeitamos e nos convalescemos com o que se passa no outro, porque nos vemos nele.
Penso em Bruno Pereira, Dom Phillips, na criança que finalmente conseguiu ter seu direito a um aborto legal, e no Brasil que suas histórias desenham, para concluir: visualizarmos lutas comuns e sólidas é urgente. E como disse o Cacique Marcos Xucuru durante o velório do indigenista: "a luta dele continua, por cada um de nós". Que causa te move? Qual a sua luta? É apenas por você? Você tem irmãos?