Estudo aponta bairros de Maceió que podem ser afetados pelo afundamento do solo — Foto: Reprodução
Desde 2018, cerca de 14 mil imóveis em cinco bairros de Maceió precisaram ser desocupados por conta do afundamento do solo causado pela mineração feita por décadas pela Braskem. Um estudo feito por pesquisadores de quatro universidades brasileiras aponta o quanto outros bairros da capital alagoana também podem ser afetados em termos ambientais, econômicos e sociais (veja listas abaixo).
O estudo foi realizado por professores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Universidade de Brasília (UNB). O trabalho divide os bairros em quatro níveis de vulnerabilidade: bairros mais vulneráveis, bairros vulneráveis, bairros com vulnerabilidade moderada e bairros com baixa vulnerabilidade.
A desocupação das regiões atingidas pelo afundamento do solo transforma áreas inteiras em "bairros fantasmas", o que causa impactos econômicos, ambientais, sociais e de mobilidade urbana nesses locais.
Além dos bairros afetados diretamente pela mineração, outras regiões são afetadas ou têm risco de serem, principalmente por causa da migração dos cerca de 60 mil moradores que foram obrigados a deixar suas casas e se mudar para outras regiões.
"Os bairros para os quais houve migração já possuíam grandes desigualdades. Com a migração, esses bairros ficaram com os aparelhos públicos ainda mais sobrecarregados. Soma-se a isto problemas de mobilidade urbana, segurança, saneamento e saúde adequados para a população, educação, atividades econômicas, entre outras questões que podem ser verificadas como reflexo da vulnerabilidade à subsidência", explica Natallya Levino, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
Moradores obrigados a abandonar suas casas nos bairros estão afundando levaram janelas, portas e até telhados, deixando ruínas para trás — Foto: Valmir Inácio/TV Gazeta
O trabalho foi feito com base numa análise GIS - multicritério, que é uma abordagem que combina um sistema de informação geoespacial com método de apoio a decisão multicritério.
"Essa combinação permite visualizar e compreender o contexto espacial dos problemas analisados, facilitando a avaliação de suas criticidades e apoiando intervenções práticas no campo. As análises multicritério consideram múltiplos critérios, integrando dados espaciais e não espaciais, para apoiar a tomada de decisão, sendo estes dados ambientais, sociais e econômicos. Dessa forma, pudemos verificar espacialmente as vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais dos bairros depois do processo de subsidência", explica Natallya.
Por meio de nota, a Braskem afirmou que está implementando o Plano de Ações Sociourbanísticas (PAS), um conjunto de 48 ações que visam mitigar, reparar ou compensar os efeitos da desocupação do Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol (leia a nota na íntegra ao final do texto).
Em nota ao g1 AL, a Defesa Civil informa que o artigo trata da relação de vulnerabilidade social e econômica, quando mais de 14 mil famílias tiveram que deixar as suas casa. O órgão descarta que a atividade de mineração ainda provoque o afundamento da área.
O órgão ainda afirma que é o único que possui a legitimidade para apontar os limites do mapa onde ocorre o processo de deslizamento (leia a nota no final do texto).
A Braskem extraía sal-gema do solo de Maceió. O minério é utilizado para a confecção de materiais como PVC e soda cáustica. Em dezembro de 2023, uma das minas de extração colapsou parcialmente, o que agravou a situação. Antes de colapsar, a Defesa Civil recomendou que mais imóveis fossem desocupados. Um hospital na região precisou ser evacuado às presas. Ainda há moradores que vivem o dilema de sair de suas casas ou viver em perigo de afundamento do solo.
O estudo tem o objetivo de contribuir para a identificar e mitigar os impactos do afundamento do solo, fornecendo uma base científica para a implementação de medidas preventivas e gerenciamento de riscos.
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Além de Natallya, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Ufal), integram o estudo os pesquisadores Wesley Oliveira, do curso de Engenharia de Produção (Ufal/Penedo), Amanda Rosa (UFPI), Marcele Fontana (UFPE) e Patrícia Guarnieri (UnB).
O grupo agora se dedica a dois outros estudos. Um sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais do rompimento da mina 18 na atividade de pesca e mariscagem da população ribeirinha da Lagoa do Mundaú. O outro irá avaliar as opções de reassentamento dos deslocados ambientais, vítimas da mineração que não estão satisfeitos com os acordos feitos até o momento.
