Géssica Oliveira foi morta por policiais durante perseguição na BR-317 em dezembro do ano passado — Foto: Arquivo pessoal
Após sete meses de investigação, a Polícia Civil concluiu o inquérito sobre a morte da enfermeira Géssica Melo de Oliveira, de 32 anos, e indiciou os policiais militares Cleonizio Marques Vilas Boas e Gleyson Costa de Souza por homicídio qualificado, na forma tentada e consumada, e fraude processual.
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Os policiais foram presos horas após a morte de Géssica, no dia 2 de dezembro de 2023. Em fevereiro deste ano, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) decidiu pela prisão domiciliar dos policiais militares. Além disto, ambos também foram liberados para trabalhar em funções administrativas.
Veja abaixo o indiciamento de cada um:
- Cleonizio Marques Vilas Boas - indiciado por homicídio qualificado por recurso que impossibilitou a defesa da vítima, por motivo fútil e fraude processual
- Gleyson Costa de Souza - indiciado por tentativa de homicídio qualificado por recurso que impossibilitou a defesa da vítima, por motivo fútil e fraude processual
O inquérito policial foi concluído nesta segunda-feira (17) e foi presidido pelo delegado Rômulo Barros. "Eles plantaram aquela arma no local do crime para acusar e justificar a conduta criminosa a qual tiveram, de matar a enfermeira, mãe de três filhos, de 3, 6 e 9 anos, que nunca mais terão o carinho da mãe. É um absurdo que policiais militares usem o aparato do Estado para matar pessoas", pontuou o advogado da família da enfermeira, Walisson dos Reis Pereira.
O advogado destacou que vai se reunir com o Ministério Público Estadual (MP-AC) para elaboração da denúncia. "O que a família e a sociedade agora precisa é que sejam condenados e expulsos da corporação, que não pode aceitar em seu quadro assassinos vestidos de policiais. Vamos entrar com uma ação de indenização contra o Estado do Acre", argumentou.
Géssica furou um bloqueio policial, no dia 2 de dezembro de 2023, em Capixaba, foi seguida por uma viatura da Polícia Militar, que pediu reforço ao Gefron e a Polícia Rodoviária Federal (PRF-AC), até a cidade de Senador Guiomard, onde terminou a perseguição. Segundo a família, a enfermeira sofria de distúrbios psicológicos e tomava remédios controlados. Ela morreu após ser baleada durante a perseguição na BR-317.
Géssica Melo foi morta por tiros de fuzil durante perseguição policial no Acre
Na época, a coordenação do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) informou que um policial da equipe viu a motorista com uma arma nas mãos e atirou em direção ao carro na tentativa de pará-lo. Após os disparos, nas proximidades da entrada do Ramal da Alcoolbrás, a enfermeira perdeu o controle do veículo, entrou em uma área de mata e bateu o carro em uma cerca.
Após a morte, a polícia divulgou ter achado uma pistola 9 milímetros jogada próximo do local do acidente. A arma é de uso restrito das forças armadas. A família negou que a arma encontrada fosse de Géssica.
Durante as investigações, ficou comprovado que a arma encontrada no local do acidente não pertencia à vítima e nem possuía seu DNA.
O carro da enfermeira foi atingido por, ao menos, 13 tiros de fuzil durante a perseguição. Isso é o que apontou o laudo pericial criminal feito pelo Departamento de Polícia Técnico-científica anexado na investigação do Ministério Público Estadual (MP-AC). De acordo o laudo, foram utilizados dois fuzis com calibres 762 e 556, sendo o calibre 556 o que atingiu o maior número de vezes o veículo da enfermeira.
Um dos disparos efetuados do fuzil 762 foi responsável por matar a enfermeira. O tiro atingiu o carro, transfixou a estrutura e feriu Géssica.
"A vítima Géssica Melo de Oliveira foi morta por uma perfuração de arma de fogo produzida por um projétil de fuzil calibre 762, de altíssima energia, que transfixou a vítima. Este projeto é compatível com o fuzil calibre 762 apreendido com o senhor Cleonizio Marques Vilas Boas", aponta o processo.
O MP-AC também instaurou um procedimento investigatório criminal para apurar possível crime de homicídio doloso que teria sido praticado pelos militares. A investigação ocorreram independentemente da apuração das corregedorias das polícias Civil e Militar.
Laudo pericial mostra que veículo foi atingido 13 vezes por tiros de fuzil — Foto: Reprodução
O que diz o inquérito
Conforme o inquérito policial, as armas dos policiais foram apreendidas e enviadas para a perícia. Três dos tiros que atingiram o carro foram efetuados por Gleyson Costa de Souza e três por Cleonizio Marques Vilas Boas. Um dos tiros disparados por Cleonizio atingiu Géssica, que perdeu o controle do carro e entrou na área da fazenda.
