Noite de Oscar

sex, 28/02/14
por Dodô Azevedo |
categoria Cinema, Cultura, Você

Cena do filme Ela, de Spike Jonze, que concorre ao Oscar de melhor roteiro original

 

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Aqui, neste post, a partir das 20h, este blog passa a comentar tudo sobre a noite dos Oscars.

Sabe papo de quem tá ali do teu lado com um balde de pipoca na mão?

A ideia é que juntos, ainda que pela tela do computador, tudo fica mais divertido.

 

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POSTADO às 02:09

E a grande vitoriosa da noite foi Ellen Degeneres. Revolucionou tudo com a ação de marketing que deu no selfie mais compartilhado da história, conduziu o espetáculo de modo a passar mais rapido do que nos anos anteriores. Contrato garantido no ano que vem.

MUITO obrigado a você que acompanhou aqui estas três, quatro horas de comentários aqui. Eu adorei.

Próxima parada, Cannes.

Você vem comigo, né?

 

 

POSTADO às 02:00

Deu 12 anos de escravidão. Ganhou mas não levou. Gravidade foi o grande vencedor da noite. Brad Pitt, branco, constrangedor em sua participação no filme, foi o primeiro a falar, antes de McQueen, o diretor negro. Óbvio. No fundo, e na superfície, é tudo negócio. E o Lobo de Wall Street é uma ópera que explica isso maravilhosamente. O filme do ano. Que explica tudo o que você viu comigo hoje.

POSTADO às 01:55

Matthew McConaughey. Mesma coisa da Lupita. Papel fácil prum ator. Leonardo Di Caprio não sair com estatueta é caso para o parlamento da Ucrânia.

POSTADO às 01:50

A impressão que se tem é se Leonardo Di Caprio nao ganhar a platéia levanta e vai embora.

POSTADO às 01:47

Meio mundo agora de olho na conta de twitter da @MiaFarrow .

POSTADO às 01:46

Estendo o tira-teima: Quero ver a Cate Blanchet fazendo uma escrava preta chicoteada

POSTADO às 01:36

Virou o jogo. Gravidade virou todo o tom da noite, preparada para consagrar 12 anos de escravidão. Alfonso Cuarón, o primeiro latino-americano a vencer melhor direção, sendo o menos latino americano que um diretor pode ser.

POSTADO às 01:35

Roteiraço, o de Ela. Inacreditavel Spike Jonze ter vencido. E conseguiu o que queria: empatou com a ex-esposa, Sofia Coppola, num filme que é clara resposta a Encontros e Desencontros, que explana a relação dos dois quando eram um casal e deu a ela também o Oscar de melhor roteiro original.

POSTADO às 01:33

O primeiro job de John Ridley, roteirista de 12 anos de escravidão, foi roterista do Fresh Prince of Bel Air. Pode ser que 12 anos fique com os prêmios principais e poucos, e Gravidade com o resto.

POSTADO às 01:18

Nos livramos do discurso do Bono.

POSTADO às 01:16

Trilhas muito fracas este ano. Todas. Mas é o sexto Oscar de Gravidade, o primeiro favorito ao Oscar, lembram?

 

POSTADO às 01:02

Momento máximo.

 

Viva Coutinho!

 

POSTADO às 00:55

Porque  que ficamos tão comovidos na hora do obituário? Porque nos enfiam na cabeça, o tempo todo, que são imortais.

 

POSTADO às 00:54

Agora, a homenagem a Eduardo Coutinho. Pera…

POSTADO às 00:39

Tira-teima definivo? Ver a Meryl Streep fazendo o papel da escrava negra chicoteada pelo homem branco.

POSTADO às 00:32

Melhor montagem sem Thelma Schoonmaker, ainda mais em Lobo de Wall Street, é campeonato de basquete sem o time americano. Mas é bacana o Oscar de montagem ir para o diretor do filme. Ah, gosto do trabalho de montagem de Alan Baumgarten, editor de A Trapaça, em Zombiland. Só.

POSTADO às 00:28

O fofógrafo do Terence Malick finalmente ganhou uma. E Roger Deakins, um dos melhores fotógrafos do mundo, bate o próprio recorde de derrotas.

POSTADO às 00:16

O prêmio pra Lupita é o primeiro sinal de que o vencedor da noite será mesmo 12 anos… – o papel e a atuação em si não são extraordinários não. É o tipo de papel bem fácil de atuar na verdade. Já vimos em novelas da Globo.

POSTADO às 00:13

Sally Hawkins, a irmã de Blue Jasmine: descobri-a no incrivel Happy-go-Lucky, do Mike Leigh. Dica de filme pra este fim de carnaval.

POSTADO às 00:09

Skip Lievsay é o soundmixer dos filmes dos irmãos Coen. Faz um trabalho incrivel em gravidade. Pouca gente reparou, mas metade do filme de Cuarón deve-se ao som.

 

POSTADO às 00:07

Tudo bem de novo.

 

Selfie Epic Win

 

POSTADO às 00:01

U2, melhor não comentar.

 

POSTADO às 23:54

E a Amy Adams tuitando na platéia?

POSTADO às 23:51

Outro que pouco barulho fez em Cannes foi A Grande Beleza. Mas o filme cresceu, acontece. Este blog trocaria todos os indicados este ano por Azul é a cor mais quente, vencedor da palma em 2o13.

POSTADO às 23:41

Estão ligados que esta que levantou o público com a cantoria é a esposa do Sargento Murtaugh de Máquina Mortífera, né? Sério.

POSTADO às 23:36

Kate Hudson nunca deixa nada em casa. Traz tudo o que tem.

POSTADO às 23:26

Karen O e sua canção de comercial de plano de saúde.

POSTADO às 23:21

Este clipe com os heróis do cinema (é o tema dos Oscars de hoje), tira todas as possibilidades de O Lobo de Wall Street, não?

POSTADO às 23:15

Frozen atingiu neste domingo um bilhão de bilheteria, tornando-se o segundo filme a faze-lo desde toy story 3. Merecido.

POSTADO às 23:12

Kim Novak no palco. Um corpo que cai, maior filme da história do cinema, foi indicado, na época, apenas para som e direção de arte.

POSTADO às 23:03

Uma verdade dita agora no palco: A garotada não sabe o que é a AIDS. Por isso, Clube de Compras Dallas vale.

 

POSTADO às 22:58

Michael Wilkison, figurinista de A trapaça, trabalhou com Walter Salles em Água Negra. Era o favorito e perdeu. Tô dizendo que trapaça vai ser o grande perdedor desta noite.

