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Olá, o endereço do Blog do Dodô mudou. As novas postagens estarão em https://g1.globo.com/pop-arte/blog/dodo-azevedo/
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Abelardo Barbosa dizia que seu programa de TV, o Cassino do Chacrinha, tinha algo de cerimônia de candomblé.
Ontem, Tatá Werneck entrou às 23h na casa do BBB e com a força dos incorporados, dos bolados em santo, ficou no personagem, criando muitas das falas em improviso, ao vivo, e o fez durante ininterruptas 12 horas.
Tudo com a conivência dos participantes, que entenderam a brincadeira (para a surpresa dos que julgam participantes de reality shows de serem necessariamente acéfalos) e receberam Valdirene como filhas de santo recebem a incorporação de um ‘Erê’.
Assisti até às 7 da manhã. Tatá Werneck, como todas as mulheres muito baixinhas, de Pina Baush a Bia Lessa, é uma força da natureza. Ou uma força espiritual de macumba.
Que essa demonstração de força artística (provavelmente um recorde mundial de atuação em alto nível sem interrupção) tenha acontecido ao vivo, num programa popular, no Brasil, é uma beleza.
Que um talento sofisticado como o de Tatá, a quem não conheço pessoalmente, esteja a serviço do popular e que dê a ela o reconhecimento de um orixá, muito importante para nossa formação cultural.
Foto: Reprodução/TV Globo
San Pedro de Atacama, Chile, setembro de 2013.
No ano de 380, o cristianismo passou a ser a religião oficial do Imperio Romano. Perseguidos por séculos, os cristãos puderam relaxar. Já os que queriam vivenciar o seu batismo de forma mais radical, partiam para o deserto.
Não escolhi passar o 7 de setembro no deserto do Atacama. Vim a trabalho. Mas se pudesse escolher, teria vindo mesmo assim. Nos últimos três meses, fomos todos ungidos disso que levou o brasileiro às ruas. Comentei aqui, logo no início, quando ainda não havia black blocs ou mídia ninja, que achava tudo muito bonito e natural. Eram as contrações do parto de uma nova democracia.
Nosso planeta formou-se incrível desta forma por conta das convulsões e erupções acontecidas milhões de anos atrás. Daqui olho pro horizonte e vejo um deles, o majestoso Licancabur, de 6 mil metros. Vejo também o céu mais estrelado que já vi na vida. E experenciei, hoje à tarde, a caminho da cratera Impacto Monturaqui, um silêncio maior que a vida. A provável voz divina.
Ela pareceu dizer que vai ficar tudo bem.
Moro, como vocês sabem, nas redondezas do Palácio da Guanabara. E como vocês também sabem, já recebi dentro de minha sala, no terceiro andar, uma bomba de gás lacrimogêneo, atirada da rua pelos agentes do governo que elegemos para nos proteger. Barulho tem sido o meu melhor amigo: todos os atos contra o governador do Rio passam pela minha casa. Observo a todos eles como se fosse um viajante no tempo que pudesse assistir a uma das erupções que milhões de anos atrás ajudaram a que nosso planeta fosse inoculado com vida.
Agora há as manifestações marcadas para sete de setembro. Já não há mais aquela adesão da classe média, que colocou um milhão de pessoas na Av. Presidente vargas naquele junho inesquecível.
Há porém, os black blocs e ninjas, querendo viver o seu batismo de forma mais radical.
Meu pai foi da Marinha. Quando veio o AI-5, se desencantou com o serviço militar e virou um esquerdista em chamas. Curiosamente, fez o movimento contrário ao que se verifica – pessoas envelhecem e viram de direita. Todo dia me liga perguntando como faz para clicar no link da midia-ninja.
Embora de esquerda, meu pai me levava a todos os desfiles militares quando eu era criança. Em plena ditadura militar. Embora ele fosse o que se chamava na época de subversivo, e hoje de terrorista, dava pra ver o orgulho que ele tinha quando via o Corpo da Marinha passar marchando. Até hoje faz impecavelmente a própria cama, como o serviço militar ensina. Mas não pode ouvir falar em Jair Bolsonaro.
Hoje é o sete de setembro mais interessante dos últimos anos.
E eu aqui, teclando olhando para um vulcão adormecido.
É a minha forma de batismo radical.
