Morto no centro do Brasil

ter, 11/02/14
por Dodô Azevedo |

A tática Black Bloc, que aqui no Brasil, e só no Brasil, virou grupo, movimento, com página no Face (característica também não encontrada em nenhum outro lugar do mundo), é o Riocentro, o atentado sabotador, da rapaziada, dos milhões, que em junho foram às ruas.

O Riocentro falhou. O grupo brasileiro, e só brasileiro, que autodenominou-se Black Bloc (sim, a página no Face veio antes do batismo da imprensa), não.

Haverá Copa e não haverá mais manifestações com milhões na rua nesse 2014.

O ano político, o cotidiano nas ruas neste 2014, será pontuado apenas pela ação, a partir de agora definitivamente isolada, destes grupos bem pequenos.

O que aconteceu em junho foi bonito, muito bonito, um passo à frente em nossa democracia.

Gente, afinal, indo para a rua, cobrar.

Povo que cobra, foi no que nos tornamos em 2013.

Muito bonito. Mesmo.

Mas acabou.

O atentado do Riocentro desta vez deu certo.

Em sua página no Facebook, o grupo – ratificando, grupo sim – ostenta a famosa foto da “passeata do milhão”, que lotou a Av. Presidente Vargas, no Rio, no dia 20 de junho.

Como tivessem tido alguma responsabilidade em haver reunido tanta gente ali.

Não. Não foi o grupo Black Bloc que mobilizou o povo.

Digo isso porque eu estava lá. E postei tudo para ser visto aqui.

Nem fui eu, ou o Freixo, ou a Sininho, ou o Fora do Eixo, ou a imprensa, ou qualquer partido o responsável por tanta gente na rua.

Daí a beleza daquele dia.

A turma de preto, assim como tantas outras turmas, pegou carona na mobilização espontânea do povo, e o que fez naquela ocasião foi, ao entrar em confronto com uma polícia despreparada, desmobilizar aquele milhão de pessoas que estava na rua.

Aquele milhão, vocês lembram, o povo, vestia branco, inclusive.

E foi, e é até hoje, hostilizado por quem veste preto.

Por isso, sumiram das ruas.

Não é o fim do mundo, como os apocalípticos gralham nas ruas e nas redes sociais, morrendo de calor.

O Brasil está longe, muito longe, no bom sentido, de ser a Síria. De ser o Afeganistão. De ser a Nigéria. De ser a Ucrânia.

Policiais fizeram perícia no local onde o cinegrafista foi atingido (Foto: Marcos Arcoverde/Estadão Conteúdo)

Principalmente na contagem de mortos em confrontos políticos.

Nesta semana morreram 17 num ônibus no oriente médio.

Também morreu trabalhador que obrava no estádio da Copa em Manaus. Ontem morreu outro trabalhador. Estava a serviço no Rio de Janeiro, na Central do Brasil, Centro do Rio, Riocentro.

Aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock’n'roll, uns dias chove, noutros dias bate sol, mas o que eu quero lhe dizer é que a coisa aqui não tá preta.

Tá 50 tons de cinza.

Preta mesmo estava em 1964.

E para os amigos e familiares do colega Santiago vai aqui um abraço do tamanho da cidade, porque a gente vai se amando – também, sem um carinho ninguém segura esse, aquele, qualquer rojão.

A biografia não autorizada de 2013 – uma retrospectiva precoce

seg, 18/11/13
por Dodô Azevedo |

2013 - o ano em que as ruas do Brasil viraram um microondas - Foto por Dodô Azevedo

 

Ontem, em casa, ao invés de digitar 2-0-0 no microondas para esquentar a comida por 2 minutos, digitei os seis dígitos de minha senha do banco. Voltei para o escritório, comecei a folhear uns livros, rascunhar umas anotações e, quando senti o cheiro de queimado vindo da cozinha, já acontecia um pequeno incêndio. Ana e eu o apagamos com um balde d’água. O cheiro de queimado permanece até agora.

Distração. Cansaço. Aquilo tudo que bate em todo cidadão quando finalmente um ano acaba.

2013 já acabou? É só observar as notícias. É só observar as ruas. O bate-papo informal nas esquinas já é retrospectivo.

Então vamos a ela: a primeira retrospectiva 2013.

2013 foi como o Campeonato Brasileiro: terminou com quatro rodadas de antecipação.

E deixará um inesquecível cheiro de queimado.

O ano em que o Brasil pareceu que iria arder em chamas. “Vem pra rua!” foi a frase de 2013.

E o personagem de 2013 foi ela, a rua.

Este blog foi o primeiro, lá nas primeiras manifestações, pré-Black Blocs, olhar com minúcia e dar voz a cada um dos cartazes erguidos mais por orgulho em se ativar politicamente do que por quaisquer outros motivos – e não foram poucos.

Este blog foi, também, o primeiro a encontrar um rosto muito jovem, partidário, lúcido e sem máscara a falar claramente sobre aquele momento em que todos estavam desorientados.

E quando o mundo inteiro se perguntou “o que aconteceu com aquele país onde o povo é feliz e só queria saber de carnaval?” e aqui no Brasil se perguntavam “quem está começando os tumultos? Polícia ou traficante? Este blog foi para dentro da primeira grande manifestação, antes de tudo, antes até do vinagre, aquela, na Rio Branco ainda, e procurou esclarecer tudo. O texto, publicado aqui no G1, foi traduzido para o inglês e rapidamente compartilhado por organizações de direitos humanos em todo o planeta. 

E antes mesmo de manifestantes menos lúcidos e mais mascarados atearem fogo no Palácio do Itamaraty, lá em Brasília, em junho, este blog foi o primeiro a dizer que não se tratava do fim do mundo, e sim as violentas contrações da transição de uma democracia de um estágio para o outro. Um pequeno incêndio vindo da cozinha.

Para um país que desde os tempos do Império nos dá motivo para incendiar tudo em todas as cidades, até que estávamos no lucro.

A cada vez maior classe média carioca, que vivia uma lua de mel com sua polícia, seu Bope, seus Capitães Nascimento, sua Copa e Olimpíada, pediu divórcio quando viu, principalmente pela internet e mídias alternativas, o tipo de tratamento que o estado dá, desde os tempos da ditatura militar, ao cidadão divergente.

Quem aplaudiu os militares que entravam na comunidade do Alemão em 2012 agora entendia a gravidade de se ter uma polícia militarizada. Quem aplaudiu as tentativas da prefeitura em imitar o tolerância zero novaiorquino, as praias com as barracas padronizadas, todas da mesma cor, agora reclamava da tolerância zero de nosso prefeito com os cidadãos que ocuparam a Câmara Municipal.

