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- Em assembleia realizada na última segunda-feira (27), a Oliveira Trust foi destituída da posição de representante dos investidores de CRIs vinculados ao Resort Golden Laghetto (RS)
- Por trás da saída da Oliveira Trust, há muito mais do que uma simples inadimplência dos papéis. A história do “calote” dos CRIs Golden Laghetto envolve até mesmo acusações de desvio de dinheiro, por um lado, e conflito de interesses, por outro
- Procurada, a Oliveira Trust não comentou. Já o Golden Laghetto afirma que está discutindo ações da Fortesec, securitizadora dos CRIs, que não condizem com as regras da operação
Em assembleia realizada na última segunda-feira (27), a Oliveira Trust foi destituída da posição de representante dos investidores dos CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) vinculados ao Resort Golden Laghetto, localizado em Gramado, no Rio Grande do Sul.
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A instituição financeira era responsável por representar os interesses de 400 titulares desses CRIs, que há três meses (março, abril e maio) estão sem receber os valores devidos. Hoje, com multas e moras, o débito chega a R$ 8,8 milhões, segundo a Forte Securitizadora (Fortesec), responsável pela securitização dos ativos.
O lastro são os recebíveis – uma espécie de garantia – das vendas de multipropriedades feitas pelo grupo Golden Laghetto. Nesse modelo de negócio, as cotas de um imóvel são vendidas a compradores, que recebem o direito de utilizar aquela propriedade por um determinado período.
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Apesar da inadimplência dos CRIs, a holding atingiu R$ 609 milhões em Valor Geral de Vendas (VGV) (soma do valor potencial de venda de todas as unidades de um empreendimento) no acumulado de 2023. O valor foi descrito como um recorde por Ronald Spieker, sócio do grupo Golden Laghetto, em entrevistas à imprensa.
Entretanto, por trás da saída da Oliveira Trust e do calote dos CRIs Golden Laghetto, há muito mais do que uma simples inadimplência. O caso envolve acusações de desvio de dinheiro e conflito de interesses.
Procurada, a Oliveira Trust não comentou o assunto. Já o grupo Laghetto afirma que ‘está discutindo ações da Fortesec que não condizem com as regras da operação’. “Há conflitos de interesse na relação societária e prestadores de serviços vinculados ao Grupo Fortesec. A Golden Laghetto reafirma que segue cumprindo todas as suas obrigações legais e contratuais e não hesitará em tomar todas as medidas legais cabíveis para preservar e reparar os seus direitos”, diz a rede, em comunicado enviado ao E-Investidor.
A Fortesec afirma que “está empenhada em solucionar o caso o mais rápido possível e trabalha na apuração de todas as irregularidades e na responsabilização dos envolvidos”.
A origem dos CRIs
Em setembro de 2021, por meio da emissão de CRIs, a Forte Securitizadora (Fortesec) captou R$ 160 milhões junto a investidores para a construção do resort Golden Laghetto. Em troca, os sócios do resort abriram mão do dinheiro das vendas das multipropriedades. Os valores passaram a pertencer, portanto, à securitizadora.
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Desde então, o capital proveniente da venda mensal de cotas dos empreendimentos era direcionado para uma conta centralizadora administrada pela WAM, empresa responsável por fazer as vendas e uma das sócias do empreendimento. Segundo o Termo de Securitização, esse capital deveria ser utilizado para o pagamento das parcelas dos CRIs, além da constituição de garantias, como um fundo de despesas para pagamentos de eventuais despesas do resort e um fundo de reserva para eventuais inadimplências do CRI.
A WAM era autorizada pela Fortesec para fazer essa administração e conta também deveria ser de titularidade da securitizadora. Entretanto, no final de 2022, os sócios majoritários da holding – ABL Golden Participações e Laghetto – abriram uma outra empresa: a LGM Participações. A partir desse momento, a companhia assumiu a administração da conta centralizadora sem que a mudança fosse chancelada pela Fortesec e pelos investidores, escanteando a WAM. É neste ponto que as narrativas — WAM, Fortesec e Golden Laghetto — vão em direções opostas.
A versão da WAM
Em um processo movido pela WAM contra o Grupo Laghetto, a empresa afirma que os sócios majoritários “sequestraram” a administração da holding e pararam de pagar os prestadores de serviços a partir de 2023, alegando supostos descumprimentos contratuais e cobranças extras.
