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Empresas começam a adotar práticas para incluir profissionais mais velhos no mercado de trabalho
O cenário fica mais complexo quando se considera o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população
7 min de leitura“Eu não tenho idade, eu tenho tempo.” A frase de Elza Soares, que faleceu em janeiro, aos 91 anos, marcou a forma como ela lidava com a passagem dos dias. No comunicado sobre a sua morte, a equipe e a família da cantora escreveram: “Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”. Dias antes de falecer, Elza se apresentou para uma multidão em Belém do Pará. Ao mesmo tempo em que ícones como ela demonstram a potência da capacidade humana com quase um século de vida, dados da consultoria Maturi, especializada em criar oportunidades de trabalho para pessoas com mais de 50 anos, mostram que as grandes empresas têm apenas de 3% a 5% do quadro de colaboradores nessa faixa etária. Para as mulheres, o cenário é ainda mais cruel: elas enfrentam dificuldades na recolocação profissional a partir dos 40 anos.
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O preconceito contra pessoas mais velhas por causa da idade ficou conhecido como etarismo, idadismo ou, na referência direta do termo original em inglês, ageismo. Aos poucos, o tema entra no radar das empresas que, seguindo o caminho natural da vida, estão mais maduras com relação à discussão sobre diversidade e inclusão. A agenda ganhou espaço após o esforço para inserir mulheres no ambiente de trabalho. Depois, especificamente no Brasil, a contratação de pessoas com deficiência se tornou prioritária por causa da lei de cotas. Na sequência, entraram as ações para os públicos que compõem a sigla LGBTQIAP+ e a questão de equidade racial. Agora, chegou a vez daqueles que abriram os caminhos do mercado de trabalho para muitos das gerações mais jovens, e que hoje se beneficiam de políticas inclusivas e têm ambientes corporativos diversos e sustentáveis.
De acordo com a consultora Margareth Goldenberg, especialista em diversidade, equidade e inclusão e gestora executiva do Movimento Mulher 360, o que se busca é também a variedade cognitiva. “A ideia é que tenhamos também a experiência, que se traduz em habilidades técnicas de comunicação bem desenvolvidas com profissionais sêniores, e a manutenção do conhecimento institucional que eles carregam”, disse. Para ela, um dos motivos que fortalecem esse preconceito no Brasil é a extrema valorização da juventude. “Essa fase é vista como o melhor período da vida, reforçando a crença de que os mais velhos não podem agir de determinada maneira ou fazer determinada coisa. Cria-se um estereótipo de debilitado, doente e improdutivo, que segrega a população”, afirmou.
Neste ano, a descoberta de uma troca de e-mails entre executivos da gigante de tecnologia IBM demonstrou o que se pensa nos bastidores: nas mensagens, tornadas públicas em reportagens de jornais como The Wall Street Journal, eles discutiam como “exterminar os dinobabies” para ter mais profissionais jovens.
O cenário fica mais complexo quando se considera o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população mundial, e também brasileira. Em 2050, haverá duas vezes mais pessoas com mais de 65 anos do que hoje. Os mais velhos serão mais numerosos do que os jovens de 15 a 24 anos. De acordo com dados do IBGE, a expectativa de vida ao nascer no Brasil, em 1940, era de 45,5 anos. Em 2020, ela subiu para 76,8 anos. De acordo com um estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV), 57% da força de trabalho no país em 2040 será composta por pessoas acima dos 45 anos. No Brasil, o gap só piorou na pandemia. Dados do Caged de 2020 e 2021 mostram que os com mais de 50 anos perderam acima de 500 mil postos.
Além de serem a mão de obra que estará disponível no mercado do futuro, eles também serão os consumidores. De acordo com o CEO da Maturi, Mórris Litvak, esse público representará um potencial de consumo de R$ 2 trilhões por ano no Brasil.
Apesar de ainda incipiente, a Maturi percebe a mudança de comportamento das empresas. Em 2021, o atendimento a companhias interessadas na temática de gerações aumentou 25% em comparação a 2020. Mesmo em meio à pandemia de covid-19, o ano passado fechou com um aumento de 30% de contratações de profissionais com mais de 50 anos no Brasil e com mais de 700 vagas publicadas especificamente para esse recorte.
“Eles não são melhores nem piores, são complementares. As empresas precisam ter times multigeracionais”, disse Litvak. Ao observar a mesma tendência positiva, Goldenberg estima que entre 15% e 20% dos clientes com os quais trabalha, que são as empresas que se tornam referência no mercado, estão incluindo o tema geracional como prioritário em diversidade e inclusão.