A  tal da cada vez maior classe média carioca, constituída mais por gente pobre que ascendeu do que ricos que descenderam. Se depender dela, dos que estão a cada dia ascendendo a ela, dos miseráveis que por décadas viveram abaixo da linha da pobreza e saíram dela na última década e do cidadão que mora numa cidade de interior que só agora está contando com médicos, não só Dilma já está reeleita, como Lula se quiser se elege por mais 8 anos depois que o mandato da presidente terminar. Mesmo no Rio, onde Cabral parece ser unanimidade negativa, o governador fará também sucessor sem muitos sustos.

É porque se você paga o dobro do aluguel para morar em Copacabana e acha isso um absurdo, o barraco da dona Iracy no Pavão-Pavãozinho duplicou seu valor nos últimos anos, e isso é ótimo para ela. Se os bancos têm lucrado cada vez mais, as empregadas domésticas ganharam uma justíssima PEC. A transferência de renda no país finalmente começou a acontecer, a oferta por emprego aumentou. Há um provérbio muito carioca e muito sábio que dá conta desta certeza: Zona Sul não ganha eleição.

E não é vestindo preto e escrevendo cartazes “onde está Amarildo?”, ignorando todos os outros Amarildos que o precederam e que não se iluda, estão acontecendo neste momento, que se presta solidariedade à favela. É ficando feliz por dona Iracy. Entendendo que seu incômodo é, de certa forma, para que ela tenha melhora na vida. É aquela história: tem espaço pra todo mundo, é só cada um se dispor a dar um passinho pro lado.

É sobre esta convivência e as tensões que dela derivam o filme do ano de 2013. Na verdade, o mesmo de 2012. “O som ao redor”, de Kleber Mendonça Filho, foi escolhido este ano o filme para representar o país no Oscar. São muitas as qualidades que mantém este filme de baixo orçamento vivo desde 2011. Algumas contextuais: filme recifense, representante de um saudável deslocamento de atenção, sempre focado no eixo Rio-Sp e uma espécie de padrinho da safra recorde de filmes produzidos em 2013, “O som ao redor” se passa inteiro justamente… em uma rua.

Também não será o recente encarceramento dos condenados no processo chamado “mensalão” que irá harmonizar tensões entre classes ou colocar o Brasil nos trilhos na luta contra a corrupção, como disse a imprensa estrangeira. A Justiça da Suíça condenou agora no final do ano o um dos envolvidos no escândalo dos trens de São Paulo, sem colaboração da Justiça ou polícia brasileira ou cobertura da imprensa. O Ministério Público está louco para varrer para baixo do tapete o caso Cavendish, dos guardanapos na cabeça em Paris, e tantas outras indecências cariocas. E Renan Calheiros, principal alvo dos cartazes nas ruas em junho, vai terminar o ano tranquilo e satisfeito em seu mandato. Ainda há muito o que fazer nas ruas antes da próxima ida às urnas.

Na verdade, educar-se, ativar-se politicamente e ir pra rua rua é algo que tem que tornar-se rotina. É a única coisa que de fato faz a diferença.

Ah, o encarceramento dos chamados mensaleiros – essa notícia que também confirmou o fim do expediente de 2013. Nas ruas do Rio, imediatamente viu-se uma ou outra manifestação da militância do PT, que escandalosamente ficou fora das ruas em 2013. Desmobilizada, sequer conseguiu ocupar este ambiente onde ela se sentia tão à vontade, nem que fosse para defender o governador e prefeito do Rio, a quem o partido apoia. Nas esquinas da cidade, já se fala que a melhor coisa que pode acontecer ao Partido dos Trabalhadores foi a prisão de Dirceu e Genoino. Um motivo para que renasça a militância petista, que em 1982 era capaz de pintar uma estrela vermelha em cada um dos paralelepípedos de todas as ruas do bairro de Santa Teresa.

Somando-se isto à criminalização das manifestações, promovida por todos (governo, oposição, imprensa) temos hoje as ruas vazias de desmobilizadas. Sim o ano acabou. Fato que deve-se também à transformação da tática black bloc em movimento black bloc – fenômeno exclusivamente brasileiro que só pelo fato em organizarem-se pelo Facebook já contraria os princípios comuns aos adeptos da tática Black Bloc pelo mundo: não existe nas redes sociais uma página “Black Bloc Argentina”,  “Black Bloc Espanha”, “Black Bloc New York” etc. De novo: Black Bloc, o movimento, só existe no Brasil. A tática Black Bloc é diferente: não só existe no mundo inteiro como simpatia de todos que estão nas ruas se manifestando. No Brasil, transformado em movimento, virou apenas apenas um vilão utilíssimo a quem não interessa manifestações. Tornou-se, sem querer, o melhor amigo do sistema que pretende combater.

A resposta às preces do governador Sérgio Cabral, por exemplo.

Em 2013 está todo mundo mais nu, como os índios que receberam Cabral, o Pedro Álvares, em 1500. Todo mundo nu, com seus defeitos expostos, e isto tem de ser comemorado. Ficou nu o poder público, as instituições, a imprensa, o Eike Batista, Chico Buarque, o Rei Roberto e, principalmente, nós. Quem é reacionário saiu do armário, quem é de esquerda perdeu a vergonha de se assumir. Foi o ano de um grande Breaking Bad no país.

Se 2013 foi o ano do hype desta série americana de TV que conta a história da corrupção moral e existencial de um personagem que é capaz de tudo por poder, também foi o ano em que o banho de sangue famoso e esperado episódio “O casamento vermelho”, de “Game of Thrones” – uma aula-prática do que nós humanos somos capazes de fazer para eliminar a concorrência.

Na TV Brasileira, “The Voice Brasil” restaurou a paixão do brasileiro pelo show de calouros. Houve boteco pé-sujo, cabra-macho, aumentando o volume da tevê e fazendo silêncio pra comentar o programa. Se por um lado somos humanos sórdidos, ainda nos comovemos com o brasileiro que sonha.

E se este ano ainda nem conseguiu começar para promessas como Marcelo Adnet, 2013 foi um ano eterno para a turma do Porta dos Fundos. ’Fenômeno Pop’, diagnosticou-se quando explodiram, este ano. Apareceu para acabar com a tese de algo só se torna popular se for veiculado na TV. O povão comprou os esquetes do grupo, muitos deles mais sofisticados do que o humor que se vê na TV fechada e aberta. Políticos e críticos, o grupo provou que dá pra fazer humor politicamente incorreto sem incorrer a covardias preconceituosas e sexistas, de uma turma de humor, que em 2013 só repercutiu em polêmicas de Twitter e que tem uma mania infantil de se fazer de vítima. Por isso, nas rodas de chope, só deu Porta dos Fundos.

