A família da minha mãe deixou a comune de Dalmine, na região da Lombardia, norte da Itália, em algum momento entre 1860 e 1920. Como milhares de outros imigrantes, os lavradores Miguel Scotti e Catharina Alborgheti fugiram das dificuldades econômicas que o país vivia na época. Atualmente, Dalmine é uma cidade próspera em um país rico (o PIB per capita dos italianos é de 39.580 dólares – quatro vezes maior que o nosso). Só que sua população está diminuindo - e não é por causa de nova onda de imigracão. Dados do Istat, instituto de pesquisa equivalente ao IBGE, mostram que 2022 terminou com 23.379 habitantes, 92 a menos do que no início do ano. Isso exemplifica a crise demográfica italiana – o segundo país mais envelhecido do mundo, atrás apenas do Japão.
Nos primeiros sete meses deste ano, o país registrou 210 mil nascimentos, mais de quatro mil a menos do que no mesmo período de 2023. Estimativas do Istat indicam que, em 2031, as pessoas com mais de 65 anos representarão 27,7% da população italiana. Diante desse cenário, o país já discute ampliar a idade de aposentadoria dos atuais 67 anos (a mais alta da Europa) para 70. Segundo o presidente do Istat, Francesco Maria Chelli, que participou no começo desta semana de uma audiência nas comissões de orçamento da Câmara e do Senado, “o desequilíbrio” só está aumentando.
A cidade dos meus antepassados é um exemplo desse fenômeno:
Idade e envelhecimento: Assim como em muitas cidades italianas, em Dalmine a proporção de pessoas com 65 anos ou mais cresce, enquanto o número de jovens diminui. Dados de 2022 mostram que 43% dos moradores têm mais de 45 anos. Repete-se ali a taxa de natalidade na Itália, que é uma das mais baixas da Europa, com menos de 1,5 filho por mulher. Dados recentes do Istat mostram que, mesmo se as famílias aumentarem o número de filhos, o desequilíbrio entre novas e velhas gerações continuará a crescer.
População ativa e economia: Na região de Dalmine estão instaladas três operações da Tenaris, um dos maiores fabricantes de tubos de aço do mundo (Petrobras é uma de suas clientes). Isso gera uma demanda constante por novos trabalhadores, que a região e a Itália não conseguem suprir. Segundo o jornal Corriere della Sera, a população italiana economicamente ativa deve cair dois pontos percentuais até 2031. Diante desse cenário, os imigrantes já representam 9,8% dos moradores de Dalmine, principalmente vindos da Romênia, Albânia e Marrocos. Havia 39 brasileiros lá no final de 2022.
Esse perfil demográfico influencia diretamente os serviços que Dalmine oferece a uma população em rápido envelhecimento. Uma visita ao website da comune revela a oferta de serviços que vão desde espaços para socialização e manutenção de habilidades cognitivas e motoras, até assistência domiciliar para idosos com dificuldades para se cuidarem sozinhos. Em geral, o objetivo é garantir a permanência da pessoa em seu ambiente residencial pelo maior tempo possível. Um exemplo é o Servizio di Assistenza Domiciliare, que oferece ajuda para a limpeza da casa, higiene pessoal, auxílio para levantar-se da cama, vestir-se, alimentar-se, caminhar corretamente e movimentar membros com dificuldades. Também há acompanhamento para saídas e atividades na comunidade.
A pessoa não consegue preparar sua própria comida? Existe um serviço que entrega refeições em domicílio, acondicionadas em bandejas descartáveis termosseladas, feitas de material plástico apropriado para aquecimento em micro-ondas. Para quem não possui micro-ondas, é oferecido o empréstimo de um aparelho. Mas se o idoso realmente perde a capacidade de viver sozinho, pode solicitar apoio ao Residenziali Strutture per Anziani, que auxilia na busca de uma instituição especializada para moradia. Muitos idosos italianos vivem sozinhos, engrossando a estatística que mostra a redução do tamanho médio das famílias, cada vez menores (média atual de 2,25 pessoas) e mais fragmentadas.
Como vimos, o envelhecimento populacional na Itália – e em outros países, como o Brasil – não é apenas uma questão demográfica e previdenciária, mas também um desafio econômico e social, que exige estratégias de adaptação em várias frentes.
*Maria Tereza Gomes é jornalista, mestre em administração de empresas pela FEA-USP, CEO da Jabuticaba Conteúdo e mediadora do podcast “Mulheres de 50”