Londres, maio de 2013.
Queria te dizer, Caetano Veloso, que hoje estou triste aqui em Londres. Triste e com frio. Faz alguns meses vi você no documentário Tropicália, desmistificando o exílio em Londres. Revelando que, afinal, um exílio é um exílio e que você, baiano, não gostava dessa chuvinha imperiosa daqui, não gostava do frio insistente daqui, não gostava de viver pra dentro, como vivem as pessoas aqui. Também contava o alívio do dia em que Péricles Cavalcanti foi contigo até Portobelo Road e lá você descobriu o som do reggae. E descobriu o Electric Cinema, onde você se sentia vivo muito vivo e via filmes o dia inteiro pra ver se o tempo passava mais rápido. Aí você cantou que nove entre dez estrelas de cinema faziam você chorar. Pois é, baiano Caetano, estou triste, com frio, pra dentro, sou carioca, estou oco, carioco, e tenho notícias pra ti sobre Portobelo Road e do Electric Cinema.
Quando você frequentava Portobelo e fez o Transa com o Macalé, o Tutti, o Moacyr e o Áureo, ainda estava para entrar nos trinta anos, não é? Pois é: não há ninguém, hoje, com menos de 30 anos, que frequente a região. As lojinhas de Portobelo antiguidades estão meio mortas, meio com frio, escravizadas à demanda por produtos sem história, por uma xícara que pareça ser do século XVIII mas que tenha sido fabricada no máximo no ano passado. Sabe essas pessoas que tem nojo de comprar em brechó porque outra pessoa já vestiu a roupa? Pessoas limpinhas e comportadinhas, com os olhos opacos, que observam indiferente um artesanato ou um artista de rua se prestando a fazer o papel de um artista de rua qualquer pra não atrapalhar o raciocínio dos turistas? Sabe gente que acha que tá tudo bem? Pois é. É esse tipo de gente que frequenta Portobelo hoje. E não se toca mais reggae na rua.
No Electric Cinema está em cartaz um filme chamado “Star Trek – Into Darkness”. No Brasil, “Além da Escuridão – Star Trek”. Estou triste e com frio aqui hoje, Caetano, mesmo com tantos amigos em volta, mesmo hospedado em Brixton, o bairro negão onde hoje é a terra do reggae. Ou talvez por estar hospedado em Brixton. Por ter entrado num supermercado e comprado um cacho de bananas lindas por três reais. Por ter visto uma negona linda, batalhadora, de seus 40 anos, mãe de três filhos, voltando do trabalho pesado e passando no supermercado pra comprar, por dez reais, uma garrafa de um bom vinho e de um excelente queijo que no Brasil custa 100 reais – inviabilizando que uma brasileira negona, linda, batalhadora da zona norte possa chegar em casa e tomar um bom vinho. Ou talvez por perceber cada vez mais gente com medo dos brasileiros que não podiam comprar um bom vinho e hoje podem. Brasileiros com medo do reggae. Penso nisso, Caetano, e me vem à cabeça o subtítulo do filme “Star Trek”.
Estou hospedado na casa de uma linda e jovem cantora e compositora de ascendência italiana, nascida na Bahia como você, Caetano, e criada em Oxford, aqui na Inglaterra. O nome dela é Mariana Magnavita. Se você procurar por ela no Google vai estranhar como posso estar triste ao lado dessa criatura. Mas, no momento em que escrevo estas linhas tristes, ela pega o violão na sala e começa a cantar uma de suas composições: “♫ …Is a black void and is coming to stay a while… ♫” – Ouço daqui. Encaro como um diagnóstico. Ver esses ônibus de dois andares que chegam todos no horário, que prestam o exato mesmo serviço a toda a população da cidade, seja ela do bairro aristocrata ou da classe trabalhadora. E lembrar que no Rio as pessoas já há tempos se tratam com indiferença dentro do metrô, começando a se igualar aos ingleses justamente no que eles tem de pior. “♫ Words of sorry, words of sorrow, you’ve rehearsed all you lines ♫”, completa Mariana, sem ter ideia do meu estado.