POSTADO às 22:53

Insistindo nesse chapéu e nesse gestual, o onipresente Pharell  reduz-se a a um Jamiroquai reboot. A música é bem boa, porém. Inofensiva, mas boa.

 

 

POSTADO às 22:46

Ponto pra Jared Leto. Valeu também pela primeira menção à política. Sóbria, embora o “estamos de olho”, dirigido à Venezuela e Ucrânia tenha soado, no fim das contas um tanto imperialista.

 

POSTADO às 22:43

Trapaça perdeu a primeira. Jared Leto superestimado. Filme superestimando. Mas tudo esperado.

POSTADO às 22:40

Ellen, de banho tomado, fazendo um dos melhores monolólogos de abertura dos últimos anos. Primeiro acerto da noite. Golaço.

 

POSTADO às 22:25

Assisto a esse povo todo bem vestido no tapete vermelho e penso que falta o peladão que invadiu o palco ao vivo durante a cerimônia 1974, lembram? Google aí: David Niven + Oscar + The Streaker.

 

POSTADO às 22:19

Gravidade deveria concorrer a melhor desenho animado, não filme. Apenas os rostos de Sandra Bullock e George Clooney são de carne e osso. O resto é animação renderizada em gigabytes. Tudo o que ganhar será por seus primeiros 15 minutos de filme. Tudo o que perder será por seus contrangedores 15 minutos finais de filme

 

POSTADO às 22:04

E o Jonah Hill, que levou a Iídiche Mama para a cerimônia do Oscar? Hollywood é judia, todo mundo sabe, mas essa safra desencanada, maconheira, cujo padrinho é o Judd Appatow (diretor de Ligeiramente Grávidos e Virgem de 40 anos) e o mentor é o Harold Hamis (de Feitiço do Tempo) falecido semana passada, ah essa geração é um grande barato.

 

POSTADO às 21:59

Este blog, fã de Steeve Coogan, torce pra qualquer coisa que Philomena belisque.

 

POSTADO às 21:33

O importante aqui é relaxar, curtir a festa, porque o que sai das urnas é historicamente coisa de maluco. Exemplos?

- Taxi driver não ganhou nenhum Oscar. Scorsese sequer foi nomeado para melhor diretor, que naquele ano foi para John Avildsen, de… Rocky, um lutador.

- A grande ilusao, de Renoir, foi o primeiro filme estrangeiro a ser indicado para melhor filme. Perdeu para You Can’t Take it With You, do Capra.

- Spike Lee perdeu o roteiro original de Faça a Coisa Certa para Tom Schulman, de Sociedade dos poetas mortos.

- Stanley Kubrick foi indicado a melhor diretor por Laranja Mecânica… E PERDEU William Friedkin, de Operação França.

- Art Carney, ganhou, por Harry and Tonto (!), de Al Pacino em O Poderoso Chefão II e de Jack Nicholson em Chinatown.

- Cantando na chuva foi indicado apenas para melhor trilha a atriz coadjuvante. E PERDEU nas duas.

 

 

POSTADO às 21:22

Vi Nebraska em Cannes 2013. Não me pegou, não. Nem a ninguém na Croisette.

 

POSTADO às 21:12

David O. Russel conhecido no metiêr como péssimo caráter. Pitis onde ele humilha atores estão pelo youtube, só achar. Artisticamente, não tem personalidade alguma. Trapaça imita Scorsese – ele diz que homenagem e todo mundo finge que acredita. Porém, em Três Reis, ótimo filme, engendrou uma das cenas de abertura mais sensacionais da história do cinema. Mark Whalberg, caracterizado de soldado americano, no meio do deserto do Iraque, perguntando “Are we shooting?” é um ponto alto da história do cinema. Um dia vão ter que dar um Oscar póstumo a O. Russel por isso. Tomara que não hoje.

 

POSTADO às 21:06

E a grande tragédia deste Oscar são as indicações por Trapaça. Um dos piores filmes já indicadados para melhor filme em 84 anos de Oscar. Como o hype em torno dele já passou, deve ser o grande perdedor da noite.

 

POSTADO às 21:03

Her/Ela, o favorito particular do blogueiro. É, na minha opinião, um filme… otimista. Toda forma de amor vale à pena. Monogamia e amor romântico é atributo humano. Amar demais, amor difuso, coisa de máquinas. E sim, uma escancarada resposta de Spike Jonze a Sofia Copola, que expôs o relacionamento dos dois, quando casados, no filme Encontros e Desencontros.

 

POSTADO às 21:00

Já O Lobo de Wall Street é um triunfo do cinema. Há mais valor técnico ali (montagem, edição de som, fotografia), que o técnico Gravidade. Scorsese filmando com tesão de um estudante de cinema de 18 anos. Ou como um velhinho de 71 cheirado. É o favorito deste blog.

 

POSTADO às 20:58

Em Los Angeles, há cartazes publicitários a favor de 12 Anos de Escravidão que apelam para o que elegeu Obama: “Chegou a hora de um negro ganhar o Oscar” etc. O maior triunfo do filme é ser britânico. O maior defeito é ser britânico. Há uma mão pesada e formal e na verdade não nos conectamos com os personagens emocionalmente, e sim fisicamente. Não sentimos a dor da mãe que é separada de seus filhos. Sentimos é as chibatadas que elas levam. Culpa do diretor. Uma única cena genial, que valeria uma estatueta: A que o personagem principal para o filme, e chocado, olha para a câmera. Mas é uma só.

 

POSTADO às 20:52

Vencedores de melhor ator que NÃO eram brancos: José Ferrer, Sidney Poitier, Ben Kingsley, F. Murray Abraham, Denzel Washington, Jamie Foxx, Forest Whitaker. Em 85 anos. Por isso também, a noite deve ser de 12 anos de Escravidão.

POSTADO às 20:51

Nos últimos 10 anos, nenhum ator latino, asiático ou descendente de indio ganhou Oscar.

POSTADO às 20:50

Dos votantes da Academia, 94% são brancos, 77% são homens.

POSTADO às 20:48

Acho que foi hoje, inclusive, que  a Julie Delply, cujo “Antes da Meia Noite” concorre a roteiro adaptado (por causa de uma lógica maluca que diz que continuação é roteiro adaptado) deu uma descascada Academia, dizendo à Vanity Fair que não se pode esperar muito de um corpo de votantes composto de velhinhos de mais de 70 que estão mais interessados nos presentinhos distribuidos durante a campanha dos filmes.

POSTADO às 20:42

Estas limusines todas chegando e o primeiro a dar as caras no tapete vermelho é justamente um ex-motorista de limusine. O somali Barkhad Abdi, em seu primeiro trabalho como ator, indicado para coadjuvante por Capitão Philips. Difícil os velhinhos da academia, todos lotados de culpa, não curtirem premiar o africano.