2013 também foi o ano do maior fenômeno da história da indústria de entretenimento. Não foi um filme de herói, nem o bonito irresistível pastiche-homenagem do Daft Punk. Foi um videogame. Grand Theft Auto bateu todos os recordes de venda prometendo fazer o consumidor sentir-se na pele de um ladrão, traficante, que coloca foco em mendigo e esfaqueia prostitutas, que sequestra aviões e submarinos, que ganha pontos quanto mais delitos promover. Praticamente ser um Justin Bieber nas ruas do Rio de Janeiro. O jogo se passa nas ruas de Los Angeles, mas quem viveu o dia a dia das ruas cariocas em 2013 achou o “GTA V” coisa de criança.

No teatro, a peça do ano não poderia ter outro nome: “Incêndios”. Em literatura, Brasil, homenageado em Frankfurt, foi o país certo, no lugar certo na hora errada. Luiz Ruffato descascou a pátria amada no discurso de abertura e quando achou-se que a turma na rua iria ficar sem o apoio da classe artística, um grupo de escritores cariocas se mobilizou e publicou um curto e sóbrio manifesto às pessoas que continuavam indo às ruas.

Antes das manifestações começarem no Rio, este blog, de Londres, comentou a dinâmica das manifestações que aconteceram em Paris em maio: 500 mil pessoas nas ruas contra o casamento gay e os imigrantes num fim de semana, outras 500 mil a favor do casamento gay e dos imigrantes no fim de semana seguinte. Um exemplo a ser seguido. Que depende, no Brasil, do fim da ideia de que tudo tem que ser provido pelo estado ou pelas instituições. Ir na direção do que apontou este blog em agosto, quando contou a história da rapaziada do coletivo Norte Comum, que não espera nada acontecer – faz.

2013, o ano da rua, foi como no futebol: ainda há o suspense sobre quem vai para a Libertadores, quem vai cair para a segunda divisão e quem será campeão da Copa do Brasil. No Rio, a situação política é parecida com a dos times cariocas. Não se sabe quem exatamente vai concorrer ao governo do estado, num imbróglio também muito carioca, muito cheio de “vai indo na frente que eu já vou”.

2013, o ano da rua acabou: temos um Senado e uma Câmara livre dos votos secretos temos a provável oficialização do assassinato de dois ex-presidentes (Jango e Juscelino) e isso ser o objeto das conversas de bar, das rodas nas praias, misturando-se às levezas que costumam monopolizar as atenções nesta época, como “qual a moda deste verão?, “e o botequim do ano?”, “e o melhor show?” é interessantíssimo.

Embora cheiro de queimado nunca vai nos deixar esquecer:

Foi quase.

Quase que 2013 foi o que pode ser 2014.

Êxodo

sáb, 07/09/13
por Dodô Azevedo |

San Pedro de Atacama, Chile, setembro de 2013.

 

Deserto do Atacama - Foto por Sophia Reis.

 

No ano de 380, o cristianismo passou a ser a religião oficial do Imperio Romano. Perseguidos por séculos, os cristãos puderam relaxar. Já os que queriam vivenciar o seu batismo de forma mais radical, partiam para o deserto.

Não escolhi passar o 7 de setembro no deserto do Atacama. Vim a trabalho. Mas se pudesse escolher, teria vindo mesmo assim. Nos últimos três meses, fomos todos ungidos disso que levou o brasileiro às ruas. Comentei aqui, logo no início, quando ainda não havia black blocs ou mídia ninja, que achava tudo muito bonito e natural. Eram as contrações do parto de uma nova democracia.

Nosso planeta formou-se incrível desta forma por conta das convulsões e erupções acontecidas milhões de anos atrás. Daqui olho pro horizonte e vejo um deles, o majestoso Licancabur, de 6 mil metros. Vejo também o céu mais estrelado que já vi na vida. E experenciei, hoje à tarde, a caminho da cratera Impacto Monturaqui, um silêncio maior que a vida. A provável voz divina.

Ela pareceu dizer que vai ficar tudo bem.

Moro, como vocês sabem, nas redondezas do Palácio da Guanabara. E como vocês também sabem, já recebi dentro de minha sala, no terceiro andar, uma bomba de gás lacrimogêneo, atirada da rua pelos agentes do governo que elegemos para nos proteger. Barulho tem sido o meu melhor amigo: todos os atos contra o governador do Rio passam pela minha casa. Observo a todos eles como se fosse um viajante no tempo que pudesse assistir a uma das erupções que milhões de anos atrás ajudaram a que nosso planeta fosse inoculado com vida.

Agora há as manifestações marcadas para sete de setembro. Já não há mais aquela adesão da classe média, que colocou um milhão de pessoas na Av. Presidente vargas naquele junho inesquecível.

Há porém, os black blocs e ninjas, querendo viver o seu batismo de forma mais radical.

Meu pai foi da Marinha. Quando veio o AI-5, se desencantou com o serviço militar e virou um esquerdista em chamas. Curiosamente, fez o movimento contrário ao que se verifica – pessoas envelhecem e viram de direita. Todo dia me liga perguntando como faz para clicar no link da midia-ninja.

Embora de esquerda, meu pai me levava a todos os desfiles militares quando eu era criança. Em plena ditadura militar. Embora ele fosse o que se chamava na época de subversivo, e hoje de terrorista, dava pra ver o orgulho que ele tinha quando via o Corpo da Marinha passar marchando. Até hoje faz impecavelmente a própria cama, como o serviço militar ensina. Mas não pode ouvir falar em Jair Bolsonaro.

Hoje é o sete de setembro mais interessante dos últimos anos.

E eu aqui, teclando olhando para um vulcão adormecido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É a minha forma de batismo radical.

O seu olhar melhora o meu

qui, 25/07/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, julho de 2013.

Foto por Dodô Azevedo

Ao pensar em um título para esta coluna, lembrei-me do verso do poeta Arnado Antunes. Arnaldo também é autor do apropriado verso Tudo ao mesmo tempo agora. Isto posto, comecemos.

“-Queria que você me acompanhasse até a delegacia.
-Por quê?
-Tá tudo certo, só tô pedindo pra você me acompanhar até a delegacia.
-Você tá me prendendo?
-Ninguém falou em prisão aqui, é só pra averiguação. Se quiser, você pode até não ir.
-Então não vou!
-Acho melhor você ir.
-Vou não! Você disse que se eu não quisesse, não precisaria. Então não vou!
-Mas eu posso entender sua recusa como desacato.
-Não é desacato!
-Fala baixo! E eu posso entender como desacato sim.”

Este diálogo, entre um policial e um repórter do grupo Mídia Ninja durante os conflitos no entorno do Palácio Guanabara, na segunda-feira (23), foi visto ao vivo por 15 mil pessoas conectadas à Internet. O policial carregava uma arma de fogo. O repórter, sua câmera. O repórter foi preso.

A vitória, naquele momento, foi do homem armado com uma pistola.

