Filmes
Rio de Janeiro, setembro de 2013.
Vai começar mais uma Festival do Rio de Cinema.
Como o Rock in Rio, um evento já incorporado pela cultura e cotidiano da cidade.
Ou, se preferir, o Rock in Rio de quem ama Cinema.
Este blog frequenta o festival desde que ele era ainda dois: O Rio Cine Festival, criado em 1988, e a Mostra Banco Nacional de Cinema, criada em 1988. Quando essas mostras aconteciam apenas para esse bicho chamado cinéfilo e em cinemas da Zona Sul e ninguém queria saber de filmes brasileiros.
Durante estes anos, este blog viu de tudo: o surgimento de Spike Lee nos anos 1980, e do Spike Jonze nos 2000. A sessão de “Coração selvagem”, no Cine Paissandú, em 1991, quando a plateia foi ao delírio quando o personagem de Nicolas Cage gritou “Lulaaaa!”, na cena final. Viu o próprio Lynch e o próprio Lula perderem seus status de cult (recuperado por Lynch na sessão de “Cidade dos sonhos”, já no século 21). Viu também o nascimento de Jim Jarmusch em 1989. Viu a mostra com todos os filmes de Cassavetes em 1997 e exclamou, maravilhado “Ah, isso já não é nem Cinema mais!”. No ano 2000, viu embasbacado as 4 horas do documentário/aula de Martin Scorsese sobre cinema italiano com “Minha viagem à Itália”. Riu até cair da poltrona na histórica sessão de “Bem-vindo ao vale do silício”, em 1996, que faria Hermes e Renato morrerem de vergonha e que hoje não é achado em VHS, DVD, torrent, em lugar algum. Muitos acham que aquela mítica sessão não existiu, que foi um delírio coletivo. Vai saber. Cinema.
Este blog também não esquece de “Buena Vista Social Club”, da sessão no antigo Espaço Unibanco em 1999, onde as pessoas levantaram e começaram a dançar na plateia, e todos saímos da sessão e fomos comer o frango à cubana do Lamas. Após virar jornalista, este blog começou a cobrir o festival, vendo filmes e correndo para casa para ser o primeiro a publicar na internet a crítica. Viu o surgimento de Lars von Trier e participou da sessão para imprensa, no Odeon às 10 da manhã, em 2003, que vazou para os estudantes da UFF que compareceram em peso e, ao final da projeção, se abraçavam emocionados como se o Cinema tivesse sido salvo naquele momento. Este blog ficou de olho e viu muitas destas pessoas virarem a casaca e dizerem que sempre detestaram Lars von Trier.
Este blog também estava, um ano antes, na sessão de “Irreversível”, de Gaspar Noé, e viu muita gente passando mal, saindo pra vomitar e mulheres chorando na cena do estupro da personagem de Monica Bellucci. Este blog viu um homem passar mal do coração dentro da sala de Cinema, em 2006 e ser internado com um infarto, ao ver cena de um pênis sendo fatiado em quatro, em close, no documentário sobre perversões sexuais chamado “No body is perfect”. E esteve também na histórica sessão de uma meia-noite de chuva no Odeon, onde foi exibido “The brown bunny”, considerado o pior filme da história do festival de Cannes de 2003, em que seu diretor, Vincent Gallo, foi praticamente obrigado a pedir desculpas públicas e anunciou nunca mais voltar a fazer Cinema, e como toda a plateia, achou o filme a coisa mais linda deste mundo.
E, por fim, este blog viu o Cinema Brasileiro dar a volta por cima e virar protagonista do Festival, com o nascimento da Mostra Première Brasil.
E um dos dias mais incríveis da vida deste blog foi no ano passado quando um filme escrito e dirigido por ele foi selecionado para o Festival e de repente aquele espectador que na poltrona se sentia a pessoa mais sortuda do mundo estava num palco, apresentando seu filme para pessoas sentadas na poltrona.