“Como uma sociedade formada por sócios experientes afirma, seis anos depois do empreendimento existir e ser gerido pelo grupo WAM, que estava pagando valores errados? Isso não existe”, questionou Mateo Scudeler, advogado da WAM, ao E-Investidor.
Neste contexto, os sócios majoritários conseguiram aprovar um aumento de capital de R$ 14,7 milhões para fazer frente a supostas dívidas com fornecedores, mas sem apresentar balanço patrimonial ou informação financeira que sustentasse a alegação, diz a WAM.
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Todas as questões, de acordo com a comercializadora, foram deliberadas em uma reunião de sócios convocada em 14 de dezembro do ano passado e realizada em 22 de dezembro, próximo às festas de fim de ano. O prazo limite para o aporte do capital multimilionário foi estabelecido para 2 de janeiro deste ano. Ou seja, depois de 10 dias das deliberações.
Por fim, R$ 11,8 milhões, dos R$ 14,7 milhões levantados no aumento de capital, foram direcionados para a nova empresa dos majoritários, a LGM Participações, segundo documentação exposta no processo obtido pelo E-Investidor. Na peça, há extratos bancários que apontam transferências de recursos para outras companhias, como “Canela Empreendimentos” e “Asa Delta Empreendimentos”, em vez da conta centralizadora dos CRIs. As transferências foram feitas entre 1 de dezembro de 2023 e 4 de janeiro deste ano.
Scudeler afirma que a WAM também se preocupa com a inadimplência dos recebíveis, já que todos os sócios do Golden Laghetto são fiadores da operação. “Até hoje ele não responderam sobre o motivo pelo qual estão desviando recursos da conta centralizadora do empreendimento que deveria servir como garantia do CRI”, diz o advogado.
Fortesec questiona “desvios de recursos”
No dia 14 de fevereiro deste ano, a Fortesec exigiu explicações ao Golden Laghetto sobre o processo movido pela WAM e os recursos que deveriam ser empregados nos pagamentos dos CRIs.
“O desvio de recursos perpetrado pela Golden Laghetto caracteriza flagrante apropriação de recursos aos quais não possui qualquer direito real”, afirma a securitizadora.
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No ano passado, a securitizadora já havia alertado os investidores que a companhia responsável pelas vendas e gestão do empreendimento, a WAM, havia sido trocada e que os créditos imobiliários deixaram de ser repassados na íntegra para a conta centralizadora. O encerramento total dos repasses à conta ocorreu a partir de fevereiro, de acordo com a securitizadora.
“Desde 2023, os pagamentos do empreendimento deixaram de ser depositados na conta da securitizadora, irregularmente apropriados pelo Golden Laghetto. O resort também cortou os acessos da empresa independente que auditava e fiscalizava as informações e realizou distribuições de dividendos de forma irregular para seus sócios”, diz a Fortesec, em nota enviada ao E-Investidor. “Além dos desvios citados, desde fevereiro de 2024 o Golden Laghetto e seus sócios deixaram de repassar à Fortesec os valores da parcela mensal dos CRIs, o que resultou no calote de aproximadamente R$ 8,8 milhões.”
A versão do Golden Laghetto
De acordo com notificações enviadas pelo Golden Laghetto à Fortesec, o grupo afirma estar desde meados de 2022 rompendo contratos com a WAM por ‘descumprimentos de obrigações contratuais não especificadas’. Na esteira dos rompimentos, o grupo decidiu mudar a administração da conta centralizadora e a responsabilidade pela comercialização das cotas imobiliárias para a LGM Participações – uma prorrogativa que, segundo o resort, é de direito do grupo.
Eles alegam que a Fortesec se recusa a compartilhar com a LGM os acessos à conta centralizadora e ao sistema de emissão de boletos dos clientes (apesar de terem o número da conta centralizadora para fazer o repasse dos valores devidos). A empresa diz ainda que securitizadora também estaria mantendo a WAM com a posse dessas informações.
“A Golden Laghetto vem solicitando à Fortesec há meses o acesso à conta e aos sistemas da Fortesec”, diz a holding, em notificação datada de junho do ano passado.