Nas últimas 48 horas, as imagens das câmeras de outros cidadãos, moradores do bairro de Laranjeiras que filmaram de suas janelas, circularam pelo mundo todo. Passou-se a duvidar de tudo o que a PMRJ havia divulgado a respeito de suas ações naquela noite como de fosse verdade incontestável. Passou-se, na imprensa, a chamar tudo o que foi divulgado pela corporação de versão.

A vitória final foi do homem armado com sua câmera.

Uma câmera vence batalhas e não mata ninguém.

No filme “Assassinos por Natureza”, escrito por Quentin Tarantino nos anos 90, é descrita uma rebelião em um presídio de segurança máxima. Estão todos, policiais e bandidos, armados até os dentes, como dizem os bandidos de faroeste de quinta categoria. Há um impasse. Em poder de fogo, as forças se equivalem. Até o momento em que um dos personagens vê uma câmera de TV, ligada ao vivo. Ele larga a arma, pega a câmera e consegue sair da prisão apontando a câmera para todos, sem coragem de agir ao vivo, na frente de todos.

O personagem de Tarantino se safa dessa situação beliciosa porque carrega como testemunha, ao vivo, a coisa mais valiosa do mundo: o público.

Porque numa democracia quem vota é o público.

Vencerá a Invernada Brasileira - título que este blog cunhou no princípio das manifestações de junho e que foi traduzido para o inglês e espalhado para o mundo inteiro – quem tiver mais câmera na mão. Bala de borracha, coquetel molotov, jatos d’água, coerção, sumiços e torturas são armas de quem já perdeu.

O mundo já sabe disso. Na Nova York dos anos 70, a polícia orientava as mulheres que por azar sofressem um estupro num beco mal iluminado que gritassem “Fogo!”, ao invés de “Estupro!” – porque o vizinho já não ligava mais para estupros. Mas fogo seria uma ameaça a sua propriedade, a aí sim ele daria atenção. Hoje, a orientação é: ligue a câmera de seu celular e disque para o primeiro contato do Skype que você puder. Mostrando a cara do bandido para o público, o sujeito pára e pensa 20 vezes antes cometer um crime que todos já sabem que, aconteça o que acontecer, ele cometeu.

A vitória da câmera é uma notícia espetacular. Câmeras não matam.

Eram muitas câmeras naquela segunda-feira em frente ao Palácio das Laranjeiras. Todas empunhadas por cidadãos, que são, em primeira e última análise, patrões de todos os servidores públicos que ali estavam, desde a presidente ao soldado da PM. Com suas câmeras na mão, são fiscais. E, por isso, mais cidadãos.

Cidadão que havia entendido que se tem o direito a fiscalizar.

Cidadão entendendo que tem o dever de fiscalizar.

Cidadão entendendo que, agora, tem o poder para fiscalizar.

Uma câmera.

“Quem vigia os vigilantes?”, pergunta o escritor inglês Alan Moore em sua mais famosa obra: “Watchmen”.

A resposta é: você.

Nós, brasileiros, cultivamos um hábito, uma preguiça de vigiar, e um medo dessa palavra, como se ela não significasse tão somente apenas participar da política. Gostamos de falar de política com os amigos, de preferência com amigos que tenham a mesma opinião política que nós e, se tiver uma cervejinha, melhor.

O tal velho modo de tratar política, esse assunto tão sério, como se trata futebol.

O Brasil e outras organizações internacionais não-governamentais passaram a quarta-feira falando sobre outra coisa, e não era futebol. Perguntaram “Onde está Amarildo?”, pedreiro da Rocinha que desapareceu após ser levado pela PM “para averiguações”. A única pista é, adivinhem, um vídeo captado por uma câmera.

Em 20 de janeiro de 1971, o deputado Rubens Paiva foi, como Amarildo, retirado de sua residência por militares que se diziam da Aeronáutica. Os órgãos oficiais negaram que haviam efetuado a prisão. Rubens Paiva nunca mais apareceu, mesmo com depoimentos póstumos, dos próprios militares, que afirmaram tê-lo visto sendo torturado até a morte. Em 1996, o governo FHC, resignado, entregou para a família um atestado de óbito.

Há Rubens Paiva e Amarildos em todos os estados brasileiros, até hoje.

No Pará, na periferia de São Paulo, nas Favelas do Rio, 1964 não acabou.

Ninguém vigia os vigilantes nas periferias do Brasil.

Que a Invernada Brasileira não é sobre os 20 centavos o mundo já sabe. Mas o que ainda não se entende é que também não é, no fundo, só sobre presidentes, governadores e prefeitos, não é só sobre deputados e senadores. Não é só sobre empresas e grandes corporações. Não é só sobre partidos. Não é sobre a polícia.

Ela é sobre a democracia.

No fundo, todos que estão na rua sabem disso.

Todos querem, no fundo, presidentes, governadores prefeitos, deputados, senadores, partidos, polícia e empresas. Mas querem ver em seus presidentes, governadores prefeitos, deputados, senadores, partidos, polícia e empresas eficiência e boa fé.

Todos querem democracia.

Mas uma melhor democracia. A entrada no próximo estágio dela.

Uma democracia sem impunidade, por exemplo. Corrupção há no mundo inteiro, mas nos lugares onde há impunidade, corrupção é tudo e somente o que há.

Uma democracia em que os pobres possam não sentir medo de ir para a rua junto com a classe média quando se sentirem no direito – os familiares de Amarildo da Rocinha estão sendo ameaçados de morte e, por favor, me conte se não é rotina, desde sempre, as comunidades pobres do Brasil viverem sob o domínio do medo e da lei do silêncio.

Democracia não consiste apenas em haver eleições diretas.

Da “ditadura militar”, retirou-se, em 1985, apenas a primeira palavra.

Agora é o próximo passo: retirar a segunda.

Termos uma polícia que se chame apenas… polícia. E que essa nova polícia termine com o problema base deste específico ciclo descrito aqui: a impunidade.

Para podermos finalmente cuidar do que é, e sempre será, mais poderoso que a espada.

A pena.

A educação.

O olhar.

A pequena Luiza

seg, 15/07/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, Julho de 2013.

Laranjeiras, noite de julho de 2013. Foto por Dodô Azevedo. Residência do colunista.

 

O ano de 2014 começou em junho de 2013.

Foi o que me veio à cabeça quando uma bomba de gás lacrimogênio chegou até meu apartamento, depois de ser atirada contra a fachada de meu prédio, por soldados da tropa de choque da PM na última sexta-feira, dia 11 de julho. No meu apartamento da rua Paissandú eu abrigava duas vizinhas, uma delas com sua filha, uma criança de um ano e dois meses. A pequena Luiza.

Luiza ainda não aprendeu a falar. Mas já sabe o cheiro do gás lacrimôgenio.

Tanto quanto outros bebês nascidos em favelas ou em famílias recentemente removidas para que instalações sejam construídas para Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.

