Filmes

qui, 26/09/13
por Dodô Azevedo |
categoria Cinema, Cultura, Rio, Você

Rio de Janeiro, setembro de 2013.

 

 

Vai começar mais uma Festival do Rio de Cinema.

Como o Rock in Rio, um evento já incorporado pela cultura e cotidiano da cidade.

Ou, se preferir, o Rock in Rio de quem ama Cinema.

Este blog frequenta o festival desde que ele era ainda dois: O Rio Cine Festival, criado em 1988, e a Mostra Banco Nacional de Cinema, criada em 1988. Quando essas mostras aconteciam apenas para esse bicho chamado cinéfilo e em cinemas da Zona Sul e ninguém queria saber de filmes brasileiros.

Durante estes anos, este blog viu de tudo: o surgimento de Spike Lee nos anos 1980, e do Spike Jonze nos 2000. A sessão de “Coração selvagem”, no Cine Paissandú, em 1991, quando a plateia foi ao delírio quando o personagem de Nicolas Cage gritou “Lulaaaa!”, na cena final. Viu o próprio Lynch e o próprio Lula perderem seus status de cult (recuperado por Lynch na sessão de “Cidade dos sonhos”, já no século 21). Viu também o nascimento de Jim Jarmusch em 1989. Viu a mostra com todos os filmes de Cassavetes em 1997 e exclamou, maravilhado “Ah, isso já não é nem Cinema mais!”. No ano 2000, viu embasbacado as 4 horas do documentário/aula de Martin Scorsese sobre cinema italiano com “Minha viagem à Itália”. Riu até cair da poltrona na histórica sessão de “Bem-vindo ao vale do silício”, em 1996, que faria Hermes e Renato morrerem de vergonha e que hoje não é achado em VHS, DVD, torrent, em lugar algum. Muitos acham que aquela mítica sessão não existiu, que foi um delírio coletivo. Vai saber. Cinema.

Este blog também não esquece de “Buena Vista Social Club”, da sessão no antigo Espaço Unibanco em 1999, onde as pessoas levantaram e começaram a dançar na plateia, e todos saímos da sessão e fomos comer o frango à cubana do Lamas. Após virar jornalista, este blog começou a cobrir o festival, vendo filmes e correndo para casa para ser o primeiro a publicar na internet a crítica. Viu o surgimento de Lars von Trier e participou da sessão para imprensa, no Odeon às 10 da manhã, em 2003, que vazou para os estudantes da UFF que compareceram em peso e, ao final da projeção, se abraçavam emocionados como se o Cinema tivesse sido salvo naquele momento. Este blog ficou de olho e viu muitas destas pessoas virarem a casaca e dizerem que sempre detestaram Lars von Trier.

Este blog também estava, um ano antes, na sessão de “Irreversível”, de Gaspar Noé, e viu muita gente passando mal, saindo pra vomitar e mulheres chorando na cena do estupro da personagem de Monica Bellucci. Este blog viu um homem passar mal do coração dentro da sala de Cinema, em 2006 e ser internado com um infarto, ao ver cena de um pênis sendo fatiado em quatro, em close, no documentário sobre perversões sexuais chamado “No body is perfect”. E esteve também na histórica sessão de uma meia-noite de chuva no Odeon, onde foi exibido “The brown bunny”, considerado o pior filme da história do festival de Cannes de 2003, em que seu diretor, Vincent Gallo, foi praticamente obrigado a pedir desculpas públicas e anunciou nunca mais voltar a fazer Cinema, e como toda a plateia, achou o filme a coisa mais linda deste mundo.

E, por fim, este blog viu o Cinema Brasileiro dar a volta por cima e virar protagonista do Festival, com o nascimento da Mostra Première Brasil.

E um dos dias mais incríveis da vida deste blog foi no ano passado quando um filme escrito e dirigido por ele foi selecionado para o Festival e de repente aquele espectador que na poltrona se sentia a pessoa mais sortuda do mundo estava num palco, apresentando seu filme para pessoas sentadas na poltrona.