“Durante todo o trajeto, exceto no momento em que foi abordada no posto fiscal de Senador Guiomard, a vítima permaneceu com a porta e vidros fechados", diz o inquérito.
Ainda segundo o processo, após a enfermeira parar o veículo, os policias do Gefron foram os primeiros a desembarcar e fazer a contenção da área onde o carro tinha parado. Logo depois chegaram as demais viaturas.
Os policiais do Gefron quebraram o vidro traseiro e do lado da motorista, retiraram a enfermeira e um PRF prestou os primeiros socorros. O policial rodoviário federal relatou aos colegas que Géssica estava sem pulso e a ambulância foi acionada.
Enquanto isso, a vítima foi colocada dentro da viatura do Gefron, na parte de trás, e levada para o hospital de Senador Guiomard. No trajeto, a equipe encontrou a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e entregou a enfermeira aos cuidados da equipe.
Após deixarem a vítima com o Samu, os policiais do Gefron voltaram para o local do acidente e acionaram outra guarnição para acompanhar a enfermeira no hospital.
Segundo o processo, ao chegar no local do acidente, o policial Cleonizio Vilas Boas avisou aos policiais rodoviários federais que iria se aproximar da área isolada para procurar um telefone que havia perdido, ‘momento em que implantou a arma de fogo’.
“Após a chegada da perícia, a área foi devidamente isolada e os trabalhos periciais iniciaram, tendo sido encontrada a suposta arma de fogo utilizada pela Géssica, a qual, ao final, foi demonstrado ter sido implantada no local”, destaca a investigação.
Segundo a perícia, um policial do Gefron se aproximou do perito, que coletava as provas no local, e falou ter visto uma arma de fogo na mão da motorista e que era para procurar próximo ao carro.
Depoimentos
Ao todo, a Polícia Civil ouviu 18 policiais, entre militares do Gefron, de Senador Guiomard e Capixaba e da Polícia Rodoviária Federal, quatro testemunhas e dois trabalhadores que atuavam em uma obra na estrada na época da perseguição.
Na maioria dos depoimentos, os envolvidos falaram sobre o início da perseguição, após Géssica furar uma blitz em Capixaba, e a perseguição com as equipes policiais. Na época, duas equipes do Gefron estavam envolvidas.
Apenas os policias do Gefron alegaram que a vítima estava armada. O carro de Géssica foi perseguido inicialmente pela PM de Capixaba, depois por duas viaturas do Gefron, uma equipe da PRF e outra da PM de Senador Guiomard.
Imagens mostram início da perseguição à enfermeira que morreu baleada pela polícia no Acre
Durante o acompanhamento, a viatura do Gefron composta pelos policiais indiciados e um terceiro PM ultrapassou o carro da PM de Capixaba e ficou mais próximo do carro da vítima. Em depoimento, o Cleonizio Vilas Boas alegou que ‘viu uma mão saindo com uma arma, momento em que gritou: ‘uma, uma arma’.
Ele negou que a vítima tivesse atirado, mas seguiu afirmando ter visto uma arma na mão da vítima. O sargento Gleyson Costa de Souza também gritou e o militar disparou três vezes e o colega duas vezes.
O sargento Gleyson disse em depoimento que Géssica estava viva e reclamava de dor quando a equipe policial chegou no carro. Ele também alegou ter visto a vítima com uma arma na mão, ainda durante a perseguição, mas não soube especificar em qual mão.
O terceiro policial que ocupava a viatura do Gefron afirmou que os disparos começaram depois de Cleonizio gritar ter visto uma arma com a vítima. Ele disse que viu ‘algo para o lado de fora’ do carro em determinado momento. A equipe da PRF negou ter visto Géssica com uma arma de fogo.
Os policiais envolvidos na perseguição afirmaram que não sabiam que o carro era conduzido por uma mulher.
O g1 entrou em contato com a defesa dos policiais e aguarda retorno.
Fraude processual
A investigação do MP-AC já havia concluído indícios do crime de homicídio doloso, com intenção de matar, aliado ao crime de fraude processual, após os policiais inserirem uma pistola no local do ocorrido, dizendo pertencer à vítima.
A fraude processual também ficou evidenciada pelo fato de os familiares da vítima terem demonstrado não haver qualquer indícios de que houve capotamento no veículo da enfermeira, o que foi comprovado pela perícia.