Luiza já sabe tudo sobre os “Black Blocks”. Assistiu pela janela, intrigada, ao fato deles, armados com pedras, não atirarem nenhuma delas nas janelas dos moradores, nem nos carros em volta. Intrigou-a mais ainda quando o batalhão de choque apareceu, revidando atirando bombas… nas janelas dos moradores e dos carros em volta.

Destas janelas, estes moradores gritavam: “Isso é um absurdo! Isso é ditadura militar!”

Se soubesse falar, a pequena Luiza teria feito uma correção. “Ditadura não. Mas vivemos, sim, um regime militar.”

Numa ditadura, metade dos presos naquela longa noite, registrada nos smartphones pelos moradores de Laranjeiras e divulgadas na Internet, nunca teriam voltado para a casa. Seriam torturados, assassinados e ai de quem reclamasse seus corpos. Em uma ditadura, o povo não estaria nas ruas. Porque, a exemplo do regime resultado do golpe de 64, todo o tipo de corrupção era feito às escondidas, uma vez que todo o tipo de imprensa sofria censura. Isso explica a sensação de alguns, na época, de que o país “ia bem”. Quando os militares se foram, deixaram como herança uma dívida externa paralisante e um estado corrupto. Estamos pagando isso hoje.

Naquela longa noite escura de semana passada a pequena Luiza também ouviu, vindo das ruas, o grito de “Fora Cabral”.

Se pudesse falar, Luiza, uma menina linda e esperta, diria, embora com os olhos e nariz roxos pelo efeito do gás: “Bobagem depor o governador. Se deposto, fica todo mundo feliz e volta pra casa, achando que acabou com toda a corrupção. Ainda coloca-se no poder, automaticamente, o vice-governador. E ainda dá ao atual governador um descanso para refazer sua imagem política e voltar como candidato daqui uns anos.”

Luiza aconselharia: “Não. Vamos deixá-lo no poder e tornar a vida dele difícil, fiscalizar todas as suas ações de perto a partir de agora. Todos os dias na rua. E também para que os eleitores sofram até o fim – quem sabe assim aprendam a votar, ou aprendam, ao menos, as consequências de seu voto.”

É certo que se o Governador Sérgio Cabral estivesse sido impichado no mês passado, não teríamos sabido da farra dos helicópteros do Estado.

É certo também que Luiza teria a mesma opinião sobre a dissolução do congresso e do senado. Assim como ela, uma criança de pouco mais de um ano, que naquela noite aprendeu pela via da irritação e dor das vias nasais, que o brasileiro aprenda também. Que se irrite, que doa em sua consciência o voto que deu.

Um melhor eleitor nasce de irritação e frustrações. E trabalho. De passeatas todos os dias, de vigílias em frente a palácios, residências de gente condenada por corrupção, de ação todos os dias. Não do medo, ou da soberba por uma vitória fácil.

Não varramos nossas crias pra debaixo do tapete. Sim, todos os que estamos protestando contra são nossas crias. Enquanto não entendermos isso, muda-se apenas o protetor de tela do computador, quando é o sistema operacional que precisa ser atualizado.

O impeachment do Presidente Collor foi uma das piores tragédias políticas que pôde acontecer ao país. Imagine o quanto o eleitor brasileiro teria amadurecido se estivesse convivido, se irritado, se frustrado até o fim do mandato com político que ele próprio elegeu com esperanças messiânicas.

Estamos na quinta semana. Hora de decidir se pra nós política é como futebol: se o time vai mal, basta trocar o técnico que tudo bem – salários atrasados, dívidas e corrupção viram problemas do passado… até a próxima rodada.

Em 1941, a garotada do subúrbio de Londres costumava jogar futebol de dedo com as cápsulas de 22 mm atiradas pela Luftwaffe nazista.

A pequena Luiza ainda não sabe o que é futebol.

Por isso, daria uma excelente eleitora.

Flip pra geral

seg, 08/07/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, julho de 2013.

“Flip pra quem?”, perguntava o cartaz de um dos participantes do protesto dos barqueiros que ocorreu nas ruas de Paraty, durante a edição deste ano do evento.

Era uma variação dos já famoso bordão “Copa para quem?”, exibido nas manifestações do mês passado pelo país.

Quando, para humildes trabalhadores, livros entram para a lista de não prioridades do povo – como, ufa, aparentemente entrou o futebol – pensa-se imediatamente: a quem interessa que o povo não dê bola para livros?

Por isso tornou ainda mais importante que a incrível Flip outra festa literária, que começa nesta segunda-feira, no Rio: A Flip-Flupp, que leva autores da Flip para a Penha, subúrbio da cidade.

Leva os autores ao povo.

Em tempos de baixísima popularidade de nosso governador (mesmo com os nossos, meu, seu, do contribuinte, helicópteros transportando-o pelas alturas) e de sua Polícia Militar, falar de UPP tem pegado mal. Mas reconheçamos: não fosse o Estado ocupar áreas que antes não pertenciam a ele, nada de escritores famosos falando de graça no subúrbio de uma cidade como o Rio, que insiste em concentrar seus eventos culturais na Zona Sul.

Quatro anos atrás, teria-se que pedir autorização para o chefe do tráfico. Um dos eventos de lançamento de meu 3º romance aqui no Rio foi na belíssima Biblioteca da Maré. Outro, na genial Biblioteca Parque da Rocinha. Nos dois eventos pude conhecer autores da comunidade que não tinham chance de trocar ideias com escritores do asfalto, e o bate-papo com o público foi mais sofisticado do que os que tive na Zona Sul. Perguntas, respostas; era tudo menos óbvio.

Pegamos essa óbvia mania norte-americana de chamar tudo que é novo de arena. A Arena Dicró é, como o artista homenageado em seu batismo, um barato. Não deve, em nada, a instalações badaladas do centro e Zona Sul da cidade. Os organizadores do evento estão entre o que de melhor existe entre os cariocas. Misturaram os autores internacionais da Flip com escritores brasileiros com o capricho de quem coloca uma fumegante concha de feijão preto por cima do arroz branco.

Nesta segunda-feira, poderá-se ver o Irlandês John Banville, que na Flip cravou: ‘Não dá para misturar arte com política.’ – o que o próprio evento o desmente. Também na programação da segunda, estará presente a americana Lydia Davis, vencedora do Man Booker Prize 2013.

Evolução não foi a Seleção Brasileira ter vencido a Espanha após quase quatro anos sem ganhar de nenhum campeão mundial. Evolução é você ter um vencedor do Man Booker Prize num evento literário no subúrbio de uma cidade brasileira.