 

 

POSTADO às 19:52

Repórter para Ellen Degeneres, faltando duas horas para começar a cerimônia dos Oscars, que ela vai apresentar.

- E aí? Nervosa? Conta pra gente o teu ritual antes de subir ao palco, principalmente numa noite tão importante!

- Gosto de tomar banho, me vestir e pentear o cabelo.

A noite promete.

 

 

Estações

ter, 18/02/14
por Dodô Azevedo |

Fachada de rua do Cinema do Grupo estação - Foto por Dodô Azevedo

Sendo direto: No próximo dia 3 de abril, o Rio de Janeiro saberá se o Grupo Estação, responsável pela formação cinéfila do carioca nos últimos 30 anos, irá pedir falência definitiva.

O carioca está acostumado a perder ou ver transformadas suas coisas mais cariocas. O Palácio Monroe, o Morro do Pasmado, o Jornal Última Hora, o Tivoli Park, O Circo Voador no Arpoador, a Feira de São Cristóvão, o antigo Maracanã.

Morreram de vez ou reiventaram-se.

Em comum, um espírito imortal.

Que uma grife de cinemas, sozinha, entre para este grupo, é inédito. E diz muito sobre ela.

Quem, nas redes sociais, nos botecos e nos blocos de pré-carnaval está consternado, não é tanto o profissional de cinema, não é tanto quem trabalho no ramo ou é do meio.

Quem mais sentirá falta do Grupo Estação é tudo quanto é carioca. Aquele cujo apetite para a sala escura não se sacia com essas aventuras milionárias hollywoodianas, ou comédias brasileiras televisivas, esses filmes grandes.

Aquele que lambe o beiços é com grandes filmes.

Nas redes sociais, quem lambe os beiços com grandes filmes já se mobiliza para evitar o fim do Grupo Estação. No Facebook já existe página de apoio. No perfil de Marcelo Mendes, à frente do grupo, são muitas as manifestações de solidariedade.

Marcelo respondeu com uma proposta, algo que se pode fazer já: que cada pessoa que tem alguma história com o Grupo Estação, lembre-se, escreva, publique.

As minhãs são muitas. Fui criado nos cinemas do Grupo Estação. Minha vida daria um filme passado dentro de um dos cinemas do Estação. Eu aos 16 anos afogado nos números de Peter Greenaway, aos 18 conhecendo o cinema de preto de Spike Lee, aos 20 encontrando minhas almas gêmeas, os personagens de Jim Jarmush, tão estranhos no paraíso quanto nós que nos vestíamos de preto na cidade do sol para dançar no Cubatão, conhecendo Cassavetes e entendendo que aquilo já não é mais cinema, latindo feito um cão para um tal jovem chamado Tarantino, gritando “Lulaaaa!”, com o coração selvagem de Nicholas Cage e David Lynch, descobrindo o silêncio restaurado de Antonioni e, enfim, já no século 21, assistindo ao renascimento definitivo do cinema brasileiro.

Posso dizer, convicto: sou os filmes que vi na vida.

Em seu filme recente, “O primeiro dia de um ano qualquer”, Domingos Oliveira, há uma cena, dentre tantas, particularmente bonita. O personagem de Domingos dorme durante um filme antigo numa pequena sala de cinema. E é esquecido lá. Ao acordar, comenta algo como se existe um lugar digno para um último repouso, é o cinema.

Não quero viver numa cidade onde uma loja da Apple abre com cariocas cantando “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” e no mês seguinte cinemas fecham.

Mas morrer, bem velhinho, dentro de uma sala de cinema do Grupo Estação, assistindo a qualquer filme que esteja passando por lá, seria morrer satisfeito.

Morrer de ver, ou reinventar-se; afogar-se em números ou permanecer perto do coração selvagem; o que temos hoje, de certo, como consumado, é que a história do Grupo Estação é filme grande e um grande filme.

Fim?

Morto no centro do Brasil

ter, 11/02/14
por Dodô Azevedo |

A tática Black Bloc, que aqui no Brasil, e só no Brasil, virou grupo, movimento, com página no Face (característica também não encontrada em nenhum outro lugar do mundo), é o Riocentro, o atentado sabotador, da rapaziada, dos milhões, que em junho foram às ruas.

O Riocentro falhou. O grupo brasileiro, e só brasileiro, que autodenominou-se Black Bloc (sim, a página no Face veio antes do batismo da imprensa), não.

Haverá Copa e não haverá mais manifestações com milhões na rua nesse 2014.

O ano político, o cotidiano nas ruas neste 2014, será pontuado apenas pela ação, a partir de agora definitivamente isolada, destes grupos bem pequenos.

O que aconteceu em junho foi bonito, muito bonito, um passo à frente em nossa democracia.

Gente, afinal, indo para a rua, cobrar.

Povo que cobra, foi no que nos tornamos em 2013.

Muito bonito. Mesmo.

Mas acabou.

O atentado do Riocentro desta vez deu certo.

Em sua página no Facebook, o grupo – ratificando, grupo sim – ostenta a famosa foto da “passeata do milhão”, que lotou a Av. Presidente Vargas, no Rio, no dia 20 de junho.

Como tivessem tido alguma responsabilidade em haver reunido tanta gente ali.

Não. Não foi o grupo Black Bloc que mobilizou o povo.

Digo isso porque eu estava lá. E postei tudo para ser visto aqui.

Nem fui eu, ou o Freixo, ou a Sininho, ou o Fora do Eixo, ou a imprensa, ou qualquer partido o responsável por tanta gente na rua.

Daí a beleza daquele dia.

A turma de preto, assim como tantas outras turmas, pegou carona na mobilização espontânea do povo, e o que fez naquela ocasião foi, ao entrar em confronto com uma polícia despreparada, desmobilizar aquele milhão de pessoas que estava na rua.

Aquele milhão, vocês lembram, o povo, vestia branco, inclusive.

E foi, e é até hoje, hostilizado por quem veste preto.

Por isso, sumiram das ruas.

Não é o fim do mundo, como os apocalípticos gralham nas ruas e nas redes sociais, morrendo de calor.

O Brasil está longe, muito longe, no bom sentido, de ser a Síria. De ser o Afeganistão. De ser a Nigéria. De ser a Ucrânia.

Policiais fizeram perícia no local onde o cinegrafista foi atingido (Foto: Marcos Arcoverde/Estadão Conteúdo)

Principalmente na contagem de mortos em confrontos políticos.

Nesta semana morreram 17 num ônibus no oriente médio.