Chove o tempo inteiro em Londres. No dia seguinte, não há notícia de enchente, de desabamentos, de mortos, nada, Caetano. E, como diz a canção que vem da sala, os lamentos parecem todos ensaiados: esse aparecimento do Lobão, essas coisas que ele vem dizendo, e até o outro lado, na já esquecida treta com o Mano Brown. Essa nova direita brasileira, que só nasceu porque a esquerda tomou o poder. E a esquerda de hoje é resultado dos anos em que a direita um dia esteve no poder. Aqui na Europa viu-se isso. Na virada dos anos 80 para os 90, França e Inglaterra tiveram governos de esquerda, o que criou uma nova direita essa que hoje é capaz de fazer corar o mais Feliciano dos presidentes de CDHMs, o mais bolsonaro dos bolsonaros. No Brasil, vive-se ainda um ensaio de uma nova direita. Tempos mais agudos estão pela frente. Que farão surgir uma nova esquerda, mais madura, menos autodestrutiva do que a que temos. “♫ They don’t ease, me. They don’t please, me. Or melt my icy eyes ♫”. A voz de Mariana é tão bonita, Caetano, você tem que ouvir.
Talvez eu esteja sentido falta de suar. Eu adoro suar. Talvez eu esteja sentido falta da Lapa, essa Portobelo Road que não esfria com as décadas. Talvez eu esteja sendo assombrado pelo fantasma do Ivan Lessa, que deve estar rindo de mim, morrendo de frio em maio. Não me animei ainda com o novo álbum do Daft Punk, ele também parece um um ensaio. É o tipo de disco que agrada o tipo de pessoa que enjoou do Transa só porque ele virou o favorito da garotada. O tipo de pessoa que fala “O Transa tá batido”. Tô tomando um vinho de mel feito na Eritréia, Caetano. O álcool só me faz chorar. Eu posso ir embora dessa cidade a hora que quiser. E ainda levar Mariana comigo. Pararmos de sentir frio. Você, não. Teve que ficar. E todo mundo achando que você estava, baiano Caetano, arrasando em Londres. Enquanto isso eu, aqui, carioco arrasado em Londres. Talvez seja a hora de voltar a botar o pé na estrada.
Se me perco, não me encontro mais.
Caetano, você tem 70 anos. E eu fico imaginando o teu funeral. Até quem não gostava de ti vai reconhecer tua importância. E fico com um medo danado: morrendo aqui a (só) trinta aos Chico Buarque, Gil, João Gilberto. Eu deveria escrever uma coluna com o título “Quando Caetano morrer”.
70 anos. E a gar0tada aí: você senta, espera alguma coisa, e nada.
Morre não, Caetano, pelo menos não até a garotada envelhecer.
Em troca, prometo cair fora de Londres com Mariana.
Escrevo a próxima coluna de Cannes, França, baiano.
Eu, menos oco, carioca, na cote d’ázur. Você, corte de azul, tome essa canção como um beijo.
Atenciosamente, Dodô Azevedo
Crédito da foto: Dodô Azevedo
Londres, maio de 2013.
Foi um domingo feliz no pub Hawley Arms, coração de Camden Town, Londres. Comemorava-se uma questão que arrastava-se há meses: fazer ou não fazer uma estátua para Amy Winehouse? A cantora nasceu e foi criada no bairro. O Hawley Arms era sua segunda casa. O que no Rio chamamos de o boteco da esquina. Neste domingo, foi divulgada a decisão final do Conselho de Camden, numa espécie de reunião de condomínio: vão sim construir uma estátua para a cantora.
Fizemos um pequeno vídeo para dividir com vocês a vibe do local. E alguns dos recados pós-morte escrito por fãs nas paredes do banheiro feminino, este lugar íntimo e sagrado, este último refúgio da mulher nesse mundo masculista (gosto de chamar de masculista, palavra inventada, porque machista e masculino todo mundo é um pouco. Masculista reúne o pior de um e de outro). O melhor recado, para Amy Winehouse, você vai ver no filminho se prestar bastante atenção, foi justamente escrito por uma brasileira, porque mais direto, sincero, preciso e humorado. Assista ao vídeo, te espero aqui.
Pronto, voltamos. Entendeste a idolatria, certo? É, mas acontece que tenho um ponto: que artista merece receber uma estátua? O que fez Amy Winehouse para merecê-la? A artista é um exemplo a ser seguido?