O pôr-do-sol da Penha, que nesta época do ano acontece lá para as 17h, é um dos espetáculos mais bonitos que a cidade pode oferecer. É nessa hora que vai falar ‘A musa da Flip’, a franco-iraniana Lila Azam. Quem já a viu ao vivo diz ser ela própria um pôr do sol persa. Então, será uma ótima oportunidade para comparar. Lila mora em Nova York e se especializou no escritor russo Nabokov, famoso por ter escrito Lolita, a mais precisa metáfora para o jovem (para os europeus) e sedutor país que são os Estados Unidos da América. Francesa, iraniana, americana, brasileira: Lila tem feito sucesso com o seu português recém-aprendido e explica, para quem se espanta, que, como Nabokov, Lila quer integrar-se o mais rapidamente possível às novas culturas que conhece.

Quem vai levar “a musa da Flip” para arrematar o lombinho de porco com molho de tamarindo do Original do Brás, ali em Brás de Pina?

Na terça-feira, a programação continua. O francês Laurent Binet,  a quem foi sugerido que escrevesse um livro de ficção ambientado nas manifestações do Brasil, estará com Marcelo Moutinho, a gema do carioca – transita no mundo do samba, desfila pela Império Serrano, colaborador de revistas e cadernos literários por todo o país, e um escritor de primeira, com oito livros publicados. Marcelo não teve boa impressão das manifestações nas ruas do Rio. Sentiu um aroma conservador nelas. Ótima oportunidade para perguntar para os moradores da Penha se eles participaram das manifestações, e por que. Imperdível.

Encerra esta preciosa Flip-Flupp uma mesa com dois dos ensaístas mais importantes do mundo. Geoff Dyer e John Jeremiah Sullivan. Dyer é autor do excelente “Yoga for People Who Can’t be Bothered to Do It” (não publicado no Brasil), uma coleção de textos e pensatas produzidas em trânsito, de um país para o outro. Sobre sentir-se deslocado o tempo inteiro. Defende no livro a ideia de que coisas que acontecem em lugares diferentes, em tempos diferentes, ocorrem, de certa forma, simultaneamente, introduzindo o conceito de Arqueologia do Futuro. Já falou-se neste blog que tudo o que aconteceu no Brasil em junho, aconteceu também, simultaneamente, em Londres, Paris, Síria, Espanha, Grécia e Turquia. As variáveis podem diferir, mas a crise de representação política é a mesma. Um rito de passagem que toda a democracia teve que passar no século 21, e agora chega a vez do Brasil submeter-se às dores do parto.

Mas a graça da Flip-Flup não é tudo o que está descrito neste texto. A graça da Flip-Flup é ser de graça. Ou seja, o seu dinheiro, ao invés de estar indo para construção de estádios que você não vai poder frequentar porque o ingresso é caro demais, foi investido em literatura – a manifestação mais revolucionária que existe. Participar dela então, ainda mais nos dias de hoje, no Brasil, é uma obrigação política.

 

 

 

A quarta semana

qui, 04/07/13
por Dodô Azevedo |

Um espermatozóide fazendo o que sabe fazer de melhor (reprodução)

 

Rio de Janeiro, julho de 2013.

Na quarta semana de gravidez, as células que se dividem sem parar dentro do útero se agrupam em uma bolinha do tamanho de um grão de arroz. Chama-se esse grão de arroz de embrião. A cabeça e a porção caudal se fundem e, a partir de agora, todos os órgãos estão preparados para se desenvolver. Por isso, apenas no final da quarta semana de gravidez um teste pode confirmar se há, de fato, gravidez.

Estamos quase no final da quarta semana desde o início das manifestações de rua que podem ter engravidado país.

Geralmente é na quarta semana de gravidez que aparecem os enjoos, as náuseas. E para-se de sangrar – a menstruação atrasa.

As manifestações, nesta quarta semana, são menores, muito menores.

Embora maiores que um grão de arroz.

As manifestações, nesta quarta semana, estão mais focadas.

Sabe-se mais o que se quer.

Principalmente, sabe-se mais o que não se quer.

Todos os políticos perderam polularidade. Principalmente entre os jovens. Um fenômeno mundial do qual o Brasil não escaparia.

A banda Pixies, depois de nove anos sem lançar uma canção, estreou, nesta quarta semana, uma música inédita. “Bagboy” fala sobre o tipo de vazio, o tipo de malaise, global, que hoje pauta a garotada.

O que acontece quando os jovens ficam com náusea de política? Suspende-se a política?

Até algo menor que de um grão de arroz é impregnado de política.

Quando nasceu a internet, comemorou-se. Mas temeu-se, e teme-se até hoje, o que um território livre, sob o domínio de uma garotada, pudesse engravidar.

Até os defensores da democracia temem a descentralização.

Em seu mais recente filme, o cineasta Paul Thomas Anderson estuda essa triste necessidade humana de submeter-se a um líder. O nome do filme: “O Mestre”.

O filme brasileiro mais visto da história é “Tropa de Elite 2″.

No filme “Tropa de Elite 2″, há uma cena em que o herói do filme espanca um político no meio da rua.

A cena foi aplaudida de pé nos cinemas.

E antecipou tudo o que iria acontecer no mês passado nas ruas do Brasil.

Na primeira semana.

O herói de “Tropa de Elite 2″ é um ex-comandante do Bope que, em uma voz em off, diz que “só entra em favela para matar”.

Na semana passada, a terceira semana, o Bope entrou na favela da Maré e matou 10 pessoas.

Pessoas que foram, algum dia, embriões do tamanho de um grão de arroz.

Todo homem nasce igual – diz o para-choque do caminhão.

O que acontece entre o período de tempo que se é do tamanho um grão de arroz e do tamanho de um morador da Maré, ou soldado do Bope, ou manifestante, ou Presidente da República, é o que importa.

O que importa de verdade é o que acontece a partir da quarta semana.

Liberte-me, por favor

sáb, 29/06/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, junho de 2013.

 

Em 213 A.C., o imprerador chinês Qin Shi Huang ordenou que sua guarda recolhesse das residências de seus súditos todos os livros de filosofia e história. Na Grécia antiga, escrituras judaicas foram apreendidas pelo governo. Na Roma antiga, foi a vez de escrituras cristãs. Do séc. XIII ao séc. XVII, papas ordenaram que fossem apreendidas todas as cópias do Talmud, o livro mais importante do judaísmo. A inquisição espanhola apreendeu e queimou cinco mil manuscritos árabes. Em 1562, os conquistadores ibéricos destruíram todos os textos sagrados da civilização Maia. Em 1640, a bíblia produzida na reforma luterana foi caçada pelos católicos alemães. Em 1920, os comunistas queimaram centenas de milhares de livros que representavam os valores do ocidente. Em 1932, os alemães perseguiram todas as obras que não fossem nacionalistas. Depois da 2a guerra, os americanos apreenderam livros que representassem os valores comunistas. Em 1968, militares brasileiros apreenderam livros que representassem valores socialistas. No Brasil, foi a última vez que os livros, estes suspeitos número um na lista de governos autoritários, foram apreendidos por uma autoridade policial.