Começa mais um Festival do Rio, e uma das grandes delícias dele é pegar a extensa programação e se programar. Montar sua grade com os filmes que você quer ver. É um dos momentos em que mais se sofre, mas é o que mais sente-se saudade quando o festival se aproxima: é um tal de filme que passa no mesmo horário e você tem que escolhe um dos dois, é um tal de filme que passa do outro lado da cidade 10 minutos após a primeira sessão do dia (sim, porque Festival do Rio se curte vendo pelo menos três filmes por dia, nem que se durma num deles!), de filme que fica preso na alfândega, que libera em cima da hora e os ingressos se esgotam em duas horas. Comprar ou não o passaporte pela internet.

É exagero dizer que o Festival do Rio é o melhor festival do mundo. Mas é. Ele reúne os filmes de Cannes, Sundance, Berlim, Toronto e Veneza. Filme que passa num destes festivais raramente passa no outro. Para ver os filmes que chegam ao Festival do Rio, você que dar a volta ao mundo e num período de 10 meses. Aqui você vê tudo em pouco mais de 10 dias. E muito mais. Tesouros de cinemateca, filmes restaurados, mostras de filmes latinos, de filmes gays, de filmes sessão da meia-noite… É difícil, muito difícil escolher.

Mas este blog já elegeu seus filmes imperdíveis deste ano. E acha gentil compartilhar a lista, à titulo de sugestão.

- “Clear history”, de Greg Mottola. Escrito e estrelado por Larry David, criador da série “Seinfeld” e “Curb your enthusiasm”. Forma com Woody Allen a dupla de gênios judeus observadores do cotidiano. E dirigido pelo autor de “Superbad”, a comédia juvenil mais bacana do séc XXI.

- “Moebius”, Kim Ki-Duk. Porque não se perde filme do coreano Kim Ki-Duk.

- “Heli”, Amat Escalante. Escalante é o diretor mexicano contemporâneo preferido deste blog, que viu Heli em Cannes, este ano. O filme é espetacular, e seria o ganhador da Palma de Ouro se não fosse tão violento (ambienta-se no universo do tráfico de drogas no México, que se comparado faz o do Brasil ser conduzido por traficantes maricas) – Spielberg, esse coração doce, presidente do Júri, dificilmente premiaria um filme com tanta violência.

- “Sacro Gra”, Gianfranco Rosi. Chega ao festival baladadíssimo. Por ser o vencedor do Leão de Ouro em Veneza e por ser o primeiro documentário da história a ganhar o Leão de Ouro em Veneza. Gianfranco Rosi vai atrás das pessoas invisíveis, que engolidas pelo cotidiano, não são vistas pelos outros. Qual foi a última vez que você se irritou com a demora de um caixa de supermercado sem se lembrar que ele é gente como você e que naquele dia ele pode ter perdido a mãe, por exemplo?

- “Mar negro”, Rodrigo Aragão. Filme de terror-gore (com muito sangue) brasileiro, feito nos padrões americanos de filmes de terror gore. O com a maravilhosa ideia de usar elementos da cultura brasileira, seguindo as tradições do mestre Zé do Caixão. Procure o trailer no YouTube, chame os amigos, separe dinheiro para a pipoca e divirta-se.

- “Blue Jasmine”, Woody Allen. Cinéfilos talibãs vivem dizendo que gastar tempo do Festival do Rio vendo filmes que irão entrar em cartaz é desperdício. Bobagem. A eletricidade, a energia que há dentro da sala lotadíssima, principalmente em um filme tão esperado quanto um novo de Woody Allen, é o que serve à alma do cinéfilo verdadeiro. Quer ver filme obscuro em sala vazia? Baixa o torrent e vê sozinho em casa. Cinema é, antes de tudo, uma experiência coletiva. A razão de até hoje existirem salas de cinema.

- “O homem das multidões”, Marcelo Gomes e Cao Guimarães. Porque não se perde filme de Marcelo Gomes. Já se pode dizer, inclusive, que não se perde, são imperdíveis, todos os filmes vindos da cena de Recife, de onde saiu O Som ao Redor, o indicado brasileiro ao Oscar.  Marcelo Gomes é o realizador recifense preferido deste blog.

- “Fading gigolo”, John Turturro. Woody Allen, aos 76 anos, voltado à carreira solo de ator numa comédia: digo solo porque num filme de outra pessoa, no caso o incrível ator John Turturro. Como deve ser dirigir Woody Allen? Como deve ser escrever cenas para Woody Allen representar. Pela coragem de Turturro, e pela sinopse (Allen faz papel de um cafetão!) já valeria. Mas também é um documento histórico.