Também morreu trabalhador que obrava no estádio da Copa em Manaus. Ontem morreu outro trabalhador. Estava a serviço no Rio de Janeiro, na Central do Brasil, Centro do Rio, Riocentro.

Aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock’n'roll, uns dias chove, noutros dias bate sol, mas o que eu quero lhe dizer é que a coisa aqui não tá preta.

Tá 50 tons de cinza.

Preta mesmo estava em 1964.

E para os amigos e familiares do colega Santiago vai aqui um abraço do tamanho da cidade, porque a gente vai se amando – também, sem um carinho ninguém segura esse, aquele, qualquer rojão.

Cariocas X Turistas

qui, 09/01/14
por Dodô Azevedo |
categoria Comportamento, Rio, Você

Rio de Janeiro, janeiro de 2014.

Fila de turistas para embarcar no bondinho do Pão de Açúcar - Foto por Dodô Azevedo

Há um fedor no ar. Repare. Um cheiro que não vem dos lixões nem dos esgotos desta cidade, que não é de ratos ou de mendigos. Não. É um cheiro que vem dos cemitérios da cidade do Rio de Janeiro. Todos eles. Fede o São João Batista, fede o Jardim da Saudade.

Um cheiro que, à noite, aumenta.

Venho por meio desta, constrangido, explicar o fenômeno.

É que trata-se do fedor dos defuntos cariocas revirando-se em seus túmulos.

Defunto doendo-se em suas tripas por desgosto.

Desgostos com seus compatriotas contemporâneos.

Os vivos.

Nós.

Porque há coisa de um, dois meses, os cariocas, de fama tão cordial e estusiasmada, se tornaram nos piores anfitriões do planeta.

Sim, o carioca declarou guerra aos turistas.

Principalmente com o turista brasileiro, de fora da cidade.

Começou assim, em cometários en passant de bar do tipo: “Que saco, Carnaval tá chegando aí, os blocos da cidade vão lotar mais uma vez de turistas. Como era bom ir ao desfile do Bangalafumenga antes desses caipiras invadirem a cidade!”

Sim, caipiras. Para o carioca século XXI, todo mundo que vem de fora virou caipira – “gente que não sabe passar protetor solar, nem se comportar na praia ou na noite da cidade.”

As moças cariocas, em dezembro, vaticinaram: “Praia? Só em abril! Eu vou é pra Trancoso. Não vou ficar em Ipanema dividindo lugar com meninas com pernas da cor de um palmito!”

Os taxistas também reclamam. “Nunca sabem o endereço de nada! Entram no táxi molhados de praia e pedem indicação de tudo: churrascaria, lugar bom pra jantar, lugar bom pra passear à noite…”

A polícia, seria surreal se não fosse óbvio, foi a primeira a perder a paciência de vez: “Os turistas estão muito desleixados. Vêm para o Rio de Janeiro e deixam a carteira no bolso de trás, como se estivessem no exterior.” – E aí o delegado do Leblon mandou cada turista se virar procurando seus pertences recuperados em caixas de papelão.

Que papelão.

O mercado imobiliário também contribiu para as tensões, emitindo boatos de que a bolha imobiliária carioca deve-se a turista brasileiro do interior, destes cheios de grana, dispostos a comprar tudo pelo preço que for, fazer o que os russos fizeram com Londres 10 anos atrás.

“É só reparar. Na hora do almoço eles se concentram nos Spolettos da cidade. Não querem gastar dinheiro nem arriscar-se na comida local! Desde que os turistas da cidade chegaram, a rede de restaurantes recolheu o potinho de manjericão grátis que ficava à nossa disposição, repare!”

O carioca delcarou guerra porque os turistas estão acabando com o manjericão do Spoletto.

Que manjericão.

Os defuntos, Antônio Maria, Leila Diniz, Rubem Braga, Clara Nunes, nossos avós, retorcem-se nas covas de desgosto conosco.

Se bem que, desde o tempo dos nossos avós, adoramos falar mal do “português da padaria”. Ele, o turista primordial, o que está desde 1500 acordando às 5 da manhã para colocar pão quentinho em nossas mesas.

“Com o calor, as famílias invadiram os shoppings! Na sessão de Até que a sorte nos separe II estava lotado de gente falando caipirês” – li em um comentário de notícia do G1 sobre esse calorão que tá aí.

“E os agroboys, gente? Na noite de réveillon fui ali na água molhar o pé e fui pega pelo braço, à força, por uns cinco, todos iguais, fortes, depilados, com grana no bolso e cabelo engomado! Só faltavam estar de sapato na praia!” – contou-me uma carioca pra lá e pra cá de bonita.

Os DJs da cidade também reclamam que os turistas ficam bêbados, incovenientes e passam a insistir para que “toque sertanejo universitário já”.

Enquanto isso, os turistas presos duas horas no meio da mata por falha no bondinho do Corcovado.

“Tá vendo? Sabia que o pichador da estátua do Drummond não era nascido no Rio de Janeiro! É mais um desses caipiras que vêm morar aqui!” – ouvi na sala de espera de um colsultório dentário enquanto passava o RJ TV.

E aí concluí – Aconteceu. Viramos os chatos insuportáveis dos parisienses.

E a fedentina das covas dos bons cariocas envergonhados com seus atuais representantes atenta as narinas.

Se achar melhor do que os outros sempre foi um dos charmes do carioca. Mas este se achar nunca foi pra valer – sempre foi mais um “quem desdenha, quer comprar” às avessas do que qualquer outra coisa.

Agora, tá tudo diferente. Se hoje você for a Buenos Aires, vai encontrar a cidade vazia de argentinos. Eles têm horror à invasão de brasileiros que se dá nesta época. Desde sempre, também no verão, os novaiorquinos vão embora de Nova Iorque. Os londrinos deixam a cidade para os espanhóis.

Este fenômeno nunca havia chegado ao Rio, o que tornava, para mim, carioca, uma cidade ainda mais única.

Agora chegou. Vou procurar um jazigo livre e me juntar aos protestos dos defuntos cariocas clássicos, os gente boa, sempre com um sorriso de “bem-vindos” nos olhos.

A você, meu caro, amado e bem-vindo turista, uma dica:

Não ligue para o que estes cariocas pensam não. Até porque o verdadeiro carioca, não espalha, mora lá longe e chacoalha num trem da central. E se você trocar a mureta da urca pela feijoada da Portela ou pelo Samba do Trabalhador, trocar Ipanema pelo Andaraí, você será recebido como você é: o admirador estrangeiro que nos faz, sempre nos fez, sentirmo-nos admiráveis.

Você, turista, é quem no fundo nos faz cariocas.