Até o último dia 26 de junho.

O livro Mate-me, por favor, escrito por dois jornalistas e que conta a história do movimento punk, foi apreendido pela polícia na casa de um anarcopunk, suspeito de vandalismo na passeata do dia 20 de junho no Rio, junto com objetos como faca, martelos e morteiros. 

Quando um livro é, na visão da autoridade, algo tão perigoso quanto uma faca, ter ideias passa a ser tão fora da lei quanto cometer um homicídio.

Li Mate-me, por favor, umas três vezes. Sou fã do livro. Sou fã de sua principal mensagem: faça você mesmo.

E tudo de bom que aconteceu com o brasileiro, com todos os brasileiros, nestas semanas de ouro, foi que desistiu-se de assistir parado a banda passar.

Decidiu-se fazer-se você mesmo.

Devemos todo o medo de nossos governantes, esse pavor que os fez trabalhar  mais de 6 horas por dia  (como se essa não fosse sua obrigação), que os fez receber representantes da sociedade para ouví-los e se arvorar em apresentar soluções, devemos tudo isso à ideologia… punk.

Não se engane: quando você decidiu ir para a rua, escrever seu cartaz e bradar o seu grito, mesmo que sem violência, e antes ainda da grande midia apoiar o movimento (lembra?), você foi punk.

Fez você mesmo.

Voltando ao caso do livro apreendido pela polícia, como estivéssemos sob o regime militar brasileiro dos anos 60, ou sob a inquisição espanhola, ou na Alemanha de Hitler, hoje não sou eu quem vai combater ignorâncias  - o mal por trás de tudo o que de ruim que a humanidade já protagonizou.

Resolvi chamar um punk para falar.

Larry Antha é vocalista de um grupo de rock alternativo dos anos 90, o Sex Noise, reconhecido e respeitado no underground carioca. Hoje ele é também escritor. Lançou dois livros. ‘Memórias não póstumas de um punk’(2011) e ‘Tropicalismo Selvagem – As memórias não póstumas de um punk na infância’(2012), ambos pela Editora Multifoco. No momento, prepara seu terceiro livro, chamado ‘Dom Josué & seu galo infante na Belle Époque Punk’. Carioca da Zona Oeste. Não a Barra da Tijuca. Da região mais… punk da região. Dei a ele 10 minutos para escrever sobre o livro. Assim, um texto rápido, de supresa, pra ontem, punk:

Vamos lá. Um, dois, três, quatro:

“Um livro que nasceu clássico? “Mate-me por favor (Please Kill Me)”, é uma obra prima. O compêndio de entrevistas, conduzidas com destreza pelos jornalistas Legs McNeil e Gillian McCain, narra o nascimento do punk, vai fundo em suas origens e acompanha o nascimento do The Velvet Underground de Lou Reed e companhia, ainda em 1965, mapeando os primeiros passos da banda. O livro chegou modestamente por aqui e aos poucos foi se tornando um clássico cult.

‘Pô você nunca leu ‘Mate-me por favor’? É demais, cara!’. Volta e meia escuto alguém falando do livro por aí. E acho que é justamente por ser o movimento punk tão diverso e controverso, que o livro acaba se tornando uma obra com frescor que se renova a cada nova geração de aficionados pela então vanguarda da cultura pop.

E o grande barato do livro e poder lê-lo sem seguir uma ordem cronológica. Deixá-lo quietinho num canto da casa e abri-lo de vez em quando em alguma página aleatória, tal qual um livro de autoajuda. E que autoajuda! Imagina saber como se livrar de uma cilada num banheiro sujo de Nova York e descolar a sua ‘onda’ com a pessoa certa/ ou não por aquelas plagas.

O livro vai te envolvendo, e aos poucos você vai descobrindo histórias que tem versões diferentes narradas pelos mesmos personagens, e o que acaba sendo o grande deferencial do livro. As centenas de entrevistas que com personagens reais como Iggy Pop, Patti Smith, Dee Dee e Joey Ramone, Debbie Harry, Nico, Richard Hell e Malcolm MacLaren,  te colocam para dentro das entranhas da cena de Nova York dos anos 70, mostrando porque e como uma pequena cena artística local tomou proporções mercadológicas mudando e definindo padrões estéticos e culturais da cultura pop como a vemos hoje em dia.

Não se engane, a barra era pesada na Nova York cantada por Lou Reed em sua obra mais emblemática; ‘Transformer’ que conta com a clássica canção ‘Walk on the wild side’, citada até por Cazuza e ‘Só as mães são felizes’; “(…) Você nunca ouviu falar em Lou Reed, Walk on the wild side”, que nos transporta para dentro daquela época, e deixa claro que muitas gerações ainda serão marcadas por aqueles dizeres ácidos escritos em letras garrafais na camisa usada por Richard Hell, ex-baixista do Television, com as eletrizantes histórias movidas a overdoses de sexo, drogas e rock and roll. “Mate-me por favor” pelo visto ainda não tem pazo de validade. Nem fronteiras.”

Larry Antha

 

 

 

Feito o esclarecimento, fica o alarme ligado. Estas contrações do parto desta democracia mais madura que viveremos a partir deste inverno vão expor, já estão expondo, a hipocrisia, violência, covardia, oportunismo e ignorância de uma nação até ontem sentada no pudim da fama de povo satisfeito e festivo. Se não examinarmos esta maravilhosa exposição de nossos aspectos mais obscuros perderemos a incrível oportunidade de nascer sem eles.

Portanto, façamos.

Algo aqui

qui, 27/06/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, junho de 2013.

 

Muito está-se ganhando e muito está-se perdendo desde que o brasileiro resolveu ir para as ruas.

Entre os ganhos, este blog destaca uma frivolidade: os comentários dos leitores, tanto deste blog quanto em todas as matérias públicadas no G1, saíram do monotema cariocas versus paulistas, esquerda versus direita.

Discussões que levam pra todos os lados.

Menos pra frente.

Quando fui convidado a abrir este blog, a escrever colunas, adverti-me: prepare-se para estes monotemas nos comentários.

Nos últimos dias, conversei com colunistas e blogueiros de diversos sites. Todos sofriam com este mesmo problema. Todos aliviados agora.

A sensação é de que algo maior uniu vocês.

E de que a era das discussões sobre problemas menores passou.

Este blog agradece.

Rua de palavras.