Na multinacional de serviços de alimentação e gestão de facilidades Sodexo, a gerente de atração de talentos, Alessandra Peixoto, foi contratada aos 50 anos, em julho de 2021. Por trabalhar na área de contratação de pessoas, Peixoto diz que entende as dificuldades do mercado com relação à idade, apesar de a faixa etária nunca ter sido um impeditivo na sua carreira. “Sempre deixei clara a minha idade no currículo. Sei que a minha energia é um diferencial. Às vezes, até o pessoal de 30 anos não tem o mesmo pique que o meu”, disse. Com nove meses de atuação na empresa, Peixoto afirma que o fato de ser uma das mais velhas dentro da liderança da área de recursos humanos é imperceptível no dia a dia. “Acabei de reestruturar o time, que praticamente dobrou de tamanho. Gerencio pessoas mais novas que meus filhos e lidero pessoas mais velhas que eu”, afirmou.
Além da inclusão de profissionais mais maduros, outra questão é promover a integração entre pessoas de gerações diferentes. Da mesma maneira como há estereótipos sobre pessoas com mais de 50 anos, também há preconceitos sobre os jovens: agitados, impulsivos, instáveis, confusos, entre outros termos que remetem à falta de maturidade emocional, são algumas das preconcepções que se têm a respeito deles. Nos corredores, em tom de piada, reveladora de vieses, alguns entre os mais velhos se referem aos mais jovens como “geração Nutella” e a si mesmos como “geração raiz”. Na Accenture, que ganhou o reconhecimento como melhor empresa na Pesquisa de Diversidade e Inclusão do Instituto Ethos, a colombiana Hirozhima Ruiz, de 58 anos, superou barreiras com relação à idade, ao gênero e por ser estrangeira.
Para o diretor de operação da Basf, empresa alemã da área química, na América do Sul, Ricardo Gazmenga, de 58 anos, o mais importante em uma equipe com diversidade geracional é a troca de conhecimento. “Nós, mais velhos, podemos ensinar muito sobre desenvolvimento de carreira e compartilhar experiências que tivemos. Eles, os jovens, podem nos ensinar a enxergar com uma visão diferenciada da nova geração, com a agilidade de pensamento e a digitalização. Ambos só têm a ganhar”, disse. Em 2021, a Basf criou um grupo de afinidade com o recorte de gerações, e Gazmenga começou a participar dos encontros neste ano. O grupo estruturou algumas ações, como trabalhar o letramento da empresa, fazer o benchmark com companhias mais avançadas no tema e focar na interação entre pessoas de diferentes faixas etárias. Em empresas onde o grupo de gerações faz parte dos pilares da diversidade, há iniciativas como a mentoria reversa: o mais velho ensina o que sabe ao mais novo, enquanto o mais novo compartilha os seus conhecimentos com o mais velho.
Os sinais são positivos para o que vem pela frente, mas ainda há espaço para avanços. De acordo com a Pesquisa de Diversidade e Inclusão, 60% das empresas afirmam dispor de uma iniciativa específica, como um programa para profissionais jovens ou maiores de 45 anos com indicadores, metas e meios de acompanhamento. No entanto, apenas 42% buscam jovens ou maiores de 45 anos com divulgação de vagas abertas em canais destinados a esse público ou firmando parcerias com instituições e organizações que possam apoiar a comunicação. Menos de 48% das empresas afirmam tratar as denúncias de assédio moral a partir do recorte de idade, e somente 54% das empresas incentivam e realizam reflexões e diálogos com os colaboradores ou grupos específicos para contribuir com a eliminação de ideias e práticas discriminatórias por causa do etarismo.
De acordo com Litvak, além da questão financeira, o lado emocional é muito impactado pela dificuldade de recolocação profissional. “A pessoa se sente útil, produtiva, às vezes está no auge da capacidade intelectual, e não consegue um emprego. Isso gera problemas de saúde e até mesmo depressão”, disse. Diferentemente de outros recortes da agenda de diversidade, como orientação sexual, identidade de gênero ou racial, a questão etária é o único marcador identitário que transpassa os outros. “Todos vamos envelhecer. Além disso, em empresas familiares e globais, muitos dos gestores têm mais de 45 anos. É um ponto positivo, que devemos aproveitar para movimentar o debate”, disse Goldenberg. Esse é o momento para mudar o futuro das gerações jovens do presente, que, com sorte, terão o privilégio de envelhecer.