Dia Internacional da Ressaca

qua, 01/01/14
por Dodô Azevedo |
categoria Comportamento, Você

Rio de Janeiro, 01 de janeiro de 2014

 

Foto por Dodô Azevedo

Hoje é o Dia Internacional da Ressaca. Em todo o planeta, eu, você e todos nós bebemos na noite de ano novo. Muito. Exageramos. Todos. Os ricos, os pobres, os corruptos, os virtuosos, ateus e religiosos, casados e solteiros, adolescentes e de meia idade, todos bebemos muito.

A ressaca é esta pátria mãe que a todos acolhe. Embora odiada, negada, evitada, somos todos seus filhos a seus pés.

A seus pés. Ainda mais hoje. Em seu Dia Internacional.

Pausa para o Hino Internacional da Ressaca.

Shhhh, silêncio.

O Hino Internacional da Ressaca é extenso, com centenas de versos, todos queixosos, todos arrependidos. Mas a verdade é que nunca ninguém o ouviu. Com ressaca, não se aguenta ouvir nem canto de passarinho. Quanto mais hino. Por isso, o Hino Internacional da Ressaca é sempre tocado baixinho, Chet Baker, João Gilberto. Cantamos o Hino Internacional da Ressaca com a nobreza de quem serve a grandes damas.

Vocês, nós, os nobres súditos desta infalível senhora.

A ressaca enobrece o homem.

Ninguém diz “estou com uma ressaca terrível”, sem uma ponta de orgulho lá no fundo.

Diz-se “estou com uma ressaca terrível” com  um orgulho bélico, de quem foi à guerra e voltou vivo para contar a história.

Somos todos hoje, dia primeiro de janeiro, veteranos de guerra.

Medalha no peito, saco de gelo na cabeça.

E nobres. Pela nossa cabeça, hoje, só passam pensamentos nobres: “nunca mais bebo”, “juro que desta vez sossego”, “ano que vem só vou tomar chá verde”, “semana que vem vou marcar uma visita ao doutor”, “tenho que tomar vergonha na cara.”

De cama, desidratados, castigados pelo calor tropical, passamos o Dia Internacional da Ressaca planejando dias melhores.

Mentira. A ressaca de verdade, a ressaca que de fato, eleva o espírito mas não nos deixa planejar coisa alguma.

A ressaca de verdade, a ressaca vitoriosa e heróica, não nos deixa sequer pensar.

O raciocínio, afinal, é ferramenta exclusiva dos tempos de paz.

E vivemos todos, em época de reveillon, tempos de guerra.

Guerra conosco, com nossas frustações durante o ano que passou e expectativas para o ano que se inicia.

A função definitiva da ressaca. Nos fazer parar de pensar, esse veneno da alma. Nos pacificar por paralisia.

Há jeitos e jeitos de guardar respeito em dias de ressaca. Tomar uns remedinhos, trancar-se num quarto escuro e dormir é o mais desrespeitoso deles.

Ressaca é pra se sentir.

Há um aparelho eletrônico que ajuda muito na ressaca, porque passa a pensar por você, dá uma folga pra tua cabeça.

Chama-se televisão.

Ver televisão o dia inteiro, sem pensar em nada, bom remédio para a ressaca.

Pode-se, por exemplo, hoje só assistir filmes notórios por suas cenas de noite de reveillon. Harry & Sally finalmente se acertando no último segundo do ano de 1993.

Meg Ryan dizendo “Eu te odeio”, com a maior cara de “eu te amo”. – aula de marketing pessoal feminino.

Pode ser O Poderoso Chefão, Parte II, Michael dando um beijo na boca do irmão, Fredo, no último reveillon de Cuba antes da revolução comunista.

Al Pacino dizendo “você partiu meu coração” para o (grande) John Cazale. – uma aula de sexualidade.

Enquanto é o nosso fígado, e não o coração, que está partido.

O Dia Internacional da Ressaca é um oferecimento, é patrocinado, por ele, o Fígado.

Esse injustiçado benemérito da alma.

É recente essa história de que, para a medicina, o coração é o órgão mais importante do corpo.

Invenção da cristandade.

Embora São João da Cruz, interpretando Jeremias em “Lamentações”  e “Deuterônimo”, tenha afirmado “Mas o reino de Deus, se ele existe de fato, não está no coração, e sim no fígado.”

O Islã atribui ao fígado as paixões – provavelmente por conta do sabor amargo da bílis, e daí a palavra “amargura”.

Nas línguas do extremo oriente, várias expressões que significam “fígado”, também querem dizer “coragem”.

Na China antiga, era comum um gerreiro comer o fígado do vencido para absorver sua energia.

Os chineses ligam o fígado à cor verde – e verde é a cor da bílis. Também ligam o fígado, esse severo observador das nossas emoções, aos sabores ácidos.

A cor verde é ácida.

A acidez da vida faz mal o fígado.

A ressaca o educa.

Remédio bom, afinal, é remédio… amargo.

Então, se guerreiros ouvem os hinos de suas nações com a mão no coração, hoje é dia de levar a mão ao fígado e cantar o Hino Internacional da Ressaca.

Vamos lá,agora, todos juntos, começando pelo primeiro verso, o mais conhecido de todos os versos da história dos Hinos Nacionais, o mais imitado, o mais bonito.

Que, se não me engano, é assim:

“Shhhhhh…”

 

 

 

Noite Infeliz

ter, 24/12/13
por Dodô Azevedo |
categoria Comportamento, Você

Rio de Janeiro, dezembro de 2013.

Foto por Dodô Azevedo

 

Passei aqui para desejar a você um Infeliz Natal.

Sim. Infeliz.

Pro teu bem.

Como um presente.

Só se entende o conceito de amor se entender-se muito bem o conceito de dor.

Afinal, o que se aprende com noites felizes de Natal?

E o que é, no fim das contas, uma noite feliz de Natal?

Para uns, só e apenas um Xbox One novo, dado por Papai Noel, pode fazer esta noite de Natal ser supimpa. Já para quem está, por exemplo, doente, internado no hospital, receber alta na noite do dia 24 é felicidade invencível. Para os que moram debaixo da ponte, um prato de comida. Para um viciado em crack, mais uma dose. Para quem está brigado com a família, um aperto de mão e um abraço, mesmo que sem jeito. Para os que moram na Síria, o fim da guerra.

Uma noite feliz de Natal está radicalmente condicionada à realização de desejos. Dos mais nobres e impossíveis aos mais fúteis e consumistas passando pelos mais sem esperança. Não importa. O que importa aqui é: aprendemos algo em noites felizes de Natal?

Aprendemos algo quando realizamos algum desejo?