"Maceió afunda em lágrimas!" foi pintada em rua do bairro do Pinheiro, em Maceió — Foto: Mayra Costa
Confira o risco para cada bairro
Bairros mais vulneráveis
- Bebedouro
- Bom Parto
- Farol
- Gruta de Lourdes
- Mutange
- Pinheiro
- Ponta Grossa
- Vergel do Lago
Bairros vulneráveis
- Antares
- Feitosa
- Fernão Velho
- Riacho Doce
- Rio Novo
- Santa Amélia
- Trapiche da Barra
Bairros com vulnerabilidade moderada
- Clima Bom
- Garça Torta
- Ipioca
- Pescaria
- Pontal da Barra
- Prado
Bairros com baixa vulnerabilidade
- Barro Duro
- Canaã
- Chã de Bebedouro
- Chã da Jaqueira
- Cidade Universitária
- Cruz das Almas
- Jacarecica
- Jacintinho
- Jardim Petrópolis
- Levada
- Pitanguinha
- Ponta da Terra
- Santa Lúcia
- Santo Amaro
- Santos Dumont
- São Jorge
- Serraria
- Tabuleiro do Martins
Os pesquisadores não conseguiram atribuir um nível de vulnerabilidade aos bairros Jaraguá, Jatiúca, Mangabeiras, Pajuçara e Ponta Verde, por isso eles ficaram fora do estudo.
Nota da Defesa Civil
A Defesa Civil informa que após análise técnico-científica minuciosa do artigo, o órgão entende que o mesmo descreve uma situação de vulnerabilidade social e econômica que impactaram outros bairros da capital, por consequência do êxodo que ocorreu nos cinco bairros atingidos pelo afundamento do solo. Isso descarta a possibilidade de que esses mesmos bairros possam ser atingidos pelo processo de subsidência em decorrência da mineração.
O órgão aponta ainda que possa ter havido má interpretação diante da subjetividade dos critérios que foram utilizados para a realização do estudo.
A Defesa Civil reforça que é o único órgão com legitimidade para apontar os limites dos Mapas de Linhas de Ações Prioritárias, que delimita até onde ocorre o processo de afundamento.
Nota da Braskem
A Braskem está implementando o Plano de Ações Sociourbanísticas (PAS), um conjunto de 48 ações – acordadas com as autoridades e construídas após escutas da comunidade – que visam mitigar, reparar ou compensar os efeitos da desocupação de trechos dos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol. O orçamento custeado pela Braskem para o PAS é de R$ 198 milhões, atualizado anualmente. Parte das ações será implementada pela companhia e outra pelo Município de Maceió.
O PAS está organizado em quatro eixos de atuação: políticas sociais e redução de vulnerabilidades; atividade econômica, trabalho e renda; qualificação urbana e ambiental; e preservação da cultura e memória. As ações abrangem, principalmente, o entorno das áreas desocupadas e os bairros para onde as famílias se mudaram e incluem a construção e/ou reforma de escolas, mercados públicos, praças e unidades de saúde e assistência social, além de ações e programas nas áreas cultural, social, econômica e urbanística, e iniciativas que visam fortalecer o município na prestação de serviços públicos.
A adoção dessas e de outras medidas nas frentes social, ambiental e sociourbanística está prevista no Acordo Socioambiental, assinado em dezembro de 2020 pelo Ministério Público Federal (MPF) e Braskem, com a participação do Ministério Público Estadual (MPE) e adesão do Município de Maceió.
Na frente ambiental, já está em execução o projeto de recomposição da vegetação e monitoramento da fauna em área de manguezal, na região da Lagoa Mundaú. Na frente sociourbanística, além das ações previstas no PAS, a Braskem segue realizando as obras de mobilidade urbana, com a construção, ampliação ou recuperação de 33,4 quilômetros de vias; implantação de quase 37 quilômetros de calçadas acessíveis e ciclovias, entre outras.
O Acordo Socioambiental e outros quatro acordos principais celebrados com autoridades federais, estaduais e municipal, e homologados pela Justiça, abrangem outras medidas, a exemplo da realocação preventiva e compensação financeira das famílias; apoio a animais; zeladoria nos bairros; monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal; integração urbana e desenvolvimento da comunidade dos Flexais; e indenização ao Município de Maceió.
Todas as ações estão embasadas em estudos técnicos, seguem em implantação e são fiscalizadas pelos órgãos competentes.