Voto e veto

ter, 25/06/13
por Dodô Azevedo |

Confira a lista dos deputados que assinaram a favor da tramitação da Proposta de Emenda Contitucional 37, a PEC 37, criada pelo deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) em 2011, e que hoje votaram contra, em plenário.

fonte: https://www.camara.gov.br/

 

ADEMIR CAMILO PDT MG

ALBERTO FILHO PMDB MA

ALEX CANZIANI PTB PR

ALEXANDRE SANTOS PMDB RJ

ALICE PORTUGAL PCdoB BA

ANDERSON FERREIRA PR PE

ANDRE VARGAS PT PR

ANDRÉ ZACHAROW PMDB PR

ANTONIO BULHÕES PRB SP

ANTONIO CARLOS MENDES THAME PSDB SP

ARIOSTO HOLANDA PSB CE

AROLDE DE OLIVEIRA DEM RJ

ARTHUR LIRA PP AL

ASSIS CARVALHO PT PI

ASSIS DO COUTO PT PR

AUGUSTO COUTINHO DEM PE

AUREO PRTB RJ

BENJAMIN MARANHÃO PMDB PB

BIFFI PT MS

CARLOS BRANDÃO PSDB MA

CARLOS ZARATTINI PT SP

CARMEN ZANOTTO PPS SC

CELSO MALDANER PMDB SC

CÉSAR HALUM PPS TO

CLEBER VERDE PRB MA

DAMIÃO FELICIANO PDT PB

DANIEL ALMEIDA PCdoB BA

DAVI ALCOLUMBRE DEM AP

DAVI ALVES SILVA JÚNIOR PR MA

DELEGADO PROTÓGENES PCdoB SP

DEVANIR RIBEIRO PT SP

DIEGO ANDRADE PR MG

DILCEU SPERAFICO PP PR

DIMAS FABIANO PP MG

DOMINGOS DUTRA PT MA

DR. CARLOS ALBERTO PMN RJ

DR. GRILO PSL MG

DR. PAULO CÉSAR PR RJ

DR. UBIALI PSB SP

DUDIMAR PAXIUBA PSDB PA

EDINHO ARAÚJO PMDB SP

EDINHO BEZ PMDB SC

EDIO LOPES PMDB RR

EDSON SILVA PSB CE

EDUARDO CUNHA PMDB RJ

EDUARDO SCIARRA DEM PR

ELIANE ROLIM PT RJ

ERIVELTON SANTANA PSC BA

EUDES XAVIER PT CE

EVANDRO MILHOMEN PCdoB AP

FÁBIO FARIA PMN RN

FABIO TRAD PMDB MS

FELIPE BORNIER PHS RJ

FERNANDO FRANCISCHINI PSDB PR

FRANCISCO ESCÓRCIO PMDB MA

FRANCISCO PRACIANO PT AM

GENECIAS NORONHA PMDB CE

GEORGE HILTON PRB MG

GIVALDO CARIMBÃO PSB AL

GONZAGA PATRIOTA PSB PE

GUILHERME CAMPOS DEM SP

HÉLIO SANTOS PSDB MA

HENRIQUE OLIVEIRA PR AM

HUGO LEAL PSC RJ

IZALCI PR DF

JAIME MARTINS PR MG

JAIR BOLSONARO PP RJ

JANETE ROCHA PIETÁ PT SP

JÂNIO NATAL PRP BA

JÔ MORAES PCdoB MG

JOÃO ANANIAS PCdoB CE

JOÃO ARRUDA PMDB PR

JOÃO DADO PDT SP

JOÃO MAGALHÃES PMDB MG

JOÃO PAULO CUNHA PT SP

JOÃO PAULO LIMA PT PE

JORGINHO MELLO PSDB SC

JOSÉ CARLOS ARAÚJO PDT BA

JOSÉ CHAVES PTB PE

JOSÉ GUIMARÃES PT CE

JOSÉ HUMBERTO PHS MG

JOSÉ NUNES DEM BA

JOSÉ OTÁVIO GERMANO PP RS

JOSÉ ROCHA PR BA

JOSE STÉDILE PSB RS

JÚLIO CAMPOS DEM MT

JÚLIO CESAR DEM PI

LÁZARO BOTELHO PP TO

LELO COIMBRA PMDB ES

LEONARDO MONTEIRO PT MG

LEONARDO QUINTÃO PMDB MG

LEOPOLDO MEYER PSB PR

LILIAM SÁ PR RJ

LÚCIO VALE PR PA

LUIS CARLOS HEINZE PP RS

LUIS TIBÉ PTdoB MG

MANATO PDT ES

MANOEL SALVIANO PSDB CE

MARCELO CASTRO PMDB PI

MÁRCIO MARINHO PRB BA

MAURO LOPES PMDB MG

MENDONÇA FILHO DEM PE

MIGUEL CORRÊA PT MG

MILTON MONTI PR SP

MIRO TEIXEIRA PDT RJ

MISSIONÁRIO JOSÉ OLIMPIO PP SP

NELSON MARQUEZELLI PTB SP

NELSON MEURER PP PR

ODAIR CUNHA PT MG

ONOFRE SANTO AGOSTINI DEM SC

OSMAR JÚNIOR PCdoB PI

OSMAR SERRAGLIO PMDB PR

OTAVIO LEITE PSDB RJ

OTONIEL LIMA PRB SP

PADRE JOÃO PT MG

PAES LANDIM PTB PI

PASTOR MARCO FELICIANO PSC SP

PAULO ABI-ACKEL PSDB MG

PAULO CESAR QUARTIERO DEM RR

PAULO FOLETTO PSB ES

PAULO RUBEM SANTIAGO PDT PE

PAULO WAGNER PV RN

PEDRO CHAVES PMDB GO

PEDRO EUGÊNIO PT PE

PERPÉTUA ALMEIDA PCdoB AC

PROFESSOR SETIMO PMDB MA

RAUL HENRY PMDB PE

RENAN FILHO PMDB AL

RICARDO BERZOINI PT SP

ROBERTO BRITTO PP BA

ROBERTO DE LUCENA PV SP

RODRIGO DE CASTRO PSDB MG

ROSINHA DA ADEFAL PTdoB AL

SABINO CASTELO BRANCO PTB AM

SANDRO ALEX PPS PR

SANDRO MABEL PR GO

SEBASTIÃO BALA ROCHA PDT AP

SÉRGIO MORAES PTB RS

SIBÁ MACHADO PT AC

SILAS CÂMARA PSC AM

STEFANO AGUIAR PSC MG

STEPAN NERCESSIAN PPS RJ

TAKAYAMA PSC PR

TIRIRICA PR SP

VALADARES FILHO PSB SE

VALDIVINO DE OLIVEIRA PSDB GO

VANDERLEI MACRIS PSDB SP

VICENTE CANDIDO PT SP

VITOR PENIDO DEM MG

WALDIR MARANHÃO PP MA

WALNEY ROCHA PTB RJ

WASHINGTON REIS PMDB RJ

WILLIAM DIB PSDB SP

WILSON FILHO PMDB PB

ZÉ GERALDO PT PA

ZECA DIRCEU PT PR

ZEQUINHA MARINHO PSC PA

ZOINHO PR RJ



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