Por Sabrina Rocha, g1 AM


Parte do lago do Puraquequara e local onde funcionava porto principal estão tomados por lama e mato.

Parte do lago do Puraquequara e local onde funcionava porto principal estão tomados por lama e mato.

Apesar da abundância de recursos hídricos no Amazonas na maior parte do ano, o acesso à água potável tem sido um dos maiores desafios para os pescadores e trabalhadores da região do lago do Puraquequara, em Manaus, durante a seca severa que afeta o Rio Negro em 2024.

Os pescadores e donos de estabelecimentos, como restaurantes e mercearias, que funcionam em flutuantes - construção de madeira sustentada por boias que flutuam em rios, estão atuando em uma marina provisória, localizada a 3 km do porto principal do bairro, que hoje está seco, tomado por mato e lama. A mudança, além de impactar no cotidiano dos trabalhadores, também afeta as atividades econômicas exercidas por eles, já que dificulta o acesso de clientes até o local.

A marina provisória, organizada pelos próprios trabalhadores da região, foi montada em um dos trechos mais profundos, conhecidos como "poços fundos", cujo o nível das águas mede entre 4 e 7 metros de profundidade, mesmo durante a estiagem. Apesar de distante, o ponto é o mais viável para atracar flutuantes e embarcações.

Para conseguir água potável, é preciso ir até a zona urbana de Manaus. Os barqueiros navegam pelos estreitos canais do lago até um ponto onde pequenas embarcações ainda conseguem atracar, depois caminham por um longo trecho até o local onde compram galões de água e fazem todo o mesmo trajeto de volta para revendê-los à comunidade que atualmente vive e trabalha na marina provisória.

O lago do Puraquequara não tem medição própria. Ele é formado pelo Rio Negro, que desde o início de setembro secou, em média, cerca de 22 centímetros por dia. Na terça-feira (1º), o nível do rio foi medido em 13,05 metros, 35 centímetros acima da cota mais baixa já registrada em 121 anos de monitoramento, que foi de 12,70 metros.

Imagem Matheus Castro/g1 Imagem Sabrina Rocha/g1 AM
— Foto 1: Matheus Castro/g1 — Foto 2: Sabrina Rocha/g1 AM

Ao g1, o dono de um restaurante que funciona em um flutuante no lago Puraquequara, Severino Moreira, de 72 anos, explicou que, no momento, o transporte de água em galões até a marina foi a solução encontrada por eles. Entretanto, ele ressaltou que logo os próprios trabalhadores devem fazer uma encanação de água, que funcionará temporariamente, para atender as necessidades básicas da comunidade.

"A gente liga uma borracha que desce aqui pra servir todo mundo e fazer a comida, porque essa aqui não tem condições", afirmou.

Ao g1, a concessionária Águas de Manaus, responsável pela distribuição de água tratada na capital amazonense, informou que atua apenas na zona urbana de Manaus e que o Puraquequara não é uma região atendida pela empresa e que segue à disposição para novas ações de apoio às famílias impactadas pela seca.

Em nota, a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman) informou que a comunidade Puraquequara será contemplada com rede de abastecimento de água tratada já a partir de 2025, como parte das ações de universalização do serviço.

Severino Moreira, dono de um restaurante que funciona em um flutuante no Puraquequara. — Foto: Sabrina Rocha/g1 AM

No momento da entrevista, Severino aguardava a chegada de outros barqueiros que tinham saído para buscar água potável. Cada um recebeu um galão de 20 litros para cozinhar e suprir o básico. "Pra fazer a comida aqui, pra eu, a mulher e alguns que chegam", destacou.

Pescador há 20 anos, Idenilson Ramos, também relatou dificuldade em ter acesso à água potável. Morador do bairro Colônia Antônio Aleixo, na Zona Leste de Manaus, ele e a família tiveram que mudar momentaneamente para um dos "poços fundos" do lago Puraquequara para sobreviver enquanto durar a seca.

"A gente tem que se virar, às vezes pega água ali onde doam pra gente ou de outros colegas que têm cacimba [poço artesanal] e assim vai se virando nessa estiagem".

Na estiagem, o acesso limitado à água potável tem levado ao aumento do preço do produto, já que o transporte do recurso depende de outros custos logísticos, como o preço do combustível usado para ir até a zona urbana. Segundo José Ribamar, um pescador que trabalha no lago Puraquequara e mora na região, o preço de 1l de água que antes custava em torno de R$ 5, hoje, durante a estiagem, está no valor R$ 8, um aumento de quase 60%.

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Pescador Idenilson Ramos deve ficar pelos próximo quatro meses atracado no lago Puraquequara por conta da seca. — Foto: Sabrina Rocha/g1 AM

Seca pode durar mais alguns meses

Historicamente, as águas do Rio Negro costumam voltar ao nível de normalidade entre os meses de janeiro e fevereiro. A expectativa dos trabalhadores da região é de que, nos próximos meses, o fenômeno se repita e eles consigam retornar para o antigo porto.

Ao g1, o também barqueiro José Ribamar também adiantou que a previsão é que nas próximas semanas, o cenário mude completamente com a vazante.

Além disso, o tempo para chegar aos pontos de pesca mais distantes, como aquele conhecido como "cabeceira grande", aumentou significativamente. Um percurso que leva em torno de 1h, no momento mais crítico da seca, passa a somar 3h, sendo 1h de caminhada.

"Já é quarta seca que eu presencio, mas eu acho que desse ano vai ser pior do que no ano passado. O rio tá descendo muito rápido. Eu já não consigo deixar minha lancha no porto, tenho que deixar na outra marina que está a três quilômetros de onde era o ponto principal", revelou.

Assim como na seca histórica de 2023, pescadores e comerciantes têm sofrido prejuízos. Severino Moreira também relatou que precisou mover o flutuante para a "nova" marina, mas que já enfrenta dificuldades.

"Agora com a seca eu tive que descer o flutuante lá do porto e já fiquei encalhado, tá pra cair. A gente empurra todo dia pra ir acompanhando a água, mas agora vai ficar na terra", disse.

Severino explicou que com a mudança do flutuante de lugar, tantos os moradores, quanto visitantes, deixam de frequentar o espaço por conta do difícil acesso e a tendência é que piore. "Vai parar tudo", afirmou.

A mudança também é notada ao longo do lago Puraquequara, que em determinados trechos já apresenta os grandes "pedrais" que surgem com a baixa do rio.

Outro cenário de Manaus que já está sendo mudado pela estiagem é a orla da cidade. Bancos de areia estão surgindo no meio do rio, forçando as embarcações a se afastarem e ficarem cada vez mais longe do local onde costumavam atracar, próximo à via pública.

A situação impacta tanto os visitantes que chegam de barco à capital quanto os trabalhadores, que precisam percorrer longas distâncias a pé.

Nível do Rio Negro

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Seca Rio Negro 2024 — Foto: William Duarte/Rede Amazônica

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De acordo com o monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (SGB), o Rio Negro começou o mês de setembro medindo 19,78 metros. Desde então, o rio já desceu 6,05 metros em 27 dias. O órgão aponta ainda que o Rio Negro está em estado crítico de vazante.

Veja como foi a descida no nível do Rio Negro em setembro de 2023 e 2024:

Nível do Rio Negro - Setembro e outubro (2023 e 2024)
Fonte: Porto de Manaus
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