Ela mesma dizia que não, no que o Dapieve chamou, numa de suas colunas em O Globo, de O Hino Nacional de Amy Winehouse: “You Know, I Am No Good.” – Lennon ganhou um memorial em Liverpool, mas por seus serviços prestados à questões de comunidade: militância pela paz no mundo, pelo o fim das guerras, pelo fim do preconceito. Amy não ligava para política. Nunca pensou no coletivo. Cantava o próprio umbigo. Mas, exatamente por isso, fazia uma arte tão íntegra e tanta gente se identificar com ela.
É o suficiente para merecer uma estátua? Tecnicamente, até este domigo, não. A liberação de uma estátua para Amy trata-se, então, de um precedente fascinante, ainda mais que será erguida em Londres, que quando ainda se chamava Londinium, no século V depois de Cristo, foi queimada por Boadicéia, ou Boudica, rainha Celta, revoltada, irada, com as atrocidades cometidas pelo Império Romano, que invadira a Bretanha dois séculos antes. Pagã, flor que não se cheirasse, Boadicéia e seu exército derramaram tanto sangue nas ruas de Londres que até hoje no subsolo da cidade inteira há uma faixa de de sangue coagulado – que pode ser vista ao vivo hoje numa amostra de solo exibida na seção de geologia do Museum of London.
Ter feito de Londres uma cidade para sempre sobre uma poça de sangue foi o último ato de fúria feminina contra as ambições masculinas na história da humanidade. Foi, também, o último triunfo de uma religião pagã sobre o cristianismo. Para a religião Celta, o sangue coagulado no subsolo nutre a cidade de força feminina. Força que incita as mulheres como uma lua cheia, que as faz procurar uma independência radical, a cantar “Eu não valho nada”, a beber como se fosse homem, fazer o que quiser com seu próprio corpo, inclusive o que existe de mais feminino, depois da capacidade de dar à luz a outro ser humano: autodestruir-se. Amy Winehouse se encaixa nesse perfil.
Abre parênteses: para aprofundar-se neste assunto tão importante, vale a leitura das 640 páginas de Beyond Power: On Women, Men and Morals, de Marilyn French. Fecha parênteses.
Uma de minhas ex-mulheres mora aqui, no Reino Unido. Durante um almoço agradabilíssimo com ela no restaurante do National Portrait Gallery, percebi que ela fez mais uma tatuagem. Toda vez que algo importante acontece na vida dela, tatua-se, sem pensar muito, esplendorosamente entregue às suas intuições. Amy Winehouse era famosa por suas tatuagens, que apareciam também quando algo grande acontecia em sua vida. Mulheres assim fazem de seu corpo um diário, um inventário de si que só existe enquanto houver no corpo vida, pois para esse tipo de mulher, a vida, essa coisa incrível, essa coisa terrível, vem antes de tudo. Um desafio às nossas intenções arrogantes quando escrevemos (tatuamos as páginas de?) um livro, nossas tolas intenções de imortalidade.
Maio é o mês de Amy Winehouse. Além da estátua, será ser tema aqui na cidade de uma exposição de arte. Semana que vem, em Cannes, será exibido o primeiro documentário independente sobre sua vida. Ela merece sim uma estátua aqui em Londres. Ela merece dar o troco por ter sido feminina demais e o mundo não suportar isso, e ser imortalizada, como Boadicéia, que ganhou uma pomposa estátua ao lado do Big Ben – Amy Winehouse merece dar o troco e ser ela mesma uma tatuagem nesta cidade de sangue e pedra.
Isto posto, pensei comigo e resolvi estender um assunto a vocês:
Que cantora brasileira mereceria ser, hoje, homenageada com uma estátua? Onde? E porque?
Os comentários estão à disposição de vocês. Aguardo sugestões.
Tatuem esta coluna.
Londres, maio de 2013.
A polícia prendeu mais um estuprador carioca. Mais um alérgico a mulheres. Cometeu o crime à luz do dia num movimentado mirante do Leblon, na Zona Sul do Rio, região que certos moradores de lá julgam estar protegida da, segundo estes certos moradores de lá, horda de bárbaros, da barbárie corriqueira dos subúrbios, da periferia, de tudo de incontrolável, indomado, fora de controle, que está ao redor da cidade. Mobilizam-se publicamente para protestar contra a chegada do metrô em Ipanema, por exemplo, embora jurem que não tem nada contra o povo da periferia ter acesso facilitado à Zona Sul da cidade.