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A Laghetto explica que a inadimplência dos CRIs resulta de um “abuso de direito” por parte da Fortesec. A alegação é que a securitizadora estaria em posse de valores milionários que deveriam ter sido liberados à holding. Isto porque, mesmo que todas as vendas tenham sido cedidas à Fortesec, os recursos excedentes às parcelas dos CRIs e à constituição de fundos de reserva para eventuais perdas nos CRIs e de despesas, por exemplo, poderiam ser devolvidos à rede hoteleira.
Entretanto, além de não devolver capital excedente ao Laghetto, os sócios afirmam que a Fortesec opta por deixar os investidores sem pagamento em vez de sacar os recursos dos fundos.
O resort ressalta ainda que a Fortesec fez sucessivos pedidos de aportes milionários adicionais sem dar transparência às despesas que justificariam o pagamento. Segundo o Laghetto, foi o caso da solicitação de pagamento de R$ 2,3 milhões feita em 9 e 14 de fevereiro deste ano, em razão de alegada insuficiência de recursos na conta centralizadora para cobrir o patrimônio dos CRIs. O grupo de multipropriedades também questiona a cobrança dos aportes em março, de R$ 2,84 milhões, e abril, de R$ 5 milhões, fora o valor total dos débitos (R$ 8,8 milhões).
As parcelas dos CRIs Golden Laghetto não têm valor fixo. O pagamento é calculado em cima de taxas de amortização estipuladas em contrato e aplicadas mensalmente ao Valor Nominal Atualizado (VNA) – quanto um título valeria se vencesse hoje -, com adição de juros e possíveis antecipações. Há duas classes de cotas desse CRI: a sênior, cujo percentual de juros aplicado é de 10% ao ano (0,8% ao mês), e a cota subordinada, cujo percentual de juros aplicado é de 13,35% ao ano (1,05% ao mês).
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Em março deste ano, por exemplo, o VNA das cotas seniores era de R$ 78,5 milhões. Aplicando a taxa de amortização de 2,86% para o mês, estipulada em contrato, e o juro de 0,8%, chega-se a um montante de R$ 2,88 milhões somente referente a esta classe. Repetindo esse processo com a cota subordinada, com uma amortização de 2,82%, o resultado é de R$ 1,32 milhão de valor devido. Portanto, a parcela total atinge R$ 4,2 milhões. Para abril e maio, o valor correspondente também fica em torno de R$ 4,2 milhões.
Dos R$ 12,6 milhões em parcelas, o Golden Laghetto deixou de pagar pelo menos R$ 8,8 milhões, segundo a Fortesec.
De acordo com a securitizadora, o resort questiona os números sem apontar as irregularidades e reafirma que os cálculos dos pagamentos são validados pelo representante legal dos investidores — na época, a Oliveira Trust — e estão previstos nos documentos da operação, assinados pelo resort. Já o cancelamento do acesso do Golden Laghetto à intranet da securitizadora foi uma “medida necessária” para a proteção dos CRIs diante das evidências de fraude. Ainda assim, não impediria que o Laghetto emitisse as faturas por outro sistema e transferisse os valores integrais à conta centralizadora. Por último, a Fortesec ressalta a impossibilidade de utilizar o fundo de despesas para cobrir a inadimplência.
“O fundo de despesas tem destinação específica e não pode ser utilizado para pagamento das parcelas. Já o fundo de reserva deve ser usado a exclusivo critério da securitizadora, sempre em benefício dos investidores”, afirma a Fortesec, ao E-Investidor.
Racha entre investidores
Os desentendimentos entre a Golden Laghetto e a Fortesec se arrastam há meses. Em abril de 2023, a securitizadora convocou uma assembleia para votar a decretação do vencimento antecipado dos CRIs em função da mudança na administração da conta centralizadora, que passou da WAM para a LGM Participações.
A Fortesec relatava que o grupo deixou de fornecer as informações necessárias para o cumprimento das obrigações da securitizadora e que pagou dividendos aos sócios, mesmo não repassando a totalidade dos créditos mobiliários para a conta centralizadora. O vencimento antecipado dos CRIs foi aprovado em assembléia realizada em 2 de maio de 2023. A partir desse momento, iniciou-se um processo arbitral entre a securitizadora e os sócios do Golden Laghetto, que buscavam evitar a execução dos CRIs.