Ou aprendemos mais quando eles não se realizam?

Dá mais valor à ceia farta e à companhia da família quem já passou uma noite do dia 24 sozinho, comendo um pote de azeitona num apartamento de uma cidade estranha, porque trabalhou de extra numa loja de um shopping que só fechou às 22h da véspera de Natal?

A cada Natal, assistimos aumentar o número de confraternizações entre amigos: os do trabalho, os do tempo de faculdade, os do tempo de escola, os de infância. Tempo, tempo, tempo, tempo – diz-se. Dezembro é um parto (o Natal existe para comemorar justamente um parto de um sujeito incrível) – um mês a cada ano com a agenda mais lotada de felizes encontros de amigos.

Encontros que, ao contrário dos de família, nunca terminam nas famosas brigas de Natal.

Estariam os amigos substituindo a família? Provavelmente sim – somos preguiçosos. Se nos fosse ordenado por anjos, provavelmente não aceitaríamos de bom grado morrer na cruz para o bem do futuro da humanidade.

E além do mais, os grupos contemporâneos de amigos são, hoje, tão fiéis quanto a família.

O que é, acredite, a bela vitória do conceito de… família.

Nossa família anda cada vez maior. Por mais que desconfiemos, todos em volta estão virando família, este maravilhoso conceito de “sacrifício para estar junto”.

Uma família que não é mais necessariamente determinada pela ciência, pelo sangue – pelo conteúdo do cálice da última ceia, aquela, famosa, promovida pelo sujeito incrível cujo parto comemoramos na meia-noite do dia 25 de dezembro, esse mês-parto.

E, sim, determinada pela cruz.

Hoje, quem carrega a mesma cruz, repare, identifica-se um com o outro, simpatiza-se e, enfim, une-se.

A cruz, a tristeza e a solidão são, no fim das contas, afeto.

De novo: só se entende o conceito de amor se entender-se muito bem o conceito de dor.

Observe-se, mais uma vez, um parto. Mãe urra de dor. Grita de dor. Chora de dor. Expele um bebê. Levam até o colo da mãe o bebê. Neste momento a mãe, finalmente, entende que só agora sabe de fato o que é isso, o Amor.

“Só ganha quem perde”, e não “INRI”, era o que deveria estar escrito na plaquinha da cruz onde o sujeito incrível que nasceu no dia 25 de dezembro morreu insistindo que, apesar de tudo, nos amava a todos.

Desejo a você um Infeliz Natal. Pode não ser hoje, pode ter sido anos atrás, pode ainda acontecer, pode acontecer várias vezes, pode até acontecer mais na sua vida, em muito maior número, que natais felizes.

Pro seu bem.

Como um presente.

Há um doce dissabor até nas mais felizes das noites de Natal – aquelas com coral de crianças e sossego. Repare-se que o hino do Natal, “Noite Feliz”, tem a melodia mais triste do mundo. E a letra? “Pobrezinho, nasceu…” / “Dorme em paz ó…” – e conta uma história triste. A história do nascimento de alguém que sofreu muito para ter uma compreensão total do que é o Amor, essa palavra.

Bela história. Uma história que nunca chegou ao fim. Porque o sujeito morreu, ressuscitou e, dizem, está por aqui, a olhar por nós pecadores, tentando nos enfiar alguma coisa na cabeça.

Ou no coração.

Pro nosso bem.

Como um presente.

Histórias belas e tristes não têm fim. Terminam com reticências, estes três pontinhos que calam mais fundo porque em si não contêm respostas nem definições nem…

Desejo a você um Infeliz Natal.

Pro seu bem.

Como um presente.

Por que?

Porque eu te amo. Não importa quem você seja.

E que nunca ‘tudo se realize no ano que vai nascer’.

Que sempre falte a ti alguma coisa.

Escrevo isso, tenha fé,  porque te amo.

Eu te amo e se você topar carregar comigo esta linda cruz chamada vida…

 

Distorções

sex, 22/11/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, novembro de 2013.

 

Recebo em casa as 244 páginas da belíssima edição ampliada e revisada do livro “Niterói Rock Underground 1990-2010″, do jornalista Pedro de Luna.

Editado de forma independente, projeto gráfico destes raros de ver no mercado editorial brasileiro (lembra as coisas de John Barnett para a Voyageur Press), toneladas de fotos e reproduções de flyers, cartazes e fanzines de um tempo onde o ‘faça você mesmo’ era o natural da vida.

E, por isso, a vida era mais natural.

Ao lado dos livros “Esporro”, de Leonardo Panço, e “Memórias não póstumas de um punk”, de Larry Antha, “Niterói Rock Underground 1990-2010″ materializa um momento cultural muito rico, porque bruto e puro, que a grande mídia na época não cobriu.

Muito pelo contrário: jornalistas diziam que rock bom era o que vinha de fora.

Leonardo Panço, autor do “Esporro”, explica melhor aqui.

 

Produções independentes, estes três livros obrigatórios também corrigem outro cacoete que a grande mídia ainda hoje não perdeu: a de se ater apenas à cena musical da Zona Sul do Rio de Janeiro ao editar histórias sobre novas cenas culturais.

De quebra, ainda reabilita o balneário de São Sebastião como o maior, ou ao menos o mais bem documentado em livros, centro de rock de garagem do Brasil nos anos 90 – coisa que quem frequentou as garagens da Baixada Fluminense, e de Niterói, sempre soube.

Rio de Janeiro, túmulo do Rock? Só para quem não conhece a cidade além dos limites da Zona Sul ou não leu a incrível produção cultural desta gente bronzeada no século XXI.

Aos sábados à noite, os escombros mal iluminados da rua Ceará, na Zona Norte do Rio, ponto de encontro da garotada que até hoje curte rock menos domesticado, de paladar avesso à farofa, ficam mais lotados que o Baixo Gávea, na Zona Sul do Rio.

Ah, estes conceitos: iluminação, paladar, farofa, balneário, ‘faça você mesmo’.

Imagens:
1 – Capa do livro ‘Niterói Rock Underground 1990-2010′/Dodô Azevedo
2 e 3 – Fotos do livro ‘Esporro’/Divulgação

O último espanto

seg, 11/11/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, novembro de 2013.

 

 

O hoje nos espanta?

Já vimos e ouvimos de tudo nesta vida. Se amanhã um disco voador aparecer nos céus da cidade, não ficaremos tão espantados quanto esperávamos. Já vimos discos voadores o suficiente no cinema.

Violência braba já não nos comove também. A expressão “crime bárbaro” já não quer dizer muita coisa nas manchetes.