- “A princesa das ostras”, Ernst Lubitsch. Um Lubitsch de 1919 é equivalente a um vinho do mesmo período. Em versão restaurada, filme de início de carreira de um dos diretores mais sem defeitos da história do Cinema. Deixa a vida acelerada lá fora em entra na sala. Se dê esse presente.

- O Inquilino, Alfred Hitchcock. Também restaurado, Hitchcock raríssimo, também em início de carreira, em película, mil novecentos e goiabada cascão… mas não precisaria nem dizer isso. Só é preciso dizer que é o 1o filme de suspense de toda a carreira do mestre do gênero.

- Bastardos, Claire Denis. Uma das heroínas deste blog. A senhora Claire Denis é dona de um talento bastante inexplicável em realizar filmes que dá ao espectador a vontade de tocar todos os atores e objetos de cena. Só pode ser feitiçaria, não é possível. A banda britânica indie Tindersticks só faz trilha sonora para os filmes dela, tamanha a devoção por seu cinema. Ver este filme em Cannes, este ano, e encontrar pessoalmente com esta senhora foi uma das grandes emoções cinematográficas deste blog.

- Only Lovers Left Alive, Jim Jarmush. Da No Wave, movimento artístico que virou de cabeça pra baixo a modorrenta nova Iorque da virada dos anos 70 para o 80, surgiu, em música, a banda Sonic Youth e, no cinema, Jim Jarmusch. Cinema punk e pós-punk, do faça você mesmo, do menos é mais. De que a elegância esta no despojamento. Este blog perdeu em Cannes esta incursão brejeira de Jim Jarmusch pelo universo dos vampiros porque deixou a França para ir até Barcelona assistir a show da banda do próprio diretor. O blog apostou que o filme viria para o Rio e veio. Capaz de você encontrar este escriba em todas as sessões deste filme.

- “A farra do circo”, Roberto Berliner e Pedro Bronz. Finalmente chega às telas um documentário sobre um dos lugares mais importantes para a cultura de nosso país. O Circo Voador. O documentário de Berliner faz melhor que a encomenda: conta e mostra a formação e a história do Circo desde suas origens no Arpoador. Este blog será aquele que após a première do filme, estará na Lapa, em frente ao bar Arco-íris, com uma cerveja na mão.

- “Vosso Ventre”, Brillante Mendoza. Este filipino, verdadeiro serial-realizador de filmes (12 em 7 anos de carreira!) aparece com este incrível retrato da mulher filipina de classe baixa e seus dilemas com o casamento arranjado, a falta de direitos e os seus próprios direitos e deveres de… amar.

Soma-se aos imperdíveis mais uns 20 filmes e pronto. Adeus praia, adeus sol. É hora da cidade inteira ir ao cinema. O Rio vira, afinal, uma gigantesca cidade pequena do interior, em que coloca-se uma tela de cinema na praça. A cidade se reúne na praça sob as estrelas e, unida, apura o olhar.

Voltamos aqui neste blog durante o festival com plantões que podem ser desde resenhas de filmes até entrevistas com realizadores e dicas de última hora.

Estão convidados também a durante o festival escrever suas próprias resenhas informais e postá-las aqui nos comentários deste post. Será muito útil para os indecisos.

Até já e bons olhares a todos.

Romance

sex, 20/09/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, setembro de 2013.

 

A primeira edição do Rock in Rio, 28 anos atrás

Neste fim de semana termina a 5ª edição do Rock in Rio na cidade do Rio de Janeiro. Faz quase tres décadas que começou o namoro, seguido de casamento, com o evento, a marca, e a cidade. Parte de sua história civil.

E a relação do festival com a história pessoal do carioca? De 1985 pra cá: Cinco edições, cinco empregos? Cinco edições, cinco bairros onde se morou? Cinco Rock in Rios, cinco cortes de cabelo?

Fiz este exercício e descobri que as edições do Rock in Rio marcaram, na minha história, romances.

Sim, romance, essa palavra.

Foram cinco edições, cinco estados civis diferentes.

Que nunca se repetiram.

