Decisão afasta bônus regional da Ufac para estudantes — Foto: Asscom Ufac
Uma nova decisão da Justiça Federal manteve o bônus regional de 15% na pontuação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para estudantes que cursaram o ensino médio no estado do Acre. O juiz da 1ª Vara da Justiça Federal do Acre, Wendelson Pereira Pessoa, negou o argumento do autor da ação, que apontava a bonificação como inconstitucional.
Ao analisar o mérito do caso, o magistrado reconheceu a medida como necessária para atenuar disparidades educacionais entre as regiões do país e negou que houvesse equivalência a um caso em que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a reserva de vagas. O caso em questão diz respeito ao bônus regional na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
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Pessoa ressaltou que embora seja necessário ter atenção com medidas que firam o princípio da isonomia ou que provoquem igualdades entre cidadãos, o argumento não se aplica ao caso do bônus regional ou a qualquer medida afirmativa no âmbito da educação pública. Não se deve levar em conta apenas o desempenho nas provas – no caso, no Enem -, mas também devem ser considerados fatores com cor da pele e realidade educacional, na avaliação do juiz.
“Mais uma vez: enxergar as notas globais obtidas pelos alunos no ENEM como fotografia do empenho individual dos alunos que se submetem àquela prova é recusar a prevalência das variáveis socioeconômicas e culturais naqueles resultados. Se alunos de Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Santa Catarina sempre obtêm as melhores notas, ao passo que Acre, Pará, Maranhão, Amapá e Amazonas obtêm as piores, não é porque aqueles se empenham mais, mas porque desfrutam de panorama mais favorável”, afirmou na decisão.
Por fim, o juiz considerou improcedentes os argumentos do autor da ação, Caio Augustus Camargos Ferreira. O g1 entrou em contato com a defesa de Ferreira e não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
A decisão cabe recurso, e Pessoa também determinou que a Ufac crie um comitê de acompanhamento da aplicação do bônus regional, que deverá fazer avaliações periódicas para saber se a medida impede a concorrência de estudantes de outros estados.
“A instituição do argumento de inclusão regional foi precedida de cuidadosa avaliação da realidade educacional local, bem como do impacto da evasão dos estudantes migrantes, quando egressos, na preservação da escandalosamente baixa relação médico-habitantes neste estado”, acrescentou.
Evasão de profissionais
Outro ponto abordado na decisão é a evasão de profissionais do estado do Acre, causada pela grande quantidade de estudantes de outras regiões que buscam se formar na Ufac. O magistrado argumenta que a baixa nota de corte principalmente no curso de Medicina da Ufac tornou o curso o centro do debate em torno do bônus, já que estudantes dos outros estados veem nesse fato uma oportunidade de garantirem vaga.
Porém, segundo Pessoa, ao passo que estudantes acreanos são a minoria nas turmas do curso de medicina, os estudantes de outros estados não permanecem no Acre após se formarem. Com isso, o estado acaba sofrendo com a evasão de médicos formados em seu território. De acordo com pesquisa do Conselho Federal de Medicina, o Acre tem pouco mais de 1,5 mil médicos ativos, sendo um dos estados com menos profissionais no país.
A análise corresponde a um dos argumentos da reitora da Ufac, Guida Aquino. Após uma decisão anterior da Justiça Federal que derrubou o bônus regional, Guida afirmou que a instituição iria buscar o reestabelecimento da bonificação, que considera uma ferramenta de combate à desigualdade social e de redução na evasão de médicos.
“Antes do bônus do curso de Medicina, não tínhamos quase nenhum aluno que cursou o ensino médio no nosso estado. Hoje, a realidade é diferente. Mais de 50% foram alunos aqui no nosso estado, e é isso que nós queremos. Incluir”, afirmou em vídeo publicado em uma rede social.
Estudantes protestam
Estudantes que se preparam para ingressar na Ufac pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) ficaram preocupados com a decisão do TRF1 que havia derrubado o bônus regional. À época, um grupo chegou a criar uma página para organizar mobilizações a favor da bonificação, e já reuniu mais de 700 seguidores até este domingo (21).
A preocupação é compartilhada por Kerolaynny Neri, de 19 anos, que se prepara para tentar uma vaga no curso de Medicina da Ufac. Para ela, o bônus significa um apoio em seu sonho, já que, em sua avaliação, o ensino em outros estados tem maior qualidade que o local, o que representa vantagem para estudantes de fora que tentam vagas na universidade acreana.
"A retirada do bônus dificulta cada vez mais o meu ingresso na universidade, já que a minha única alternativa, e de muitos outros estudantes, é a Ufac. A maior parte dos estudantes acreanos não possui condições de ir estudar em outro estado e muito menos de pagar a mensalidade de uma faculdade privada", destaca.
Ainda segundo Kerolaynny, a derrubada da bonificação regional pode significar ainda a perda de profissionais no estado. Ela considera que muitos estudantes que buscam ingressar em instituições acreanas, não permanecem no estado depois de formados.
'"Sob essa ótica, a retirada dele proporcionará um desfalque na saúde acreana, já que a maioria dos formandos que vieram de outro estado retornarão para ele, e o Acre ficará com poucos médicos", afirma.
Questionamentos
O bônus regional foi adotado pela Ufac em 2018. Segundo a universidade, foi feito um estudo de viabilidade para a adoção da medida, e atende à necessidade de reforçar o compromisso de responsabilidade social da Ufac em relação à formação acadêmica e intelectual da sociedade acreana.
A bonificação para estudantes do Acre já foi alvo de várias ações na Justiça Federal. No mês de abril de 2023, o estudante paraibano César Lima Brasil conseguiu uma liminar que derrubou a bonificação, após se inscrever para vaga no curso de medicina como beneficiário da modalidade, mesmo sem ter direito. Em maio, a Justiça Federal cassou a liminar. No mês de julho, foi a vez de um estudante de Goiás questionar o bônus após se inscrever nesta modalidade e conseguir uma liminar que considerou o acréscimo ilegal.
Em ambos os casos foi argumentado que o bônus cria desigualdade e não é previsto na Lei de Cotas, o que o tornaria ilegal. O g1 tirou algumas dúvidas sobre o que é o bônus e como funciona.