Diversifique-se

Por Liliane Rocha

CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, e autora do livro “Como ser uma Liderança Inclusiva”

Recentemente, tive acesso a um estudo inédito sobre empreendedorismo negro no Brasil, com foco em gênero, que me fez mais uma vez refletir sobre os contornos do empreendedorismo de subsistência ou sobrevivência no nosso país. Ou sobre como, às vezes, ao ser excluída do mercado de trabalho formal, uma parcela da população negra segue para o empreendedorismo como única fonte de renda.

Acho importante problematizar essas questões e evidenciar a metade meio vazia do copo. Afinal, o empreendedorismo em si tem sido rodeado por uma aura superficial de glamourização que pouco evidencia o que acontece – de fato – na prática.

Por outro lado, não posso deixar de considerar a perspectiva da metade meio cheia do copo: ao ampliarmos a representatividade de empreendedoras negras de sucesso no Brasil, como temos visto nos últimos anos, nas figuras de pessoas como eu, Adriana Barbosa, Viviane Duarte, Nina Silva, Luana Génot, Monique Evelle, Viviane Elias, Ana Minuto, Ana Fontes, Helen Moraes, entre tantos outros exemplos proeminentes, ampliamos a percepção de que é possível trilhar novos e diferentes caminhos.

Dito isto, o estudo realizado pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF), Feira Preta e Plano CDE aponta algo interessante. Mais da metade das empreendedoras negras (54%) tem seus negócios como única ou principal fonte de renda. Apesar de serem maioria no ecossistema afroempreendedor, com 52% dos empreendimentos liderados por mulheres de até 39 anos, elas faturam menos do que os homens, com 43% delas ganhando até um salário mínimo.

Além disso, outro dado interessante é que mais de 50% dos negócios liderados por pessoas negras no Brasil foram criados durante ou depois da pandemia. A pesquisa também revela que 52% das mulheres empreendem em casa, enquanto o número é de 36% entre os homens. Em ambos os casos, 59% ou a maioria dos afroempreendedores atuam principalmente sozinhos.

“Muitas vezes, elas enfrentam dificuldades para conseguir empregos formais ou crescer profissionalmente, então o empreendedorismo não surge como uma escolha, mas, sim, como a única alternativa para garantir o sustento da família”, comenta Adriana Barbosa, diretora-executiva do Instituto Feira Preta, que ainda afirma: “as mulheres negras enfrentam desafios maiores no mercado pela combinação do racismo e sexismo”.

Esta reflexão é importante, pois permite ao empresariado — especialmente àqueles que atuam em consonância com a governança e a responsabilidade corporativa — refletirem sobre como têm interagido com empreendedores negros, particularmente em seu ecossistema.

Para além de quem está contratando, promovendo e desenvolvendo, pensar também no ecossistema, algo que tenho dito repetidamente, é fundamental. Quais projetos sociais são apoiados, quais fornecedores são contratados, quais grandes eventos são patrocinados e como se dão essas escolhas?

Por fim, pouco se fala sobre isso, mas empreender e, sobretudo, ser um empreendedor de sucesso (consolidado, com faturamento, um bom networking individual e empresarial, com perenidade), assim como atuar dentro de grandes empresas, também é um exercício constante de furar a bolha, hackear o sistema. E, por vezes, é também estar em um lugar onde não esperam encontrar pessoas negras.

A geração de empreendedoras e líderes empresariais negras de sucesso segue sendo uma exceção que comprova a regra, mas certamente são um exemplo para muitas outras gerações que estão por vir.

*Liliane Rocha é CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro Como ser um líder Inclusivo e premiada com o 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders

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