Deveriam não ter mesmo. Os moradores da Zona Sul que resolvem ir pela primeira vez ao baile de charme que acontece há anos embaixo do viaduto Negrão de Lima, em Madureira, subúrbio, periferia do Rio de Janeiro, se espantam com:
1) O serviço (o estacionamento é fácil, não há fila nos bares ou nos banheiros);
2) A educação do frequentador local.
Quando digo elegância, não me refiro apenas ao modo de se vestir não. Embora seja sim curioso ver a garotada hipster da Zona Sul sair pra dançar com roupas amarrotadas, propositadamente rasgadas, com suas barbas cuidadosamente cultivadas de modo com que pareçam mendigos, e o rapaz de Madureira escolher a sua melhor roupa, passar o vinco da calça com esmero, fazer a barba e perfumar-se com fidalguia.
Me refiro ao trato dos moços com as moças. Para os rapazes do Viaduto de Madureira, todas as mulheres são princesas. Pedem licença para tudo: para engatar um papo, oferecer uma bebida, ensinar uma marinheira de primeira viagem a dançar as impossíveis coreografias em 7/6. Não ficam incomodados quando uma mulher, lá chama-se dama, pede distância. Nem mesmo quando elas dizem “sinto muito, mas não quero ficar com você”. Sorriem, agradecem pela oportunidade da conversa, e se afastam, cheios de charme. Definitivamente, não são alérgicos a mulheres. Uma lição de Madureira, desse lugar que quem não vem de lá tem como um lugar ao redor.
O bairro de Brixton é a Madureira de Londres. Como toda a periferia, tem seus problemas de segurança. Como a maioria das periferias, a população é majoritariamente de negros. De tudo quanto é canto do mundo, mas, principalmente, de jamaicanos. Devemos a existência de ritmos como Drum and Bass, de bandas como The Police, The Specials e até o nosso Paralamas do Sucesso, à presença da cultura jamaicana em Londres nas últimas quatro décadas.
Não há tantas opções de diversão noturna em pista de dança fora do Brasil. Reclamamos de barriga cheia. Enquanto não há cidade brasileira onde numa quarta-feira não exista no mínimo um forró que vai até de manhã, aqui fora é um sufoco. Tudo segmentado. Se você gosta de tal música pra dançar, é obrigado automaticamente a não gostar de todos os outros. Uma mocinha de 24 anos que no Rio de Janeiro sai para primeiro curtir um show de blues num bar em Botafogo, em seguida vai até o Samba da Pedra do Sal e termina a noite dançando techno numa boate na Lagoa, é socialmente inaceitável em qualquer lugar do mundo.
Aqui em Londres, começamos a noite de ontem, quinta-feira 9 de maio, assistindo a um belíssimo e informal concerto de música medieval num sótão de um pub perto de King’s Cross. Papo de curtir o som do alaúde com uma caneca de um litro de cerveja na mão. A pessoa mais jovem da plateia tinha seus 60 anos. Terminado o incrível show, fecha-se o pub. Vai-se pra rua, olha-se em volta. Nada. Tudo deserto. Onze e meia da noite. Foi quando me lembrei de Madureira, do Viaduto de Madureira, da periferia, e da incansável teimosia que seus moradores têm de viver, de se divertir apesar de tudo, e da incrível força que conservam para lidar gentilmente com o mundo.
Chegamos no Hootananny Brixton depois da meia noite, onde acontecia um Rappers Delight, um encontro de bambas que é o oposto da batalha de MCs: não há competição. Há colaboração. Nos divertimos, gente de todo o lugar da cidade até de manhã, as meninas foram tratadas como princesas de Madureira. Achei uma ótima oportunidade para fazer o primeiro comentário em filme. Liguei a câmera e fiz o percurso por todo o lugar, por toda a festa, com participações gaiatas de nosso grupo (o mafioso russo que no fim do vídeo não quer ser filmado, o rapaz jogando sinuca, a menina que flerta com a câmera, tudo jogo de cena), feliz por ser o tipo de gente que sabe que o que está ao redor só está de fato ao redor se você realiza que o centro é uma invenção arbitrária.
Bom fim de semana e, quer se divertir, leve o teu centro até o centro de onde te veem como algo ao redor.