Adjetivos precisam ser gritados se quiserem causar impacto. O disco do Caetano não pode se chamar “Abraço”, tem que se chamar “Abraçaço”.

Hoje qualquer coisa é maravilhosa, incrível, genial.

Qualquer coisa é terrível, horrorosa.

Hoje, sinistro e bizarro são gírias.

Quando muito se tem, perde-se o gosto do objeto. Acostuma-se.

Sonha-se em comprar um apartamento de frente para o mar e dois anos depois enjoa-se da vista.

Todos os dias, aquela vista toda ali, disponível, sem que seja preciso fazer esforço, de graça.

Marilyn Monroe, aos 30 anos, podia ter todo o homem e mulher que quisesse. Casou com o Arthur Miller, intelectual 11 anos mais velho, 11 vezes mais feio que James Dean.

E se daqui a 11 anos alguém inventar o carro que voa, não ficaremos espantados. Faremos é fila nas concessionárias.

Quando inventarem o carro que voa, de tão acostumados com a ideia, afinal crescemos vendo os Jetsons, chamaremos o invento apenas de “carro”. O último “carro que voa”, o último espanto, foi inventado no final do século XIX. Era um negócio chamado toca-discos.

Um disco continha algo gravado. Um discurso, uma canção, uma ópera.

Mas algo gravado antes em algum lugar que não era ali, a sala de estar onde agora escutava-se o conteúdo.

Até então, ou nos 200 mil anos anteriores, quando se queria ouvir uma ópera, tinha-se que ir até o teatro, sentar-se a alguns metros dos músicos, tirar a cera dos ouvidos.

Com a invenção do disco, uma orquestra inteira tocava ali, na sala de estar. Na hora que bem se entendesse. Quantas vezes se quisesse.

Esse foi o último espanto, o último e verdadeiro susto que tomamos.

No último domingo aconteceu a VII feira de Discos de Vinil do Rio de Janeiro. Vendedores do Rio e de São Paulo reunidos, quase 30 mil álbuns à venda.

Muita gente de 17, 20 anos comprando suas primeiras bolachas.

Duas mil pessoas passaram pelas dependências do Instituto Bennett, no Flamengo, onde aconteceu o evento, duas vezes maior do que o do ano passado.

Ao contrário do que se costuma dizer, estas 2.000 pessoas não estavam lá por nostalgia ou por conta da qualidade de som do vinil.

Embora, quando se ouve um disco, ouve-se com atenção genuína, porque é algo que nos deu trabalho ter, que é algo que nós dá trabalho manter, que precisamos levantar-nos para trocar o lado B para o Lado A etc. E conseguir atenção genuína de alguém, hoje, é ouro.

Ao contrário do que se costuma dizer, estas 2.000 pessoas não estavam lá por causa da história da arte e do design do século XX exibidas nas voluptuosas capas de discos, enormes num mundo onde quanto menor e mais portátil o objeto, mais valor e utilidade ele tem.

Embora os álbuns sejam uma óbvia, porém, ainda útil metáfora da vida, dividida em lado A e lado B. Metáfora ainda mais útil se pensar que a vida é nem um lado nem outro, não é a parte que se pode tocar com a agulha do toca-discos, e sim o fino recheio espremido entre um um lado e outro. Coloque um disco de lado, observe a fina espessura dele. Estará contemplando a vida.

Mas não, estas 2.000 pessoas não estavam atrás de nada disso.

Estavam atrás de algo ainda mais maravilhoso, incrível, genial, terrível, horroroso, sinistro e bizarro.

Estavam todos é atrás do espanto perdido.

Foto: Dodô Azevedo

Lou Reed: Vida e Veludo

dom, 27/10/13
por Dodô Azevedo |
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Rio de Janeiro, outubro de 2013.

Lou Reed e Dodô Azevedo em São Paulo, 2010.

Por que se deve lamentar a morte de um artista?

Lou Reed foi líder de uma banda The Velvet Underground que, a partir de 1964, foi responsável pelo fim da cultura hippie, aquela que pregava paz, amor, e que tudo iria acabar bem.

Nada nesta vida acaba bem – é um bom resumo da extensa obra, das inúmeras e longas letras das canções que Lou Reed escreveu.

O Rio de Janeiro é famoso por seus cronistas: nos textos e observações dos mestres Rubem Braga e Antônio Maria, a cidade aparece graciosa, cheia de delicadezas e pessoas com boas intenções.

Lou Reed foi o cronista maior de Nova York. Falava de drogados, prostitutas, cafetões, travestis, traficantes, assassinatos, overdoses, sexo sadomasoquista, ressacas. Foi o primeiro a popularizar o tema. A informar ao mundo que nele existe uma bad vibe invencível, eterna. E que nada acaba bem.

Por que deveria-se então lamentar a morte deste artista?

“I’ll Be Your Mirror”, “Eu serei o seu espelho”, canção que explicita a profissão de fé de Lou Reed em não ser mais que o reflexo amplificado que a visão percebe, é um bom exemplo da imprescindibilidade das energias perversas para entender o universo dentro e fora de nós mesmos.

A física moderna ensina que um átomo é composto de partículas que se comportam de modo perverso, violento. A Terra, com seus continentes e mares, foi formada a partir de violentas e épicas convulsões tectônicas. Há sangue e suor e urros de dor na coisa mais maravilhosa que um ser humano é capaz de fazer: parir.

Tudo na vida, afinal, existe porque ela se resolveu, sempre se resolve, exercendo o seu lado selvagem.

“Walk on The Wild Side”, a canção mais famosa de Reed, título que veio da gíria “Take a Walk on The Wild side!/Faça uma loucura!” que os travestis usavam em Manhattan para persuadir os engravatados caretas que passavam nas ruas, está mais perto do coração selvagem do que o romance de estreia de Clarice Lispector.

Reed não era um desencantado como DostoiévskiEle celebrava a perversão humana, nos apontava a poesia contida nos defeitos, desatinos, dores, convulsões e violências da vida. E o fazia com calma e doçura.

Há calma e doçura na sordidez da vida.

As melodias e os arranjos que compunha para suas letras, sempre muito simples, dois, três acordes, sempre muito acessíveis, e cheios de ruídos e distorções e barulhos furiosos, foram fundamentais tanto para a alta cultura quanto para cultura pop que viriam depois.

Há ruído, distorções e barulhos furiosos nesta vida. Entender e metabolizar isso torna a vida, ela inteira, terrível e maravilhosa, finalmente acessível.

Por isso, mesmo que você pouco tenha ouvido falar do artista, Lou Reed era o o seu, o meu, o nosso espelho.