1a edição, 1985. Cidade do Rock, Jacarepaguá. Não sei se vocês se lembram, mas houve uma época que a Barra ia até ali no BarraShopping só. Dali pra frente, era Jacarepaguá. Hoje, um estranho fenômeno faz as pessoas chamarem tudo além do túnel de ‘Barra da Tijuca’. Logo, logo, o Projac também ficará na Barra da Tijuca. E até o próximo Rock in Rio, chamarão Angra dos Reis, Paraty e até Santos de Barra da Tijuca, esse outro estado civil.

Rock in Rio I – 1985. Estado Civil: Namorando.

Eu ia fazer 15 anos em 1985. Um homem feito. Namorava uma menina da oitava série do colégio Sion. E nosso primeiro beijo havia sido numa festa americana em um playground em Laranjeiras ao som de Carless Whisper, do George Michael, faixa 3 do lado A do LP Hits Of The Moment, da Som Livre, que também trazia AC/DC (Jailbreak), Madonna (Like a Virgin), Culture Club (The War Song), e Alphaville (Big in Japan). As meninas piravam no George Michael – aos 14 anos ninguém desconfiava que ele pirasse era em meninos.

Os ingressos para o dia da banda preferida dela, as Gogo’s, haviam acabdo. Era o dia em que o headliner era o Queen. E que a banda indie da vez e do dia era o B52′s, que estourou nas paradas com os singles Legal Tender e Private Idaho.

Foi quando a loja Mesbla do passeio, no Centro, resolveu fazer com a Levis uma promoção. Compre um jeans e concorra a um ingresso. Juntei todo o dinheiro da semanada e comprei 4 calças. Ganhei o ingresso e a garota. Eu, minha namorada e, claro, nossos pais, fomos ao Rock in Rio que foi com um jeans branco e se deparou um lamaçal bíblico na cidade do Rock. Eu usava um sapato que ela havia pintado, hoje se diz customizado, de amarelo e laranja, com um raio de purpurina dourada no peito do pé. Chiei muito para vestir o sapato e no dia seguinte ele foi direto pro lixo, nem me dei ao trabalho de tirar a lama.

Hoje, minha namoradinha de 1985 é uma artista plástica reconhecida no exterior. Nada do que ela pinta sai por menos de 15 mil dólares.

Rock in Rio II – 1991. Estado Civil: Ficando.

Aos vinte anos a gente só quer saber de ficar. Muitas vezes, inclusive, a gente na prática está namorando, mas publica-se que está só ficando. Rock in Rio no Maracanã, perto de tudo, sem a necessidade do perrengue épico que é ir e voltar da Barra da Tijuca. Outra vantagem: no país da impunidade, da vantagem, não só havia uma quantidade muito maior de cambistas no entorno do estádio: havia também uma espécie de coiotes, que pelo equivalente a cinco reais te mostravam em que ponto do muro externo do Maracanã você poderia pular e entrar sem problemas.

Ela era metaleira. Estava louca pelos shows do Guns N’ Roses. Eu mal podia esperar pelos Happy Mondays. Afinal, os escuros anos 80 haviam chegado ao fim e a década de 90 trouxe a promessa de uma nova música, uma nova cultura e uma nova droga. Respectivamente, os integrantes da banda trouxeram, diz a lenda, o primeiro carregamento de ecstasy puro para o Brasil. Isso eu não sei. O que sei foi o show que vi, na chuva, de madrugada, para um Maracanã vazio, 300 cabeças no máximo, ninguém puro, e a chuva batia na pele e a sensação era maravilhosa. Não lembro muito desta edição do Rock in Rio. A única coisa a mais que lembro foi que Prince e, para supresa de todos, George Michael, fizeram dois dos melhores shows da história do festival.

A mocinha, metaleira. Ninguém queria ficar com ela. Vestia umas roupas largas e se comportava como um menino.  Tudo para proteger um corpo belíssimo e uma feminilidade frágil e macia como a carne de um crustáceo. Era sensível, chorava à toa. E tinha mania de tomar banhos longos. Tinha mais prazer e passava mais horas comprando cremes, sabonetes especiais, aromas e sais de banho do que sapatos. Me ensinou o prazer dos longos banhos de banheira a dois. Alguns meses depois, juntei todo o meu primeiro salário como jornalista, entrei numa joalheria e comprei um anel com uma pequena esmeralda na ponta. Ela chorou três dias e três noites quando recebeu o presente. A partir daí, emburrou num mau-humor terrível. Em 1992 já estávamos separados.