Começa mais um Festival do Rio, e uma das grandes delícias dele é pegar a extensa programação e se programar. Montar sua grade com os filmes que você quer ver. É um dos momentos em que mais se sofre, mas é o que mais sente-se saudade quando o festival se aproxima: é um tal de filme que passa no mesmo horário e você tem que escolhe um dos dois, é um tal de filme que passa do outro lado da cidade 10 minutos após a primeira sessão do dia (sim, porque Festival do Rio se curte vendo pelo menos três filmes por dia, nem que se durma num deles!), de filme que fica preso na alfândega, que libera em cima da hora e os ingressos se esgotam em duas horas. Comprar ou não o passaporte pela internet.
É exagero dizer que o Festival do Rio é o melhor festival do mundo. Mas é. Ele reúne os filmes de Cannes, Sundance, Berlim, Toronto e Veneza. Filme que passa num destes festivais raramente passa no outro. Para ver os filmes que chegam ao Festival do Rio, você que dar a volta ao mundo e num período de 10 meses. Aqui você vê tudo em pouco mais de 10 dias. E muito mais. Tesouros de cinemateca, filmes restaurados, mostras de filmes latinos, de filmes gays, de filmes sessão da meia-noite… É difícil, muito difícil escolher.
Mas este blog já elegeu seus filmes imperdíveis deste ano. E acha gentil compartilhar a lista, à titulo de sugestão.
- “Clear history”, de Greg Mottola. Escrito e estrelado por Larry David, criador da série “Seinfeld” e “Curb your enthusiasm”. Forma com Woody Allen a dupla de gênios judeus observadores do cotidiano. E dirigido pelo autor de “Superbad”, a comédia juvenil mais bacana do séc XXI.
- “Moebius”, Kim Ki-Duk. Porque não se perde filme do coreano Kim Ki-Duk.
- “Heli”, Amat Escalante. Escalante é o diretor mexicano contemporâneo preferido deste blog, que viu Heli em Cannes, este ano. O filme é espetacular, e seria o ganhador da Palma de Ouro se não fosse tão violento (ambienta-se no universo do tráfico de drogas no México, que se comparado faz o do Brasil ser conduzido por traficantes maricas) – Spielberg, esse coração doce, presidente do Júri, dificilmente premiaria um filme com tanta violência.
- “Sacro Gra”, Gianfranco Rosi. Chega ao festival baladadíssimo. Por ser o vencedor do Leão de Ouro em Veneza e por ser o primeiro documentário da história a ganhar o Leão de Ouro em Veneza. Gianfranco Rosi vai atrás das pessoas invisíveis, que engolidas pelo cotidiano, não são vistas pelos outros. Qual foi a última vez que você se irritou com a demora de um caixa de supermercado sem se lembrar que ele é gente como você e que naquele dia ele pode ter perdido a mãe, por exemplo?
- “Mar negro”, Rodrigo Aragão. Filme de terror-gore (com muito sangue) brasileiro, feito nos padrões americanos de filmes de terror gore. O com a maravilhosa ideia de usar elementos da cultura brasileira, seguindo as tradições do mestre Zé do Caixão. Procure o trailer no YouTube, chame os amigos, separe dinheiro para a pipoca e divirta-se.
- “Blue Jasmine”, Woody Allen. Cinéfilos talibãs vivem dizendo que gastar tempo do Festival do Rio vendo filmes que irão entrar em cartaz é desperdício. Bobagem. A eletricidade, a energia que há dentro da sala lotadíssima, principalmente em um filme tão esperado quanto um novo de Woody Allen, é o que serve à alma do cinéfilo verdadeiro. Quer ver filme obscuro em sala vazia? Baixa o torrent e vê sozinho em casa. Cinema é, antes de tudo, uma experiência coletiva. A razão de até hoje existirem salas de cinema.
