qui, 26 dezembro 2024

Crítica | Um Homem Diferente

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Em Um Homem Diferente (A Different Man), acompanhamos Edward (Sebastian Stan), um aspirante a ator que passa por um intenso e inédito procedimento para transformar sua aparência. Porém, o rosto dos sonhos logo se transforma em pesadelo, à medida que a sua identidade é colocada em jogo, fazendo ele não conseguir o papel para o qual nasceu para desempenhar, passando a ficar obcecado em recuperar o que foi perdido.

2024 foi o ano em que o cinema de horror foi agraciado com obras que refletem nas insaciáveis buscas pela perfeição, longevidade e boa autoestima a partir de obras curiosas que utilizam com sabedoria uma base convencional do terror para desenvolver, a partir de suas respectivas premissas, narrativas que supervalorizam as próprias ideias, a ponto de transformar uma receita já conhecida pelo gênero em um prato caprichado nas especiarias e na ousadia de procurar inovar com o já visto anteriormente e até com o arriscado. Love Lies Bleeding, Sorria 2 e A Substância (talvez o mais poderoso dessa seleção) nos entregaram com soberba maestria a mistura de um bom body terror e as consequências de ações provenientes da tal procurar pelo mais e pelo melhor, tal como acontece com Edward, o complexo e, provavelmente, mais interessante personagem que Sebastian Stan protagonizou em sua carreira (afastando-o definitivamente das sombras da Marvel Studios), no recente thriller da querida A24, Um Homem Diferente, filme este que, tal como os da lista anterior, se tem muito a dizer em um curto espaço de tempo, mas o faz com sabedoria.

É novidade para ninguém que o longa-metragem roteirizado e dirigido por Aaron Schimberg tenha sido inspirado nas condiçoes do ator Adam Pearson, que tem neurofibromatose (doença genética que ocasiona o desenvolvimento de vários tumores nos nervos) e é um grande ativista da causa, tendo já trabalhado com o cineasta em Chained for Life (2018). Deixando de escanteio o óbvio, que seria uma abordagem melodramática da condição do personagem Edward (Sebastian Stan) e sua luta diante de uma sociedade que o rejeita ou finge se importar, Schimberg desconstrói o drama, abraça de maneira ousada a ideia de explorar uma fictícia possibilidade para reverter a doença que desfigura o rosto de seu personagem e transforma suas novas experiências graças à aparência mudada em uma alusão a como pessoas se interessam pelo “diferente” somente por status ou para espetacularizá-lo.

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Imagem: A24/Reprodução

É dessa hipócrita espetacularização que vem a personagem Ingrid, interpretada por Renate Reinsve (A Pior Pessoa do Mundo), escritora e roteirista de teatro que transforma a sua breve convivência com Edward, antes de seu procedimento, em um espetáculo teatral, onde é dramatizada todas as dores e até pessoalidades do personagem, a ponto de maldosamente encantar ao próprio e a Oswald (Adam Pearson incrível, mostrando uma atuação descontraída e leve, porém repleta de significados em suas entrelinhas), um homem que também porta a mesma condição do protagonista, que chega como um quase oposto deste. O fato é que Um Homem Diferente prefere não entregar de bandeja ou ressaltar constantemente que tanto Edward quanto Oswald são vítimas do puro interesse humano pelo diferente, deixando o público lidar com os absurdos mostrados no decorrer da narrativa, revelando uma face aterradora da realidade onde o mundo se importa com a finalidade de expor estar fazendo algo importante. Decisão essa curiosa e que reflete a coragem da produção em inserir temas delicados que envolvem visibilidade, políticas anti-bullying e até questões existencialistas em um thriller com generosas doses de horror e comédia de erros.

Há uma escancarada, e até desvergonhada, intenção por parte da fotografia (assinada por Wyatt Garfield) de Um Homem Diferente de impactar através de imagens focalizadas na aparência de Edward, o que potencializa uma estética diferenciada ao filme, que procura chocar através de um terror mais estético principalmente levando em conta as escassas, porém primorosa, sequências de horror corporal. O inteligente uso de imagens, cortes e movimentos de câmera que procuram explorar todo o perímetro até finalmente encontrar o seu foco, assim como planos mais centralizados principalmente nos rostos de seus personagens, agregam grande valor à estética do longa, ainda mais quando estabelecem uma curiosa união com a trilha sonora melancólica (Umberto Smerilli) de instrumentos de cordas, que trazem uma sensação de desconforto e de que algo estranho estará prestes a acontecer.

Imagem: A24/Reprodução

A condução do deterioramento mental do personagem Edward e sua obsessão pelo que ele acha que Oswald lhe tomou, somada à toda uma problemática interna referente a identidade e autoconhecimento, se permite levar para uma crítica cujo a amálgama entre o cômico e a tragédia e perceptível e utilizada de forma magistral. É louvável a escolha de não se estender para contextualizar seus argumentos, indo direto ao ponto, até por vezes de maneira abrupta, mas sem que o filme perca o ritmo. Mesmo com a metragem de 1 hora e 55 minutos e com muito a se dizer, Um Homem Diferente consegue desenvolver em seu tempo as temáticas abordadas, principalmente a crítica levantada a respeito da escassez de oportunidades para pessoas com síndromes semelhantes às de Adam Pearson e como a sociedade segue enxergando tal grupo com um olhar de pena e injustiça que procura ofuscar sua real hipocrisia.

Um Homem Diferente consegue surpreender pela ousadia, inventividade, estética e por ostentar um elenco afiado, onde Adam Pearson, Renate Reinsve e, principalmente, Sebastian Stan brilham em seus respectivos papéis. É uma produção de fato diferenciada que pode soar estranha para alguns e brilhante para outros, sendo provavelmente unânime que a atuação perturbada de Stan em diversos momentos do longa se tornará memorável.

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