Meses atrás, ela, casada e com filho, me encontrou na noite de lançamento de meu último livro e disse, baixinho para o marido não ouvir, que guarda o anel até hoje.

Rock in Rio III – 2001. Estado Civil: Enrolado.

Quando dez anos depois o Rock in Rio voltou para a Barra da Tijuca, entendi que o épico percurso de ida e volta do festival faz parte de seu charme. Não é só um festival de Rock. É uma peregrinação. Eu tinha 30 anos e estava enrolado com a menina mais bonita da cidade. Uma menina, vinte anos. A primeira vez que a vi foi no meio da pista da Casa da Matriz, em pé, na frente de um maramanjo que estava ajoelhado chorando em público pedindo para ela não ir embora. Todas as pessoas que eu conhecia eram apaixonadas por essa mocinha de vinte anos, nome e ascendência espanhola, nascida e criada em Santa Teresa, solta como uma gata vira-lata ou uma bonequinha de luxo. Aos vinte, já tinha partido o coração de metade dos homens da cidade: de garotos da idade dela até ex-professores da faculdade de 40, 50 anos. Era o que o Zeca Pagodinho chama até hoje em seus sambas de ‘chave de cadeia’.

Mas como a gente não pode ver algo quebrado que imediatamente quer consertar, mandei cartas de amor escritas à mão até conseguir o primeiro encontro, duas semanas antes do festival. Vimos juntos o primeiro show do R.E.M. no Brasil e, principalmente, o que é considerado o melhor show da história do Rock in Rio: as quase quatro horas de show do Neil Young para uma Cidade do Rock com a metade da lotação – porque a maioria foi para ver Dave Matthews Band e já havia ido embora. “Você é como um furacão, há calma em seus olhos”, repeti a letra de Neil, ao vivo, olhando nos olhos calmos daquela menina endiabrada.

Ainda não era dia quando chegamos na casa da família dela em Santa Teresa. Todos dormiam. Com leveza e naturalidade, ela tirou toda a roupa e me convidou para ficar em pé no jardim, e tomar banho de uma lua gorda que gritava do céu. E ficar quieto, escutando o som da noite. Isso a pacificava. Na manhã seguinte, começei a tratá-la com um mau-humor invencível. Terminamos quando ela tentou com que eu fizesse mudar o meu hábito de ir dormir todos os dias ao amanhecer. Ela era do dia. Ela era do sol. Ela era da saúde. A gota d’água foi quando me acordou às 7 da manhã com café da manhã na cama e ao invés de bacon ela havia preparado granola.

Tornei a vê-la cinco anos depois. Pulamos o carnaval juntos no Bloco do Bafo da Onça, na avenida Rio Branco, o único carnaval do centro-zona sul que ainda não foi invadido pelos malditos hipsters. Acabamos dormindo juntos em meu apartamento. Acordei-a com um café da manhã na cama. Fiz granola. Ela caiu na gargalhada. Somos amigos até hoje.

Mas continuo indo dormir só quando amanhece.

Rock in Rio VI – 2011. Estado Civil: Casado.

Aos quarenta eu estava casado há três anos com uma produtora de cinema de 25 anos e 14 tatuagens. Foi o primeiro Rock in Rio transmitido ao vivo, na íntegra, pela tevê. Um senhor pedido para ficar em casa e aposentar-se do festival. Mas havia um Stevie Wonder no line up. Não seria meu primeiro nem meu segundo show do sujeito. Mas não seria o último. Enquanto Wonder tocar e eu estiver por perto, não faltarei. Ela, fã de Los Hemanos, não curtia nada do que foi escalado para os palcos. Fui ver o Stevie sem ela, com amigos. Foi ótimo, mas nos pontos altos do show eu sentia falta de minha esposa. Certas coisas só fazem sentido quando você divide com quem você ama. Eu adorava estar casado. Não era meu primeiro casamento. Passei a década casando. Adorava montar casa, escolher cor de parede, conhecer novos sogros, sogras e cunhados. Ainda sou fã.