Contudo, em outubro de 2023, parte dos investidores dos recebíveis — como as gestoras Devant, Órama e TG Core– se reuniu em uma assembleia gerida pela Oliveira Trust para votar a suspensão do vencimento antecipado dos CRIs, destituir a Fortesec da posição de securitizadora e deliberar sobre a mudança de auditor dos créditos imobiliários – da companhia “Servicer” para a LGM Participações, que também já administrava a conta centralizadora.
Todas as matérias acima foram aprovadas. Na ata da Assembleia, os investidores questionaram principalmente a gestão do “patrimônio separado” dos CRIs pela securitizadora. Na reunião, por exemplo, esses investidores votaram para que os recursos constituídos no fundo de reserva fossem utilizados para “amortização extraordinária” dos CRIs.
A Fortesec, por sua vez, considerou a Assembleia irregular. Segundo a securitizadora, não foram atendidos os requisitos estabelecidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para destituição da securitizadora, como decretação de falência ou insuficiência dos ativos integrantes do patrimônio separado para satisfação integral dos títulos de securitização.
Insuficiência de ativos?
Em diversas notificações enviadas pela Oliveira Trust à Fortesec ao longo de 2023, a ex-administradora fiduciária cobra explicações sobre a gestão do patrimônio separado. Eles dizem que a securitizadora aplicava esses recursos em um fundo de renda fixa chamado “Lodge FIRF CP”, supostamente de liquidez diária, como manda o Termo de Securitização dos CRIs.
Entretanto, ao analisar os ativos que compunham o fundo, a Oliveira Trust percebeu que 99,5% do patrimônio líquido era composto por CRIs da própria Fortesec. Além disso, esses recebíveis já haviam passado ou estavam passando por eventos de inadimplência que alteraram seu fluxo de pagamentos. Segundo a instituição, este fato deixava nítido que não se tratavam de ativos com liquidez diária.
Em resumo, isso que significa que os recursos aplicados no Lodge FIRF CP poderiam estar indisponíveis para cobrir eventuais perdas do CRI Golden Laghetto. “A opção da Fortesec em manter os recursos em tal fundo poderá acarretar na responsabilidade da Securitizadora pelos prejuízos que causar, seja por culpa, dolo, negligência, imprudência, imperícia […] nos termos dos documentos das operações”, diz a Oliveira Trust, em um dos comunicados à Fortesec.
Na Assembleia de outubro do ano passado, a Devant, Orama e TG Core fizeram uma manifestação conjunta, em que questionaram justamente a liquidez diária do fundo Lodge, além do fato de todos os ativos pertencerem à securitizadora. Na época, as três votaram a favor de depor a Fortesec em função desta situação.
“Em razão de a Securitizadora não ter respondido, mais uma vez, as razões pelas quais teria realizado a administração do Patrimônio Separado do modo aqui visto, bem como em razão da ausência de informações que possibilitem constatar a real situação dos recursos que servem para honrar as obrigações dos CRIs, a situação atual demanda a adoção de medidas mais drásticas, com o objetivo de preservar o interesse dos titulares dos CRI”,afirmaram a Devant, Orama e TG Core, na manifestação.
Em resposta, a Fortesec reforçou que a aplicação está em linha das regras impostas no Termo de Securitização. “Os questionamentos do agente fiduciário e do Golden Laghetto sobre supostas irregularidades na aplicação dos recursos não procedem. Nunca houve qualquer ocasião em que a liquidez das referidas aplicações foi insuficiente para arcar com as necessidades de caixa da operação. A validade dos investimentos realizados já foi inclusive confirmada por decisões judiciais”, diz a Fortesec, em resposta.
No final, a assembleia da última segunda-feira (27) conferiu uma vitória da Fortesec sobre a Oliveira Trust. Nesta reunião, todas as deliberações aprovadas pela assembleia convocada pela Oliveira Trust em outubro do ano passado foram anuladas. Um dos votos de peso a favor da Fortesec e contra a Oliveira Trust foi da própria Devant, que na reunião anterior havia votado para destituir a securitizadora, junto com a Orama e TG Core. Agora, o novo representante dos investidores é a Reag Investimentos.
O litígio entre Fortesec e o Golden Laghetto ainda está em arbitragem. Os processos da WAM contra o Laghetto (e vice-versa) também correm na Justiça. Já os investidores dos CRIs seguem amargando as incertezas dessa operação.