- “O homem das multidões”, Marcelo Gomes e Cao Guimarães. Porque não se perde filme de Marcelo Gomes. Já se pode dizer, inclusive, que não se perde, são imperdíveis, todos os filmes vindos da cena de Recife, de onde saiu O Som ao Redor, o indicado brasileiro ao Oscar. Marcelo Gomes é o realizador recifense preferido deste blog.
- “Fading gigolo”, John Turturro. Woody Allen, aos 76 anos, voltado à carreira solo de ator numa comédia: digo solo porque num filme de outra pessoa, no caso o incrível ator John Turturro. Como deve ser dirigir Woody Allen? Como deve ser escrever cenas para Woody Allen representar. Pela coragem de Turturro, e pela sinopse (Allen faz papel de um cafetão!) já valeria. Mas também é um documento histórico.
- “A princesa das ostras”, Ernst Lubitsch. Um Lubitsch de 1919 é equivalente a um vinho do mesmo período. Em versão restaurada, filme de início de carreira de um dos diretores mais sem defeitos da história do Cinema. Deixa a vida acelerada lá fora em entra na sala. Se dê esse presente.
- O Inquilino, Alfred Hitchcock. Também restaurado, Hitchcock raríssimo, também em início de carreira, em película, mil novecentos e goiabada cascão… mas não precisaria nem dizer isso. Só é preciso dizer que é o 1o filme de suspense de toda a carreira do mestre do gênero.
- Bastardos, Claire Denis. Uma das heroínas deste blog. A senhora Claire Denis é dona de um talento bastante inexplicável em realizar filmes que dá ao espectador a vontade de tocar todos os atores e objetos de cena. Só pode ser feitiçaria, não é possível. A banda britânica indie Tindersticks só faz trilha sonora para os filmes dela, tamanha a devoção por seu cinema. Ver este filme em Cannes, este ano, e encontrar pessoalmente com esta senhora foi uma das grandes emoções cinematográficas deste blog.
- Only Lovers Left Alive, Jim Jarmush. Da No Wave, movimento artístico que virou de cabeça pra baixo a modorrenta nova Iorque da virada dos anos 70 para o 80, surgiu, em música, a banda Sonic Youth e, no cinema, Jim Jarmusch. Cinema punk e pós-punk, do faça você mesmo, do menos é mais. De que a elegância esta no despojamento. Este blog perdeu em Cannes esta incursão brejeira de Jim Jarmusch pelo universo dos vampiros porque deixou a França para ir até Barcelona assistir a show da banda do próprio diretor. O blog apostou que o filme viria para o Rio e veio. Capaz de você encontrar este escriba em todas as sessões deste filme.
- “A farra do circo”, Roberto Berliner e Pedro Bronz. Finalmente chega às telas um documentário sobre um dos lugares mais importantes para a cultura de nosso país. O Circo Voador. O documentário de Berliner faz melhor que a encomenda: conta e mostra a formação e a história do Circo desde suas origens no Arpoador. Este blog será aquele que após a première do filme, estará na Lapa, em frente ao bar Arco-íris, com uma cerveja na mão.
- “Vosso Ventre”, Brillante Mendoza. Este filipino, verdadeiro serial-realizador de filmes (12 em 7 anos de carreira!) aparece com este incrível retrato da mulher filipina de classe baixa e seus dilemas com o casamento arranjado, a falta de direitos e os seus próprios direitos e deveres de… amar.
Soma-se aos imperdíveis mais uns 20 filmes e pronto. Adeus praia, adeus sol. É hora da cidade inteira ir ao cinema. O Rio vira, afinal, uma gigantesca cidade pequena do interior, em que coloca-se uma tela de cinema na praça. A cidade se reúne na praça sob as estrelas e, unida, apura o olhar.
Voltamos aqui neste blog durante o festival com plantões que podem ser desde resenhas de filmes até entrevistas com realizadores e dicas de última hora.
Estão convidados também a durante o festival escrever suas próprias resenhas informais e postá-las aqui nos comentários deste post. Será muito útil para os indecisos.
Até já e bons olhares a todos.