Mas, como diz o próprio Stevie Wonder, ‘não adianta basear a sua vida nas expectativas dos outros’.  E esse é o Santo Graal dos casamentos.

Ainda estou a procura do Santo Graal.

Rock in Rio V- 2013. Estado Civil: Solteiro.

Meu primeiro Rock in Rio solteiro. Tem sua graça. Mas não chega a encantar. Principalmente na hora do sofá, de ver ao vivo na tevê, e comentar, fazer piadas internas de casal, essas coisas que a gente vê os solteiros fazendo com os outros no Facebook e no Twitter. O próximo Rock in Rio está previsto para 2015. Tenho, portanto, dois anos para arrumar um outro estado civil, alguém que até, veremos, um dia me faça acordar cedo e comer granola e administrar meus trigliceridios, embora eu esteja me sentindo no momento um pouco casado é com vocês. Sim, vocês, leitores. Eu escrevo uma nova coluna e nos comentários a gente meio que se ama, briga, faz as pazes, tudo o que há num bom casamento.

Por isso, releve o tom confessional que o fim de mais uma edição do Rock in Rio despertou neste blog.

É que certas coisas só fazem sentido quando você divide com quem você ama.

O homem que dança

seg, 16/09/13
por Dodô Azevedo |

Em 2001, quando estreou o desenho animado Shrek, correu-se para comemorar a vitória do ogro, do homem sem frescura, sobre o que na época se chamava de a “ameaça metrossexual”. No fundo, toda mulher gosta mesmo é do macho que peida e arrota na mesa – dizia o filme. No fundo, dizia o filme, toda mulher gosta mesmo é de um macho sem perfume, e sem perfumarias, como, por exemplo, saber dançar.

Na madrugada desta segunda-feira, as mocinhas que assistiram à 3a noite de shows do Rock in Rio suspiraram por Justin Timberlake e seu jeito de dançar. Imediatamente lembraram, após 12 anos de reeducação para não só aceitar, mas gostar de homens simples, sem suingue, que o que gostam mesmo é do homem que… leva jeito pra coisa.

Não é força, é jeito. Para ser Homem com o tal agá maiúsculo reivindicado pelos ogros do séc. XXI é preciso levar jeito. É preciso talento pra ser Homem. A música negra norte-americana, onde Justin Timberlake recebeu sua educação sentimental, ensina isso em todas as suas letras. Quase todos os refrões do soul e do R&B são metáforas para o sexo feito com jeito. “I love it when we’re cruisin’ together”, “Come on, come on, let’s get it on”, “I wanna rock with you all night.” – O próprio termo Rock and Roll, quando criado, queria dizer exatamente aquilo que você está pensando.

Nesse sentido, a apresentação de Justin Timberlake foi até agora o grande show de rock and roll do Rock in Rio 2013.

Não o rock, ou sexo, feito por obrigação ou rotina (o macho, o novo ogro do séc XXI adora uma rotina), não naquilo feito assim de qualquer jeito. Esse movimento ogro do séc XXI  foi uma muito bem aplicada mutreta machista que deu salvo conduto a todos os homens para que não precisassem mais se ocupar em agradar mulher. Benefício malandramente nunca dado a elas.

Às moças não foi dado o direito a ser Fionas.

Porque Fionas não são.

No fundo, não.

Me perdoe a rapaziada que frequenta o baile charme do viaduto de Madureira, que como Justin Timberlake, já sabe disso tudo.

Me perdoem meus companheiros de cerveja de garrafa dos bailes de samba e gafieira do Clube Democráticos, na Riachulelo. Os que já sabem que mulher se tira pra dançar. Que o que mulher quer é sentir que pode confiar sua cintura à condução de um dançarino que dê ritmo ao descompasso de seus passos nessa vida.

Me perdoem os que já sabem que mulheres são todas muito diferentes entre si, e que querem coisas misteriosas. Os que respeitam esse mistério e correm atrás deles sem ter medo de rebolar quando preciso. Que ao invés de impor a elas um “é isso aí: vai ter que cheirar os meus peidos ou então aguentar esses metrossexuais que estão por aí.”, propõem, sugerem outra coisa. Minhas sinceras desculpas aos que já sabem que o verbo não é impor, é propor. E propor a única coisa não misteriosa e comum ao desejo de todas as mulheres do mundo:

Parceria.