E por isso deve-se lamentar sua morte como quem lamenta a morte de um átomo, ou de um planeta, ou a queda de um espelho no chão.

7 anos de azar.

Agora é juntar os cacos.

E entender que no fundo de tudo, das coisas mais tristes e das coisas mais desgraçadas, há um veludo macio.

25 horas

seg, 21/10/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, outubro de 2013

No último sábado, começou o horário de verão no Rio de Janeiro. Horários de verão são comuns em todo o mundo. Mas não há lugar algum no planeta que mais se identifique e se modifique com a hora extra de sol no fim do dia. No geral, há uma sensação de que ganhou-se uma hora a mais do dia. Que o dia passou a ter 25 horas.

Isto posto, e sempre pensando no cotidiano do leitor, segue de mão beijada 27 sugestões para o uso desta hora extra, desta hora ganha, que em qualquer lugar do mundo seria escrita com aspas. Mas no Rio, aspas passam o dia pegando “jacaré” no mar.

Vamos a elas?

Usar a hora extra do horário do verão para:

1. Fazer uma lista das pessoas com as quais você prometeu um chope qualquer dia desses.

2. Enviar um cartão postal do Pão de Açúcar para cada uma destas pessoas com os dizeres: “Cumprir promessas é para quem precisa de caderno pautado para escrever ou apertar a pasta de dentes pela parte de baixo.”

3. Prometer mais chopes para mais pessoas.

4. Com um beijo apaixonado, fazer uma tagarela calar-se.

5. No fim do dia, tomar uma cerveja sozinho num boteco. E sozinho se bastar. Você nunca será um bom companheiro de birita se antes não aprender a beber sozinho. Isso vale para birita, vida afetiva e trabalho.

Sugestões de assuntos para pensar enquanto você toma uma cerveja sozinho?

5.1 Tentar não pensar.

5.2 Tentar entender porque é tão difícil parar de pensar.

5.3 Tentar entender que é mais fácil se distrair do que parar de pensar.

5.4 Tentar entender o que se passa fora da sua cabeça. No inverno você volta a tentar entender o que se passa dentro dela.

5.5 Se estiver no bar Antigamente, na rua do Ouvidor, pensar em pedir o pastel de costela.

5.6 Tentar entender o que você tem o direito de pedir nesta vida.

5.7 Parar de procurar por verdades. Variar – tentar procurar por mentiras. Por invenções. Sem esquecer que o oposto da Mentira não é a Verdade.

6. Inventar mais daqueles problemas que te fazem esquecer do problema real.

7. Por uma hora, meditar sobre frase de Giuseppe Belli: “A morte está escondida nos relógios”.

8. Por uma hora, meditar sobre as frases de Millôr Fernandes: “Quando eu digo ‘no meu tempo’, estou falando do futuro” e “O tempo não passa. Já passou.”

9. Tentar parar o tempo. Sugestões para parar o tempo:

9.1 Tentar pará-lo.

9.2 Com um beijo apaixonado, fazer uma tagarela calar-se.

9.3 Deixar ela falar.

9.4 Comer o pastel de costela do bar Antigamente, na Rua do Ouvidor.

9.5 Sorrir sem querer.

10. Pensar no presente. Nos Black Blocs. Nos anarquistas. Nos Marxistas. Nos dois Marx. Qual deles é mais anarquista? Karl Marx, que disse: “É inevitável que as classes oprimidas se libertem de suas correntes.” – Ou Groucho Marx, que disse: “Fora o cachorro, o melhor amigo do homem é um livro. Dentro do cachorro, é escuro demais para ler.”?

11. Ler uma biografia não autorizada.

12. Dormir. Sonhar. Sugestões para sonhos?

12.1  Com um beijo apaixonado, fazer uma tagarela calar-se.

12.2  Variar e sonhar que está dormindo. Qual é o ponto de dormir e sonhar se todo mundo sonha que está acordado?

12.3 Sonhar que é Jorge Luis Borges sonhando que é um tigre. Ao acordar, ficar na dúvida se você é um homem que sonhou ser um tigre ou um tigre que agora dormia e sonhava que era um homem.

12.4 Sonhar que todos os problemas da cidade do Rio de Janeiro foram resolvidos. Esquece. Se todos forem resolvidos, o preço do aluguel se igualará aos do principado de Mônaco.

13. Tomar mais banhos de mar.

14. Sujar-se. O mundo anda muito limpinho. Criança brinca no cercadinho e não rala o joelho. Depois vira adulto que só compra panela inox, que tem empregada doméstica com uniforme ou que prefere trair a mulher a calá-la com um beijo apaixonado.

15. Gastar-se. Andamos nos poupando demais.

16. Desorganizar-se. Não materialmente. Desorganizar o espírito. As ideias. Guardar uma hora do dia para duvidar de todas as suas convicções. Vivemos num mundo onde é respeitado quem tem mais certezas. Um mundo muito menos interessante.

17. Fazer exercícios. Sugestões de exercícios?

17.1 Olhar-se fixamente no espelho durante uma hora. Disciplina e coragem são indispensáveis para a empreitada. Ao final do exercício você pode até ser ainda a mesma pessoa. Seu reflexo, não.

17.2 Dar umas estrelas. Alguma regra maluca e silenciosa diz que pessoas a partir dos 20 anos estão proibidas de dar uma estrela. Deixar regras para o inverno.

17.3 Andar de costas. O medo de uma queda ensina que tudo o que vem pela frente é, no fundo, imprevisível. Nos ensina a respeitar o que vem pela frente.

17.4 Continuar a andar de costas. Caminhar olhando para trás ensina a aprender com o que passou.

17.5 Ficar parado durante uma hora. Não porque o Estado determina (uma hora em pé dentro de um trem). Não porque o seu corpo manda (uma gripe). Ficar parado porque você quer. Porque você pode. Descobrir que você pode ficar parado por uma hora que o mundo não irá implodir-se.

18. Descobrir uma saída para “tudo isso que está aí”.

19. Não. Descobrir uma entrada para “tudo isso que está aí”.

20. Contemplar o céu azul do Rio de Janeiro.

21. Desesperadoramente contemplar o céu azul do Rio de Janeiro.

22. Desesperadoramente contemplar o teu medo de perder o céu.

23. Desesperadoramente contemplar a tua raiva de temer o céu.

24. Perguntar-se: Lar é lá no céu?

25. Procurar gostar mais de perguntas do que de respostas.

26. Procurar parar de procurar.

27. Por consequência, encontrar.

Reler todas as sugestões uma hora depois.

Acerte o seu relógio.

Não aquele, que conta o tempo.

O outro. Aquele que é seu de verdade.

Imagem: Reprodução/Inter TV RJ



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