Porque não há nada mais sexy do que um parceiro talentoso.

Justin Timberlake, molhando calcinhas com seus falsetes, rebolados e passos cheios de suingue, trouxe o sexy de volta.

O que teve de macho imediatamente reclamando na internet das manifestações das moças durante o show, não esteve nem no gibi “A morte do Super-homem”.

Enquanto isso, o homem que dança as lembrava de algo há muito esquecido.

A diferença entre um Macho e um Homem.

Foto: Flávio Moraes/G1

Êxodo

sáb, 07/09/13
por Dodô Azevedo |

San Pedro de Atacama, Chile, setembro de 2013.

 

Deserto do Atacama - Foto por Sophia Reis.

 

No ano de 380, o cristianismo passou a ser a religião oficial do Imperio Romano. Perseguidos por séculos, os cristãos puderam relaxar. Já os que queriam vivenciar o seu batismo de forma mais radical, partiam para o deserto.

Não escolhi passar o 7 de setembro no deserto do Atacama. Vim a trabalho. Mas se pudesse escolher, teria vindo mesmo assim. Nos últimos três meses, fomos todos ungidos disso que levou o brasileiro às ruas. Comentei aqui, logo no início, quando ainda não havia black blocs ou mídia ninja, que achava tudo muito bonito e natural. Eram as contrações do parto de uma nova democracia.

Nosso planeta formou-se incrível desta forma por conta das convulsões e erupções acontecidas milhões de anos atrás. Daqui olho pro horizonte e vejo um deles, o majestoso Licancabur, de 6 mil metros. Vejo também o céu mais estrelado que já vi na vida. E experenciei, hoje à tarde, a caminho da cratera Impacto Monturaqui, um silêncio maior que a vida. A provável voz divina.

Ela pareceu dizer que vai ficar tudo bem.

Moro, como vocês sabem, nas redondezas do Palácio da Guanabara. E como vocês também sabem, já recebi dentro de minha sala, no terceiro andar, uma bomba de gás lacrimogêneo, atirada da rua pelos agentes do governo que elegemos para nos proteger. Barulho tem sido o meu melhor amigo: todos os atos contra o governador do Rio passam pela minha casa. Observo a todos eles como se fosse um viajante no tempo que pudesse assistir a uma das erupções que milhões de anos atrás ajudaram a que nosso planeta fosse inoculado com vida.

Agora há as manifestações marcadas para sete de setembro. Já não há mais aquela adesão da classe média, que colocou um milhão de pessoas na Av. Presidente vargas naquele junho inesquecível.

Há porém, os black blocs e ninjas, querendo viver o seu batismo de forma mais radical.

Meu pai foi da Marinha. Quando veio o AI-5, se desencantou com o serviço militar e virou um esquerdista em chamas. Curiosamente, fez o movimento contrário ao que se verifica – pessoas envelhecem e viram de direita. Todo dia me liga perguntando como faz para clicar no link da midia-ninja.

Embora de esquerda, meu pai me levava a todos os desfiles militares quando eu era criança. Em plena ditadura militar. Embora ele fosse o que se chamava na época de subversivo, e hoje de terrorista, dava pra ver o orgulho que ele tinha quando via o Corpo da Marinha passar marchando. Até hoje faz impecavelmente a própria cama, como o serviço militar ensina. Mas não pode ouvir falar em Jair Bolsonaro.

Hoje é o sete de setembro mais interessante dos últimos anos.

E eu aqui, teclando olhando para um vulcão adormecido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É a minha forma de batismo radical.

Hijab

ter, 03/09/13
por Dodô Azevedo |

Rio de Janeiro, Setembro de 2013.

Um exercício: pensar durante 30 segundos em mulheres muçulmanas que usam véu e aquela roupa toda que cobre o corpo, dos pés a cabeça.

Outro exercício: pensar durante 30 segundos em mulheres brasileiras, muçulmanas, que usam véu e aquela roupa toda que cobre o corpo, dos pés a cabeça, aqui no Rio de Janeiro, cidade em que o culto ao corpo é, na verdade, a religião oficial.

Após assistir “Hijab – Mulheres de véu”, filme do cineasta brasileiro Paulo Halm, em cartaz no Rio a partir de sexta-feira (6), jogue no lixo tudo o que você pensou nos últimos 60 segundos.

O documentário acompanha o cotidiano de seis mulheres muçulmanas que frequentam a discreta sociedade muçulmana do Rio de Janeiro.

Assista ao trailler aqui.

Marcela é professora; Jamile, socióloga; Patrícia, historiadora; Zahreen, agricultora; Jamila, advogada e Maria, engenheira. Com exceção de Jamila, cuja família é de origem palestina, todas são convertidas (ou revertidas) por identificação com o Alcorão, o modo de vida e a cultura de países muçulmanos.

E são todas belas. De uma beleza que se revela aos poucos. Por causa do véu, quase nunca vemos seus cabelos, seus seios, suas cadeiras, suas pernas. Somos forçados a concentrar em seus olhos, suas bocas, seus narizes, o jeito de falar, o jeito de sorrir, suas ideias, seus humores, os olhos.

Mas o que leva uma mulher brasileira a decidir se cobrir com um véu?

“As pessoas acreditam que o véu existe para reprimir a mulher. Pelo contrário. Não foi um preceito do Profeta Maomé. Judeus e cristãos já tiveram que usar véus, como se vê em imagens de santas e da própria Virgem Maria. A diferença é que ainda usamos. É uma proteção”, conta Jamila, a advogada.

Hijab – o termo que descreve o véu islâmico – é uma palavra árabe que significa cobertura, proteção.

Que mulher não gostaria de, ao invés de ser escrava de barrigas negativas, pernas finas, bundas sem celulite, seios com próteses e ter o menor número de ideias possível, conquistar alguém por seus pensamentos, seu jeito de falar e seu olhar?

Paulo Halm, roteirista consagrado pelo já clássico “Pequeno Dicionário Amoroso”, deixa a palavra com as mulheres. É do encantador dom delas com as palavras que cada pré-conceito convicto à respeito do mundo muçulmano é doce, bem humorado e muito claramente desmentido.

As últimas vezes, por exemplo, que no Rio de Janeiro viu-se a bandeira da Palestina, foram nas passeatas partidárias dos últimos meses e nas arquibancadas, dentro das principais torcidas organizadas de Vasco e Flamengo. Mas a verdadeira relação da Palestina ou de sua causa com os Cariocas é o filme que nos dá.

A explicação dada pelas mulheres do filme à respeito da poligamia – permitida pelo Islã e vista como o fim da picada machista pelos ocidentais  - faz um sentido desconcertante. Nosso tapete mágico, onde flutuamos acima de nossas hipocrisias, nos achando as mais corretas criaturas sobre a terra, é puxado na hora.

Nos dez primeiros minutos de filme, você sequer imagina estar no Rio de Janeiro. A direção de arte trabalha obsessivamente com tons de terra, e a cor azul, tão cara para um povo que foi criado onde água é ouro, aparece apenas uma vez, em um contexto praticamente filólogo.

“Hijab” já valeria só para descobrir um Rio de Janeiro que parece, o tempo inteiro, a cidade do Cairo, ou um Líbano improvável.

Também descobrimos no filme, por exemplo, que a maioria das cariocas muçulmanas são tijucanas.

Como ser tijucano não fosse também uma vocação religiosa.

Embora o maior mérito do filme seja revelar o cotidiano da mulher do Islã sem procurar compará-lo e afirmá-lo sobre o de outras religiões, é impossível não parar e repensar convicções.

E que cineasta não gostaria de fazer um filme que fizesse o espectador repensar convicções?

E que espectador não gostaria de ver um filme que, finalmente, o fizesse repensar convicções?

No obrigatório “Léxico Português de Origem Árabe – subsídios para estudos de filologia” (Editora Amáldema), escrito pelo professor João Baptista Vargens, vemos que a palavra “tarefa” (tar˜iha(t)) é, como tantas de nosso idioma, de origem árabe. Hijab também.

A partir desta sexta, nos cinemas, há uma tarefa obrigatória para o fim de semana.

Crédito da foto:  Andrea Nestrea/Divulgação

 

 



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade